Discurso no Senado Federal

SITUAÇÃO DA AQUICULTURA NO BRASIL. IMPORTANTE DOCUMENTO ELABORADO POR OCASIÃO DO SEMINARIO DENOMINADO 'AQUICULTURA PARA O ANO 2000', REALIZADO EM NOVEMBRO DE 1995.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • SITUAÇÃO DA AQUICULTURA NO BRASIL. IMPORTANTE DOCUMENTO ELABORADO POR OCASIÃO DO SEMINARIO DENOMINADO 'AQUICULTURA PARA O ANO 2000', REALIZADO EM NOVEMBRO DE 1995.
Publicação
Publicação no DSF de 09/07/1997 - Página 13479
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • DEFESA, INCENTIVO, AQUICULTURA, CONCESSÃO, CREDITOS, FORMAÇÃO, VALORIZAÇÃO, MÃO DE OBRA, ACESSO, ENERGIA ELETRICA, IRRIGAÇÃO, ESCOAMENTO, PRODUÇÃO, DIFUSÃO, TECNOLOGIA.
  • JUSTIFICAÇÃO, POLITICA NACIONAL, PRIORIDADE, AQUICULTURA, PESCA, PRODUÇÃO, ALIMENTOS.
  • ANALISE, CRITICA, OMISSÃO, GOVERNO, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, DESENVOLVIMENTO, AQUICULTURA.

              O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna retomar um tema sobre o qual já me pronunciei em abril do ano passado -- a aqüicultura. Infelizmente, como se verá ao longo deste pronunciamento, pouca mudança ocorreu nesse intervalo de tempo, a meu ver longo demais para pequeno progresso no campo das políticas relativas a aqüicultura.

              Segundo o Manual de Piscicultura Tropical de Carlos Proença e Paulo Roberto Bittencourt, editado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, a aqüicultura consiste no cultivo dos seres vivos que têm na água seu principal ou mais freqüente ambiente de vida. Entenda-se por cultivo a utilização de insumos, mão-de-obra e energia com o objetivo de aumentar a produção dos organismos úteis pela manipulação deliberada de suas taxas de crescimento, mortalidade e reprodução.

              Dessa forma, a aqüicultura abrange não só os organismos estritamente aquáticos, mas também aqueles que passam porção menor de sua existência em terra, como rãs e jacarés. Embora a grande maioria das espécies hoje cultivadas seja de animais, alguns vegetais, representados por certas algas marinhas, são também produzidos na aqüicultura.

              Se a palavra aqüicultura constitui um termo pouco conhecido do grande público, quando passamos a detalhar seus diferentes campos de atuação os nomes surgem ainda mais exóticos, complicando sobremaneira a comunicação em torno do assunto para os não especializados na matéria. Temos, assim, incluídas na aqüicultura: a carcinicultura, que é o cultivo dos camarões; a piscicultura, para os peixes; a ranicultura, para as rãs; a ostreicultura, para as ostras; a mitilicultura, para os mexilhões; e assim por diante. Como vemos o tema é vasto e complexo desde sua nomenclatura.

              Estejam tranqüilos, Sr. Presidente e meus nobres Pares, que não vim a esta tribuna enfadá-los com um tratado sobre tema altamente especializado e destituído de qualquer interesse para esta Casa. Ao contrário, creio tratar-se de matéria da mais alta relevância para o País, que vem recorrentemente sendo abordada tanto no seio desta Câmara Alta, como da Câmara dos Deputados. Identifiquei registros de pronunciamentos aqui feitos há mais de dez anos, enfocando aspectos e questões que permanecem até hoje sem respostas.

              A definição de aqüicultura dada no início deste pronunciamento não foi mero exercício de saber intelectual. Ela contém em si mesma as questões fundamentais que o Brasil tem que responder para definir uma política de desenvolvimento nesse campo.

              Se não, vejamos: a aqüicultura exige o uso de insumos para produção de organismos úteis.

              Se examinarmos o aspecto insumos, temos embutido nele, de acordo com sua definição mais geral, os recursos financeiros exigidos para atividade produtiva, incluindo-se aí os créditos necessários. Isso significa que os governos federal, estaduais e municipais dos locais onde essa atividade se desenvolva devem criar uma política de incentivo creditício para que a aqüicultura seja auto-sustentável. Significa, outrossim, política de preços mínimos atrativos para os investidores, exigindo ação coordenada da CONAB -- Companhia Nacional de Abastecimento, do Ministério da Fazenda e do Conselho Monetário Nacional.

              Insumo também quer dizer mão-de-obra qualificada para a atividade aqüícola, o que resulta em impacto sobre a distribuição de empregos no meio rural. Necessária se faz a intervenção do Ministério do Trabalho para regular as relações de trabalho entre os empresários e seus empregados. Sabemos todos nós parlamentares, e a mídia mostra a todo o País, o grave problema que temos no setor agrário brasileiro. Por que, então, não valorizar uma atividade demandadora e valorizadora de mão-de-obra em região tão crítica e socialmente sensível?

