Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE A CRISE DE DESEMPREGO NO PAIS E NO MUNDO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE EMPREGO.:
  • REFLEXÕES SOBRE A CRISE DE DESEMPREGO NO PAIS E NO MUNDO.
Publicação
Publicação no DSF de 11/07/1997 - Página 13851
Assunto
Outros > POLITICA DE EMPREGO.
Indexação
  • ANALISE, DESEMPREGO, ECONOMIA, BRASIL, AMBITO, CRIAÇÃO, EMPREGO, COMENTARIO, PROBLEMA, LIBERALISMO, MUNDO.
  • COMENTARIO, ANALISE, CELSO FURTADO, ECONOMISTA, PROBLEMA, DESEMPREGO, DEFESA, CRIAÇÃO, EMPREGO, CAMPO, NECESSIDADE, DEBATE, ASSUNTO, SENADO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, conclusões preliminares de estudos realizados pelo Ministério do Trabalho indicam que a economia brasileira produziu, nos últimos dois anos, a média anual de um milhão e meio de novos empregos. Essa seria a resposta do governo brasileiro às críticas por sua adesão ao modelo neoliberal, que perturba o mercado de trabalho em vários locais do mundo, não apenas aqui. Os números são interessantes, mas ainda precários. Precisam ser checados e confirmados por outras pesquisas. Além dessa conclusão, uma outra chamou atenção dos pesquisadores: o emprego está, ou estaria, crescendo na economia chamada informal.

O governo brasileiro ainda não encontrou a fórmula para lidar com os problemas sociais. Fica a meio caminho da distribuição de alimentos ou cestas básicas, e, ao mesmo tempo, tenta atrair empresas que deverão gerar empregos. A segunda hipótese figura nos manuais neoliberais: quanto mais investimentos, mais empregos. Então, a melhor maneira de combater o desemprego é abrir oportunidades para que o capital privado exerça o seu verdadeiro papel numa sociedade capitalista e globalizada.

As empresas estrangeiras que estão vindo para o Brasil podem ser agrupadas em dois tipos distintos: as que compram empreendimentos nacionais, já em funcionamento, e os submetem a uma reengenharia; e aquelas que chegam aqui, proprietárias de formidável aparato tecnológico, e montam operações industriais extremamente sofisticadas, com elevado emprego de capital e baixa absorção de mão-de-obra.

A ideologia neoliberal entra em crise quando ocorrem as duas hipóteses. No Brasil de hoje, existem alguns casos como esses. Diversas empresas estrangeiras de grande porte estão construindo fábricas de automóveis no Brasil destinadas, todas, a produzir, em média, oitenta a cem mil veículos/ano. Nenhuma delas, segundo os comunicados oficiais das próprias organizações, terá mais de mil empregados.

Do ponto de vista da folha de pagamento serão empresas de porte médio. Do ponto de vista do faturamento, terão o tamanho de gigantes. As já tradicionais fábricas de automóveis existentes no Brasil têm optado por cancelar postos de trabalho, colocar trabalhadores no desemprego e avançar numa automação tardia. Recentemente, uma antiga e conhecida marca estrangeira, que opera no Brasil há décadas, anunciou a inauguração de nova unidade produtiva. Seus diretores tiveram a honestidade de reconhecer que nenhum emprego seria criado. Os desempregados de outras linhas de montagem iriam ser aproveitados, em parte, na nova fábrica.

A questão do emprego é, de longe, o mais forte e violento desafio deste final de século. Na Europa Central, os países controlam o mercado de trabalho regulando a migração. Quando há recessão, como acontece agora na França, o governo expulsa os estrangeiros, sem olhar para quaisquer das conseqüências sociais. Quando há expansão dos negócios, os estrangeiros passam a ser bem acolhidos para exercer as tarefas de menor remuneração. Essa é a fórmula encontrada para que os nacionais jamais entrem na faixa do desemprego.

O governo dos Estados Unidos utiliza política semelhante, jogando com maior ou menor flexibilidade de sua polícia de migração na faixa de fronteira com o México. No período da colheita, na Califórnia, no Texas e em outras áreas, a migração é bem-vinda. Depois, não. Os estrangeiros são convidados a deixar o país. A regulação do mercado de trabalho dá-se, no mundo desenvolvido, pela facilidade ou dificuldade ofertada na política migratória. Os estrangeiros são a moeda que vai determinar o maior ou menor crescimento da economia. Quando a economia vai bem, eles são admitidos. Quando vai mal, são expulsos.

Países como o Brasil, que ao mesmo tempo recebem mão-de-obra estrangeira e enviam nacionais para o exterior, não possuem medidas adequadas para defender seu mercado de trabalho. Além disso, empresas estrangeiras, usualmente, não investem em pesquisa nas suas sucursais, por maiores que sejam. A pesquisa é concentrada na matriz. Os mercados consumidores recebem os produtos prontos, acabados e devem pagar, além de sua produção, o custo da pesquisa realizada na origem.

