Discurso no Senado Federal

65 ANOS DA REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE 1932.

Autor
Romeu Tuma (PFL - Partido da Frente Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • 65 ANOS DA REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE 1932.
Aparteantes
Esperidião Amin, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 10/07/1997 - Página 13545
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, REVOLUÇÃO, DEFESA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, HISTORIA, BRASIL, OCORRENCIA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

O SR. ROMEU TUMA (PFL-SP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho dito desta tribuna que se deve medir a evolução política de uma sociedade através do grau de liberdade que proporciona aos cidadãos.

Por isso, podemos verificar quanto evoluiu um povo, no sentido de praticar verdadeiramente a democracia, observando a intensidade e a clareza com que demonstra seu reconhecimento dos direitos universais dos seres humanos, através do pacto pelo qual se constitui em nação.

Ou seja, sem uma Constituição que diga expressamente quais são os direitos individuais e coletivos tutelados pelo Estado e que harmonize, de forma a não obstar as liberdades fundamentais, os deveres individuais e coletivos correspondentes, é muito difícil afirmar que exista democracia no seio de alguma nação. No sentido inverso, facílimo é acolher o conceito de que nela reina a tirania.

Pois bem, Srªs e Srs. Senadores, comemoramos hoje o 65º aniversário de um movimento revolucionário - ou "Guerra Cívica", como preferem alguns historiadores - que custou a vida de centenas de heróis brasileiros na defesa daqueles princípios e na busca de sua implementação através de um texto constitucional reiteradamente negado pelos governantes da época. Um movimento armado que sacudiu a Nação, fazendo-a mais consciente que nunca da necessidade de uma Constituição e da autonomia dos Poderes da República. Um movimento que se chamou Revolução Constitucionalista de 1932.

Venho da cidade em que o 9 de julho possui simbolismo destinado somente às datas magnas da História. Uma cidade que, em menos de uma década, fora mutilada por bombardeios e pela metralha em duas revoluções - as de 1920 e 1924. Uma cidade que ainda chorava seus filhos, civis e militares, tombados nas ruas e nos setores de batalha, quando não se esquivou de doar mais sangue generoso para regar, em 1932, o campo político em que hoje floresce a democracia brasileira. Uma cidade que amargou uma batalha perdida, numa guerra cívica finalmente ganha.

      Nunca, em nenhum outro movimento brasileiro, registrou-se tamanha unanimidade entre uma população envolvida na defesa de seus ideais. Sempre existe alguém que discorde de alguma idéia, mas, na Revolução de 32, apenas um ou dois por cento do povo de São Paulo, se tanto, não apoiou o movimento.

É este o pensamento do notável escritor, jornalista e historiador Hernane Donato, Presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Estado de São Paulo, que acaba de publicar mais um trabalho - o livro Breve História da Revolução de 32 -, produto de suas infindáveis pesquisas sobre aquele acontecimento. Vem ele reafirmar, mais uma vez, o que ficou demonstrado pelo não menos ilustre Paulo Nogueira Filho, revolucionário e historiador, na magistral obra A Guerra Cívica - 1932, ou seja:

      "Poucas vezes na história de nossos tempos, um povo soube, com tanto vigor e clareza, revelar e executar sua vontade. Foi um fenômeno de psicologia coletiva, que, a seu tempo, não escapará às cogitações da ciência."

Tão acesa ainda está a chama constitucionalista que, em boa hora, o ínclito Governador Mário Covas achou por bem transformar o 9 de Julho em feriado, para que todo o Estado de São Paulo possa comemorar a data com o devido júbilo cívico, pois a Revolução Constitucionalista não é patrimônio exclusivo da Cidade de São Paulo: é orgulho para todos os paulistas, natos ou por adoção, assim como deve ser para todos os que se sentem capazes de dar a própria vida pela liberdade. Uma Revolução merecedora do respeito de todos, especialmente de nós, detentores do múnus político, pois foi com ela que se reabriram os horizontes democráticos da Pátria.