              Falar em mão-de-obra implica, também, a exigência de formação de técnicos de nível médio e superior especializados na matéria, o que tem repercussão direta no currículo das escolas e universidades dedicadas ao assunto, ou que devam sê-lo por exigência da sociedade local onde a aqüicultura seja uma atividade econômica e socialmente relevante. A qualificação de pessoal envolve políticas de educação, atribuição do Ministério da Educação e do Desporto, mas envolve também, e sobretudo, política de desenvolvimento científico e tecnológico, para tornar rentável a atividade, o que exige atuação do Ministério da Ciência e Tecnologia.

              Energia significa abastecimento de eletricidade, sistema de irrigação e toda a infra-estrutura necessária aos centros produtores, o que envolve ação do Ministério das Minas e Energia para garantia do fornecimento desses itens.

              Praticar a aqüicultura é cultivar alimentos de altíssimo valor protéico em um País, como o Brasil, onde há enormes carências alimentares. Isso exige, pois, uma política de abastecimento do produto da aqüicultura, com sistemas de transporte e distribuição dos alimentos, estocagem em frigoríficos, e repasse aos varejistas e consumidores. Não deveriam ser os Ministérios da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária e da Indústria, do Comércio e do Turismo os responsáveis pela gestão das políticas nesses campos?

              A aqüicultura, usando como meio de reprodução e cultivo a água, utiliza tanques, rios, lagos e reservatórios de barragens e diques, quando praticada em áreas continentais. Utiliza porções de mar ou oceano quando neles praticada. Esses espaços são todos públicos quando não construídos artificialmente em propriedades particulares. Há que haver a intervenção do Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal e do Ministério da Marinha para regular o uso desses espaços e controlar o equilíbrio ecológico de uma atividade industrial em interação direta com a natureza.

              Evidentemente que, em se tratando do envolvimento de recursos e políticas públicas, a intervenção do Ministério do Planejamento e Orçamento se faz necessária para enquadrar a aqüicultura dentro das estratégias de governo.

              Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a partir da análise feita da definição do que é aqüicultura, vimos a profundidade e extensão com que devem se comprometer os diferentes níveis da administração pública no desenvolvimento dessa atividade. Relacionei até aqui dez ministérios cuja atuação se faz necessária para dar suporte e impulso a esse ramo da produção de alimentos.

              A partir da magnitude do problema levantado, poderá surgir no espírito dos Nobres Pares a questão da relevância para o País de uma atividade de implicações tão vastas e variadas, face às dificuldades que já temos para dominar os problemas mais evidentes de nossa sociedade.

              Nesse sentido, registrem-se apenas dois fatos singelos. O Equador produz anualmente em cativeiro cinqüenta mil toneladas de camarões, mais do que o conjunto da produção em pesca extrativa e aqüicultura do restante da América Latina. A China produz metade de seus alimentos protéicos via aqüicultura.

              De acordo com a FAO -- Food and Agriculture Organization -- há dez anos atrás, em 1987, a Ásia, como um todo, já produzia onze milhões de toneladas entre peixes, crustáceos, moluscos e algas através da aqüicultura. Em contrapartida, as Américas Central e do Sul ficavam em modestas cento e oitenta mil toneladas dos mesmos produtos.

              Ora, o Brasil sozinho possui 5,2 milhões de hectares de bacias represadas em açudes, reservatórios das hidroelétricas ou para abastecimento urbano, além de mais de oito mil quilômetros de litoral rico em áreas de grande potencial para a maricultura. Esse capital, agregado ao que se poderá construir em tanques específicos para a aqüicultura, significa um Brasil capaz de ser o maior produtor mundial de pescado, desde que aplicada a política desenvolvimentista adequada.

              Como a maioria das atividades produtivas neste País, seu desenvolvimento, por pequeno que tenha sido até hoje, deve-se muito mais à iniciativa de grupos isolados de pessoas em instituições públicas ou empresas privadas, do que ao chamamento de um projeto de desenvolvimento abraçado pela sociedade e conduzido pelo governo.

              Nos dias 7 a 9 de novembro de 1995 realizou-se na cidade de São Carlos, Estado de São Paulo, promovido pelo CNPq -- Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, um seminário chamado Aqüicultura para o Ano 2000, cuja finalidade foi gerar subsídios para a capacitação de recursos humanos e a geração de tecnologia em aqüicultura sustentável.

              A leitura do documento produzido ao final do seminário permite tirar algumas lições importantes sobre a questão que tratamos neste momento.

              Em primeiro lugar, nosso País não tem qualquer levantamento confiável do que representa a aqüicultura em sua economia. Em segundo lugar, a disparidade crônica entre as regiões Sul e Sudeste versus as Norte e Nordeste reflete-se também no campo da aqüicultura. Tal situação é tanto mais incompreensível quanto a extensão da bacia hidrográfica amazônica e da costa do Norte-Nordeste. Sabida a carência alimentar de grande parte da população dessas regiões, torna-se aberrante não haver uma ênfase concreta na produção de pescado para suprimento do mercado interno regional.