Isso significa que o desemprego em países como o Brasil tem um caráter mais predatório: uma vez que não há meios de regular o fluxo de mão-de-obra estrangeira, é o brasileiro que termina perdendo sua colocação para os pesquisadores, que ficam na matriz, e para o emprego que se transfere para o exterior. Mas, além disso, a sociedade industrial, por causa da informatização, oferece, aqui ou lá, cada vez menos postos de trabalho. A crise do emprego é geral. Em países intermediários, como é o nosso caso, ela mostra uma face mais cruel.

O professor Celso Furtado, um dos economistas mais respeitados no Brasil e no mundo, disse numa inspirada entrevista à revista Veja o seguinte:

"é uma crise de civilização. O estado do bem-estar social foi a maior experiência de solidariedade que já se inventou, a grande vitória e a nobreza da democracia moderna. A crise atual não pode continuar porque é grave e vai exigir mudança. Caso contrário, as coisas vão piorar e ninguém sabe o que pode acontecer. No passado, as grandes crises levavam à guerra. Hoje a guerra não é mais solução porque destruiria a humanidade".

O grande brasileiro vai mais fundo e acrescenta: "no Brasil as pessoas acham que os problemas resultam apenas de governos ruins. Na verdade, os problemas são mais profundos".

Essa é a questão, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, que está a nos desafiar neste final de século. É o fim do emprego. A vinculação simples e direta entre investimento industrial e emprego desapareceu. Quanto maior o investimento, hoje, proporcionalmente menor será a absorção de mão-de-obra. As indústrias estão se aparelhando com um arsenal tecnológico impressionante, que dispensa em grande parte a presença do trabalhador. Os computadores, os robôs e a automação substituem o homem.

Nos Estados Unidos e na Europa, o crescimento do emprego deu-se, em escala significativa, no setor terciário, ou seja, de serviços. A sociedade do bem-estar quer ser atendida em todas as suas demandas, sobretudo no setor de turismo e viagens. Jamais se viajou tanto na história da humanidade. A indústria do lazer, hoje, é a que mais cresce no mundo. Esse é um caminho ainda quase fechado para a imaginação e a criatividade dos brasileiros. O fato é que as ofertas de emprego estão mudando de origem. O emprego está deixando de ser, majoritariamente, ofertado pelas indústrias. O exemplo brasileiro é eloqüente: São Paulo, o Estado que mais recebeu investimentos industriais nos dois últimos anos, foi aquele onde ocorreu a maior elevação das taxas de desemprego.

A dificuldade não é apenas do Governo ou do atual governo. O problema está colocado diante de toda a sociedade brasileira. Como uma economia, estabilizada, pode produzir o número de empregos necessários a seu desenvolvimento? O professor Celso Furtado lança a idéia de gerar empregos no campo, no vasto interior brasileiro, que ainda está por ser colonizado. Pode ser uma saída, de vez que quase a metade do território brasileiro ainda não conhece os benefícios do desenvolvimento econômico.

Seja como for, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, a questão do emprego incomoda a todos. Várias empresas, em diversos pontos do território brasileiro, estão procurando racionalizar custos e se adequar à concorrência internacional. Se elas não agirem assim, serão facilmente engolidas pelos ferozes competidores internos e externos. É um caminho sem volta, que foi sugerido pelo que se chama globalização.

As indústrias desfrutam hoje de uma espécie de extraterritorialidade. Elas desfrutam de uma enorme área de livre comércio, que abrange quase todo o mundo. Podem operar, comprar, vender e fabricar nos mais diversos pontos do planeta. São disputadas por governos estaduais e federais. São cortejadas. Uma das mais tradicionais empresas aéreas européias, com base na Suíça, transferiu sua manutenção para a Irlanda e a contabilidade para a Índia. Uma das mais importantes e conhecidas empresas de calçados esportivos dos Estados Unidos remanejou sua fábrica para o Vietnã, embora continue a vender no mercado interno norte-americano. As duas procuraram, apenas, reduzir custos, sem alterar os níveis de qualidade.

Todas as idéias são muito bem-vindas neste momento de crise estrutural. O modelo tradicional que sugeria que investimento é igual a emprego já não corresponde a realidade. O problema é sério, profundo e de solução extremamente difícil. A entrevista do professor Celso Furtado coloca o assunto na ordem do dia.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, nós, aqui no Senado da República, estamos na posição de convidar técnicos, especialistas, estudiosos, reunir os mais variados pontos de vista, idéias e pesquisas a respeito do assunto para, no momento oportuno, podermos sugerir ao Presidente Fernando Henrique Cardoso alguns caminhos para romper esse círculo de dificuldades.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/07/1997 - Página 13851