Aliás, meus nobres Pares, ao discursar sobre a Revolução Constitucionalista, é difícil dizer algo que sobre ela ainda não tenha sido dito desta tribuna. Aqui já se alternaram seus mais ferrenhos defensores e detratores, usando todos os adjetivos que as paixões despertam. Mas, se nos mantivermos nos domínios da serenidade e da prudência, verificaremos que é inquestionável seu mérito histórico, na medida em que serviu para recolocar o País no caminho das conquistas democráticas. Por exemplo, sua primeira conseqüência foi a Constituição de 34 e nesta nasceu o voto feminino, entre outras conquistas do povo. Suas conseqüências tornaram-se tão importantes que o fato de nela ter atuado passou a integrar o referencial histórico de instituições cujos nomes, por si mesmos, já dispensariam referências honrosas. Por exemplo, ao defender as prerrogativas da Justiça estadual, no ano passado, o Desembargador Álvaro Lazzarini fez questão de inserir a seguinte frase em artigo publicado na Folha de S.Paulo:

      "O Tribunal de Justiça de São Paulo, instalado no Império, tem gloriosas tradições de luta pelo direito e pela justiça, inclusive com atuação marcante na Revolução Constitucionalista de 1932."

O ideário constitucionalista era tão forte que transformou inimigos da Revolução de 1924 em partidários e até heróis do movimento de 1932, a exemplo do que aconteceu com o Coronel Júlio Marcondes Salgado. Como Major de Cavalaria, em 1924, comandara ele a defesa legalista da usina elétrica da Rua Paula Souza, obrigando as tropas insurretas do Tenente Cabanas a retrocederem pela primeira vez. Em 1932, comandando a Força Pública paulista e morrendo num acidente com testes de morteiro, Júlio Marcondes Salgado transformou-se num dos grandes vultos de nossa História.

As conseqüências da Revolução Constitucionalista de 1932 extrapolaram o campo político. Influíram em nosso desenvolvimento industrial e aceleraram a nossa evolução social. No período de 1926 a 1933, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT) chamava-se Laboratório de Resistência de Materiais da Escola Politécnica (LEM). Prestava assistência tecnológica principalmente à construção civil, em especial no campo de concreto armado. Esse organismo, hoje com renome internacional, atuava também na área da metalurgia e, com o advento da Revolução de 32, enveredou pelo apoio à fabricação de armamentos, inclusive carros blindados e granadas. Diz o seu histórico oficial:

      "Terminada a revolução, ficou como resultado o grande salto tecnológico da indústria paulista. A experiência adquirida com o rigoroso controle de peças e de materiais, exigidos na produção de armamentos, abriu caminho para a criação, dois anos mais tarde, da Seção de Metrologia do IPT."

Srªs e Srs. Senadores, ser-me-ia impossível, além de redundante e fastidioso, historiar em minúcias o que foi a Revolução Constitucionalista. Para fazê-lo, decantados autores encheram páginas e páginas sem conseguir, porém, esgotar o assunto. Assim aconteceu, por exemplo, com aquele ilustre autor de A Guerra Cívica - 1932, nos seis alentados volumes em que dividiu suas pesquisas, depois resumidas num único livro pelo não menos notável Pedro Ferraz do Amaral.

Todavia, em alguns dos trabalhos históricos que reli para poder assomar a esta tribuna, aquele aspecto pouco divulgado - o do avanço tecnológico - chamou-me a atenção. Tenho certeza de que outros mais também poderão alimentar reflexões de meus nobres Pares. Por exemplo, como a epopéia de 32 tem relação direta com a morte de Alberto Santos Dumont, o inconfundível descobridor da dirigibilidade dos balões e inventor do avião autopropulsado, deve-se ressaltar o intenso emprego da aviação por ambos os lados. Os combates aéreos e os bombardeios numa guerra fratricida em solo pátrio foram a gota d´água para o martírio que impôs a si mesmo o incomparável brasileiro, com a mente perturbada por um complexo de culpa insano, como se os grandes inventores e cientistas fossem responsáveis pelo mau uso de suas descobertas. Ao imolar-se por seu ideal pacifista, o grande brasileiro lançou um dos mais fortes brados contra o belicismo que corrompe a ciência e a técnica, colocando-as a serviço da destruição.

