Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE PROJETO DE LEI DE AUTORIA DE S.EXA., EM TRAMITAÇÃO NESTA CASA, QUE DISPÕE SOBRE A EUTANASIA.

Autor
Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE PROJETO DE LEI DE AUTORIA DE S.EXA., EM TRAMITAÇÃO NESTA CASA, QUE DISPÕE SOBRE A EUTANASIA.
Publicação
Publicação no DSF de 11/07/1997 - Página 13772
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, DEFESA, INDUÇÃO, MORTE, DOENTE.
  • NECESSIDADE, APOIO, SENADOR, DISPOSIÇÃO, QUALIFICAÇÃO, RELATOR, MATERIA, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA.

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, praticamente há um ano assomei à tribuna para apresentar um projeto de lei que vem de encontro aos interesses de milhares de seres humanos que se encontram em profundo sofrimento.

Sr. Presidente, essa é uma proposta que diz respeito à vida e, de certa forma, polêmica, mas que se faz necessária, porque esse direito deve ser garantido a todos os cidadãos brasileiros. Refiro-me à Eutanásia: o direito à morte com dignidade.

O Senador Lúcio Alcântara foi contemplado para estudar a matéria e dar o seu parecer. Intervi junto a S. Exª que, naquele momento, teria uma posição contrária e, diante de um apelo do autor dessa proposta, o Senador Lúcio Alcântara devolveu o projeto à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

Sr. Presidente, um ano se passou! Tenho conversado insistentemente com quase todos os membros da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e as dificuldades são as mesmas, pois procuro um relator. Por isso, novamente assomo à tribuna para falar a respeito desse projeto, que vem desde a Câmara dos Deputados.

      "Art. 1º Esta lei disciplina os casos em poderá ser autorizada a prática da morte sem dor e os respectivos procedimentos prévios à sua consecução.

      Art. 2º Será permitido o desligamento dos aparelhos que mantenham alguns dos sinais vitais do paciente, caso seja constatada a sua morte cerebral, desde que haja manifestação de vontade deste.

      § 1º A manifestação de vontade do paciente deve ser expressa e obedecerá às normas aplicáveis à manifestação de última vontade.

      § 2º A constatação da morte cerebral deverá ser firmada por Junta Médica, formada por, no mínimo, três profissionais habilitados, sendo que pelo menos um deles deterá o título de especialista em Neurologia ou seu equivalente.

      Art. 3º. Será permitido o desligamento dos aparelhos que mantêm alguns dos sinais vitais do paciente, caso seja constatada a sua morte cerebral, desde que haja prévia e expressa manifestação de seus familiares.

      § 1º Para efeito dessa lei, consideram-se familiares os cônjuges, os descendentes, os ascendentes, os colaterais consangüíneos ou não até o terceiro grau.

      § 2º Na ausência de familiares, o juiz poderá, a pedido de médico ou de pessoas que comprovadamente mantêm laços de afetividade com o paciente, suprir a autorização deste.

      Art. 4º Ao receber petição de médico ou de pessoa que mantém laços de afetividade com paciente com morte cerebral constatada, nos termos do art. 3º, § 2º, o juiz determinará a oitiva do Ministério Público e, na mesma ocasião, mandará citar por edital os familiares e as pessoas que se encontrem na mesma condição do autor.

      Parágrafo único. A petição deverá, obrigatoriamente, vir acompanhada das conclusões da Junta Médica que avaliou o quadro clínico do paciente (art. 2º, § 2º).

      Art. 5º Decorridos 30 (trinta) dias da publicação do edital, o juiz ordenará formação de Junta Médica, constituída de no mínimo três profissionais, sendo que um deles será necessariamente especialista em neurologia ou detenha título equivalente.

      § 1º A Junta Médica deverá fornecer laudos circunstanciados do quadro clínico do paciente, concluindo pelo desligamento ou não dos aparelhos que mantém alguns dos seus sinais vitais.

      § 2º Não poderão integrar a Junta Médica constituída por determinação judicial os profissionais que assinam o laudo que acompanha a petição inicial.

      Art. 6º Havendo ou não manifestação do Ministério Público, de posse do laudo da Junta constituída nos termos do art. 5º, o juiz apreciará, no mais breve tempo possível, o caso, decidindo pela autorização ou não do desligamento dos aparelhos.

      Art. 7º Será permitida a morte sem dor do paciente em circunstâncias que acarretem sofrimentos físicos ou psíquicos, que, por sua natureza, intensidade e precariedade de prognóstico da evolução da doença não justifiquem a continuidade da assistência médica destinada à conservação de sua existência.

      § 1º Na hipótese disciplinada por este artigo, a morte sem dor somente poderá ser autorizada por Junta formada por, no mínimo, 5 (cinco) médicos, sendo que pelo menos 2 (dois) deles deterão os títulos de especialista ou seu equivalente, na moléstia que acomete o paciente, desde que haja o consentimento prévio e expresso deste.

      § 2º O consentimento prévio e expresso do paciente obedecerá à forma prevista no § 1º do art. 2º.

      § 3º - Caso o paciente esteja impossibilitado de expressar-se, ou não tenha expressado seu consentimento prévio, seus familiares ou pessoas que comprovadamente mantenham laços de afetividade com este, poderão requerer ao Poder Judiciário autorização para consecução da morte sem dor.