              Relevante constatação do citado seminário foi a de que os cursos e pesquisas desenvolvidos nos centros governamentais da EMPRAPA, do IBAMA, nas universidades e demais centros não se difundem pela sociedade na extensão e profundidade desejáveis. A transferência de tecnologia se faz de modo modesto se comparada com a capacidade instalada. Agregue-se a isso a falta absoluta de uma política global para o País que direcione as pesquisas para o estudo das espécies mais adaptáveis ao cultivo em cativeiro, de acordo com as diferentes regiões do País, aproveitando a riquíssima fauna autóctone de que o Brasil dispõe.

              Temos importado matrizes de peixes exóticos e a respectiva tecnologia quando dispomos de abundantes recursos naturais para desenvolver nossa própria aqüicultura em águas tropicais. O Brasil tem investido enormemente em recursos humanos de alta qualificação, sem que isso seja acompanhado de políticas consistentes de aproveitamento desse capital humano no desenvolvimento sustentado do País. As universidades e mesmo os centros de pesquisa aplicada permanecem em muitos casos desassistidos e desligados da sociedade. Falta da parte do governo o direcionamento necessário via definição de prioridades imperativas que induzam os centros produtores de ciência e tecnologia deste imenso Brasil a se voltarem de modo maciço para essas prioridades, sem dispersão de recursos humanos e financeiros em projetos deslocados de nossas necessidades.

              A aqüicultura é, por força de seu potencial de geração de alimentos altamente protéicos, pela importância econômica que pode alcançar, pela repercussão social que pode ter, principalmente nas camadas mais pobres da população brasileira, uma prioridade nacional e como tal deve ser tratada.

              Sr. Presidente, uma semana após a realização do seminário de São Carlos, coincidentemente ou não, o Presidente Fernando Henrique Cardoso assinou e fez publicar, em 13 de novembro de 1995, quatro decretos, de números 1694/95 a 1697/95, que tratam diretamente da matéria. Foram assim criados o SINPESQ -- Sistema Nacional de Informações da Pesca e Aqüicultura, a Câmara de Políticas dos Recursos Naturais, do Conselho de Governo e o GESPE -- Grupo Executivo do Setor Pesqueiro.

              Particularmente importante é o decreto 1695/95, que regulamenta a exploração de aqüicultura em águas públicas pertencentes à União e dá outras providências.

              Sr. Presidente, nobres Senadores, poder-se-ia dizer que o Governo, ao adotar tais medidas imediatamente após seminário de especialistas, mostrou agilidade rara em responder aos clamores da sociedade. Finalmente o País seria dotado de uma política para os setores aqüícola e pesqueiro e de um órgão central de gestão dessa política.

              Infelizmente parece que a rapidez ficou apenas nas medidas legais, através da publicação dos decretos. O GESPE está realmente implantado, mas não se conhece nenhum produto de sua ação que tenha se traduzido em benefício para o setor para o qual foi criado. Causa estranheza que passado mais de um ano de sua criação não se possa arrolar nenhum fruto de um grupo denominado executivo.

              Às vezes temos a impressão que o cidadão brasileiro é visto por Brasília como mera estatística, números que se somam e subtraem, destituídos de qualquer caráter humano. Os setores aqüícola e pesqueiro envolvem grande contingente de brasileiros que neles trabalham e que deles se beneficiam. A produção de alimentos de alto valor protéico que tais setores podem gerar exige do Governo ação concreta, ágil, imediata e fecunda.

              Não seria razoável supor que passado mais de um ano já tivessem sido criados e implementados os meios de execução de uma política para que a pesca e a aqüicultura se tornem atividades organizadas e socialmente produtivas, na escala que devem ter e o Brasil necessita?

              Não basta que o Senhor. Presidente da República, secundado por seus Ministros de Estado e com a colaboração do Congresso Nacional, coloque no papel diretrizes de ação. É necessário e, no presente caso, urge que tais diretivas transformem-se em ação concreta dentro da sociedade e não, apenas em grupos de trabalho que se perdem em discussões infecundas e infrutíferas.

              O documento emitido pelo seminário de São Carlos, e editado pelo CNPq, contém dados mais do que suficientes para que sejam tomadas medidas objetivas a curto prazo. Nele há informações sobre centros e universidades atuantes na pesquisa e formação de mão-de-obra para aqüicultura. Estão identificados os principais núcleos produtores de alevinos e pós-larvas das espécies já cultivadas em cativeiro.

              Esse relatório, conciso e objetivo, estabelece diagnóstico bastante aprofundado da situação da aqüicultura no Brasil, analisando região por região do País. Mesmo não sendo exaustivo, apresenta propostas que resgatam a aqüicultura e a pesca para o lugar de destaque que devem ter na geração de alimentos para a população brasileira e para outros países, face ao enorme potencial de exportação que apresentam. Esse é um documento que pode e deve gerar frutos para o povo brasileiro, cansado e faminto de ações concretas que o ajudem na sua sobrevivência diária.

              Sr. Presidente, era o que tinha a dizer.

              Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/07/1997 - Página 13479