O fato é que, a 10 de julho de 1932, o Campo de Marte paulista fora tomado pelos rebeldes, que se apossaram de quatro aviões militares. Mais dois aparelhos foram levados a São Paulo por pilotos simpatizantes da revolução, conforme consta dos registros históricos da Força Aérea Brasileira. Os proprietários de mais nove aviões particulares colocaram os aparelhos à disposição do movimento. Dias depois, as forças revolucionárias requisitaram um avião de transporte da empresa francesa Aéropostale para utilizá-lo em missões de bombardeio. Posteriormente, quatro aeronaves importadas do Chile reforçaram esses parcos recursos, totalizando 20 aviões, a maioria de modelo civil adaptado ao uso militar, enquanto que, do lado governamental, o emprego de 68 aviões de reconhecimento, bombardeio e caça produziam uma desproporção altamente desfavorável aos revolucionários. Isto, entretanto, não impediu que os céus latino-americanos fossem palco, pela primeira vez, da derrubada de um avião em combate. Atingida por vários tiros no radiador ao ser interceptada, pela segunda vez, por uma formação rebelde, no dia 8 de agosto, uma aeronave governista fez aterrissagem forçada atrás de suas linhas. Também não foi obstáculo para que os rebeldes efetuassem, à 1 hora e 45 minutos do dia 13 de agosto, o primeiro ataque aéreo noturno da América Latina, realizado contra o destacamento aéreo legalista em Resende, sem grandes danos porém. Nos dias 3 e 5 de setembro, a aviação governista castigou o Forte de Itaipu, infringindo severos danos humanos e materiais aos últimos revoltosos.

      "Meu Deus, meu Deus! Não haverá meio de evitar derramamento de sangue de irmãos? Por que fiz eu essa invenção? Em vez de concorrer para o amor entre os homens se transformou numa arma maldita de guerra! Horrorizam-me estes aeroplanos que estão constantemente pairando sobre Santos."

Dissera Santos Dumont, amargurado, ao telefonar do Guarujá, no litoral paulista, para seu amigo, o Professor José de Oliveira Orlandi, dias depois de deflagrada a revolução. As notícias dos combates de bombardeios aéreos levaram-no ao desespero e à morte, no dia 23 de julho, mas nem por isso seu sacrifício contribuiu para arrefecer a guerra, embora, no dia 25 de julho, Getúlio Vargas decretasse luto nacional por três dias.

Ninguém sabe, ao certo, quantas vidas foram ceifadas nos embates entre rebeldes e governistas. No ponto mais privilegiado do Parque Ibirapuera, em São Paulo, situa-se o Monumento-Mausoléu do Soldado Constitucionalista de 1932, encimado por um obelisco que, em suas proporções, guarda simbolismo numérico com o movimento: mede 72 metros de altura, a contar do andar térreo, ou 81 metros, se considerarmos o subsolo. Somando-se os dígitos de cada uma dessas dezenas, sempre encontraremos 32. É na cripta existente no subsolo que estão encerrados os restos mortais de mais de 600 revolucionários. Mas esse número está longe de representar o total de mortes durante o movimento, pois, até hoje, não se conseguiu apontar com certeza sequer quantas baixas foram registradas entre as forças legalistas. Uma inexatidão típica das grandes revoluções que se repete nas de 20 e 24, assim como em tantas outras no decorrer da história.

Em relação a 32, a contagem deveria iniciar-se em fins de maio, quando pereceram seus primeiros e mais conhecidos heróis - Mário Martins de Almeida, estudante de Direito; Antônio Américo de Camargo Andrade, casado, com três filhos menores; Euclides Miragaia, estudante em São José dos Campos; Dráusio Marcondes de Souza e Amadeu Martins. Com o arrojo típico dos seus 21 anos de idade, os cinco foram atingidos durante o tiroteio iniciado na noite de 23 de maio e encerrado na madrugada seguinte, na esquina da rua Barão de Itapetininga com a Praça da República, onde ficava a sede da legião socialista, havia pouco rotulada de Partido Popular Paulista e considerada "a máquina extremista opressora de São Paulo". Dezenas de pessoas envolveram-se na contenda, na qual não faltaram rajadas de metralhadoras e granadas lançadas daquele prédio sobre a multidão. Aqueles jovens morreram, gerando a famosa sigla MMDC, de Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo. Mas quantos ficaram mutilados? E quantos mais pereceram nas trincheiras que se abriram, depois, nos quatro cantos do Estado? Aliás, nessas trincheiras e nas covas rasas, desprovidas de preconceitos de qualquer espécie, podemos identificar uma das mais poderosas raízes da democracia racial brasileira, como apontam diversos historiadores, pois nelas vamos encontrar, lado a lado, gente de todas as raças, as mesmas raças que transformaram São Paulo de 1932, com seu milhão de habitantes, na metrópole hiper-racial que o Brasil tem a felicidade de acalentar hoje.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, procurei restringir ao máximo, em minha fala, o elenco de vultos históricos para evitar injustiça da omissão forçada pela falta de tempo. Além disso, considero a Revolução de 1932 um movimento popular autêntico, com centenas, talvez milhares de heróis anônimos.