      Art. 8º Seja no caso de paciente com morte cerebral constatada, seja na hipótese do § 3º do art. 7º, em não havendo a concordância de todos os familiares, qualquer um deles poderá instaurar processo judicial que autorizará ou não a morte sem dor.

      Art. 9º Recebida a inicial, o juiz mandará citar, pessoalmente, todos os familiares do paciente, para que se pronuncie sobre o pedido de autorização no prazo de 30 (trinta) dias.

      Parágrafo único. A inicial deverá, obrigatoriamente, vir acompanhada das conclusões da Junta Médica que avaliou o quadro clínico do paciente (art. 7º, § 1º).

      Art. 10 Após as considerações dos familiares, o juiz determinará a oitiva do Ministério Público e na mesma oportunidade, ordenará a formação de Junta Médica, constituída de, no mínimo, 05 (cinco) profissionais. Sendo que entre eles, necessariamente, estará o especialista em Neurologia, ou detentor de título equivalente e dois especialistas na moléstia que acomete o paciente ou detentores de tiros e equivalentes.

      § 1º A Junta Médica deverá fornecer laudo circunstanciado do quadro clínico do paciente, concluindo pela manutenção de sua vida ou pela concepção da morte sem dor. Na dúvida, a Junta opinará pela manutenção da vida do paciente.

      § 2º Não poderá integrar a Junta Médica constituída por determinação judicial os profissionais que assinam o laudo que acompanha a petição inicial.

      Art. 11 Havendo ou não, manifestação do Ministério Público, de posse do laudo da Junta constituída nos termos do art. 10, o juiz decidirá pela manutenção da vida do paciente ou pela consecução da morte, sem dor."

Peço a atenção dos nobres colegas Senadores, já que a nossa idade está um tanto avançada, e que, sem sombra de dúvida, com certeza, a morte virá e não sabemos em que circunstância, e de que mal seremos acometidos. Diante da dor profunda, nobres companheiros, diante do fato de a Medicina não ter recursos, diante da impotência e de um quadro caótico, diante da desmoralização que podemos sofrer, diante da impotência e da dor profunda é preciso que todos nós tenhamos a condição de ter o livre arbítrio em optar, em decidir, por uma morte digna e justa.

      "Art. 12 Em qualquer hipótese da sentença caberá apelação, sendo que da que se julgar pela consecução da morte sem dor, caberá recurso "ex-ofício" para o Tribunal de Justiça."

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a morte, sem sombra de dúvida, virá para todos, porque é uma condição da qual não poderemos fugir.

Quando, recentemente, estive num hospital, visitando um amigo que sofreu um acidente, que ficou tetraplégico, impossibilitado de exercer suas atividades, perdeu o seu apetite e o seu referencial de prazer e de utilidade, naquele momento, no seu leito de morte, e ele me disse: "Gilvam, o pior da minha situação é que não tenho como resolver, porque não tenho forças. Não tenho nem como me suicidar. Minhas costas estão sangrando. Não posso mover o meus braços; sou músico. Não posso mover as minhas pernas; estou lúcido. Não sei por que sou submetido a tal sofrimento profundo". Uma coisa é a tese e a filosofia, a outra é quando chega a dor, o sentimento de impotência, o sofrimento da família, é quando aquele que está no leito em sofrimento profundo não tem o direito ao livre arbítrio que é garantido no livro sagrado do cristianismo, a Bíblia. O livre arbítrio, Sr. Presidente, nos dá a opção, e a sociedade não é tão má que não possa garantir a esses cidadãos esse direito. A eutanásia, portanto, é o direito à boa morte.

Vida é quando se tem potencialidade. O referencial todo de prazer é quando existem perspectivas.

Fico sinceramente decepcionado quando, por questões culturais e eminentemente eleitorais, alguns colegas que manifestam simpatia a essa causa têm medo de se incompatibilizar com religiões e com alguns segmentos que são contrários. Faço, portanto, um apelo aos companheiros, aos que, porventura, venham a ter a disposição de estudar matéria tão importante, porque faz parte da vida.

Estou procurando, Sr. Presidente, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania um Senador da República que tenha a disposição de analisar esse projeto, que está muito bem elaborado, muito bem estudado, para que tenhamos condições de levar em frente essa proposta.

A eutanásia, Sr. Presidente, se faz necessária. Faço este apelo a V. Exª, como Presidente do Congresso Nacional, para que, tão logo tenha oportunidade de conversar, em seu gabinete, com alguns Senadores que façam parte da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e que tenham simpatia por essa proposta, os encoraje nesse sentido, porque as religiões já são favoráveis.

A Bíblia dá garantia e há vários segmentos religiosos que a aprovam.

Concluo o meu pronunciamento, alertando aos meus nobres Pares - Senadores da República -, que a nossa idade já está avançada. Inevitavelmente, chegará o nosso dia. Espero que não estejamos em um leito de morte, impossibilitados, em dor profunda, sem condições de exercer as nossas atividades, os nossos trabalhos, sem condições de amar, para, aí sim, vir a reflexão.

Portanto, o Brasil precisa adequar-se urgentemente e nos dar esse direito, essa lei que é tão importante, para que tenhamos condições de optar quando chegar o nosso dia e a nossa hora.

Que Deus nos proteja e nos abençoe, fazendo com que apareça um Senador disposto a relatar esse projeto favoravelmente.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/07/1997 - Página 13772