O Sr. Ramez Tebet - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROMEU TUMA - Concedo um aparte ao nobre Senador Ramez Tebet com muito prazer.

O Sr. Ramez Tebet - Nobre Senador Romeu Tuma, não tenho nada a acrescentar ao seu pronunciamento. Só quero deixar registrado que V. Exª, legítimo representante de São Paulo no Senado da República, relembra uma data histórica, uma data marcante; relembra o Movimento Constitucionalista, um movimento em prol da legalidade. V. Exª está fazendo com que esta Casa não fique omissa diante de uma data tão grande como esta, que é o 9 de julho, quando se comemora a Revolução Constitucionalista do País de 1932. Falando sobre o Movimento, relembrando os seus episódios, falando dos heróis anônimos que ajudaram e que participaram desse movimento, V. Exª supre a omissão do Senado da República e demonstra que está atento quando se trata de São Paulo e, por que não dizer, do Brasil.

O SR. TOMEU TUMA - Agradeço a V. Exª, sempre carinhoso e simpático com a minha pessoa. Mas creio que a referência histórica a que V. Exª se refere no seu aparte me dá a tranqüilidade de que não estou agindo como um paulista, mas sim como brasileiro. Lembro que a Revolução foi constitucionalista, e não um ato de revolta contra o Governo Constituinte.

O Sr. Esperidião Amin - Senador Romeu Tuma, V. Exª me concede um aparte?

O SR. ROMEU TUMA - Pois não, Senador Esperidião Amin, com muito prazer.

O Sr. Esperidião Amin - Eu gostaria de, rapidamente, deixar consignada a minha manifestação de solidariedade a V. Exª, ao Estado que V. Exª representa e à sua iniciativa de fazer, através deste pronunciamento, um registro do significado desta data para todos nós brasileiros, e não apenas para São Paulo. Muito obrigado.

O SR. ROMEU TUMA - Agradeço a V. Exª pelo carinho do aparte, mas creio que é importante o Brasil rever seus fatos históricos, porque estamos caminhando para o futuro, e a história só se constrói com os fatos que marcam a presença do povo brasileiro em horas difíceis.

Por esta razão, não partilho da opinião de que ela tenha acontecido apenas por vontade da "elite paulista". A esta explicação simplista, desarrazoada, prefiro contrapor o argumento de que, como em todo movimento verdadeiramente oriundo do seio do povo, também em 32 os acontecimentos acabaram por gerar e sofrer a natural influência de fortes lideranças, notadamente de tribunos, radialistas, jornalistas, radioamadores, políticos e militares do porte de um Ibrahim Nobre, Nicolau Tuma, Júlio de Mesquita Filho, José Cardoso de Almeida Sobrinho, Paulo e César Yazbek, Pedro de Toledo, Isidoro Dias Lopes, Euclides de Figueiredo e tantos mais que seria impossível mencionar agora, durante o tempo que me é concedido. Homens que encarnavam, a toda hora, os ideais buscados pelo povo, num contexto em que a regra suprema era "um regime de democracia representativa, dentro da mais ampla autonomia federativa", como ressalta Paulo Nogueira Filho. A todos eles devemos dirigir o nosso carinho e o nosso respeito sem esquecer dos heróis anônimos, sem esquecer daqueles homens e mulheres do povo, doutores, empresários, operários, brancos, negros, amarelos ou índios, chefes de família ou jovens descomprometidos, a maioria de condições humildes para os padrões de hoje, que pegaram em armas para garantir-nos o direito de aqui estarmos a falar alto e a bom som que nada se sobrepõe à liberdade. Homens cujos rostos se perderam na história, mas cuja obra continua presente em nossas conquistas e em nossos ideais.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/07/1997 - Página 13545