Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS A MATERIA PUBLICADA NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, DE ONTEM, A RESPEITO DO SISTEMA UNICO DE SAUDE E A SUSPEITA DE DESVIO DE RECURSOS ORIUNDOS DA CPMF, DESTINADOS A SAUDE, PARA O FUNDO DE AMPARO AO TRABALHADOR - FAT.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • COMENTARIOS A MATERIA PUBLICADA NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, DE ONTEM, A RESPEITO DO SISTEMA UNICO DE SAUDE E A SUSPEITA DE DESVIO DE RECURSOS ORIUNDOS DA CPMF, DESTINADOS A SAUDE, PARA O FUNDO DE AMPARO AO TRABALHADOR - FAT.
Aparteantes
Ney Suassuna, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 17/07/1997 - Página 14286
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, DIVULGAÇÃO, SITUAÇÃO, APLICAÇÃO, RECURSOS, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS).
  • DEFESA, LEGALIDADE, APLICAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), PAGAMENTO, DIVIDA, MINISTERIO DA SAUDE (MS), FUNDO DE AMPARO AO TRABALHADOR (FAT).
  • ANALISE, DESEQUILIBRIO, APLICAÇÃO, RECURSOS, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), PREJUIZO, ESTADOS, POBREZA, REGISTRO, MEDIDAS ADMINISTRATIVAS, MINISTERIO DA SAUDE (MS), ALTERAÇÃO, SITUAÇÃO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Folha de S. Paulo de segunda-feira, dia 14 de julho, publicou uma matéria muito interessante a respeito do Sistema Único de Saúde.

O tema Saúde tem ocupado espaço na nossa agenda, tem propiciado muito debate, muita discussão. Tivemos aqui uma grande luta para aprovar a CPMF, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, que, afinal, foi aprovada e está rendendo, surpreendentemente, recursos acima do que imaginavam os responsáveis pela área econômica. Fala-se até em torná-la permanente ou prorrogá-la por mais algum tempo.

Mas há queixas na imprensa. A Deputada Jandira Feghali, do PCdoB do Rio de Janeiro, querida colega nossa, pessoa muito devotada às causas da Saúde, obteve inclusive uma liminar na Justiça Federal do Rio de Janeiro sobre a aplicação da CPMF.

O que está havendo, Sr. Presidente? Parte dos recursos da CPMF que estão chegando ao Ministério da Saúde está sendo destinada a pagar contas que esse Ministério tem, em função de empréstimo contraído anteriormente com o FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador.

É de se perguntar se isso, na verdade, é um desvio. Esse empréstimo foi feito pelo Ministério da Saúde para gastar em Saúde, para gastar com o SUS, e é, evidentemente, um passivo, uma conta. Aliás, essa teria sido uma das razões do pedido de exoneração do Ministro Adib Jatene, porque ele queria a CPMF como recurso a mais, e essas contas seriam pagas com recursos do Tesouro.

Mas, a rigor, ninguém pode dizer que isso configura um desvio de finalidade. As contas que o Ministério tem com o FAT, decorrentes de empréstimos do exercício de 1996, na verdade, representam dinheiro aplicado em Saúde. Não considero que haja um desvio de finalidade. Simplesmente a CPMF acabou servindo mais para pagar essa conta do que para acrescentar um novo volume de recursos para a Saúde.

Aliás, o Ministro Carlos Albuquerque, numa providência que julgo interessante, colocou na Internet todos os dados sobre a CPMF: quanto recebeu, em que aplicou, enfim, qual o destino dessa contribuição, porque houve muita discussão quando da sua aprovação pelo Congresso Nacional.

Os economistas - que muitas vezes querem ser os senhores da vida e da morte nos países e nas sociedades - erraram mais uma vez redondamente, porque previam o caos, o descalabro, se aprovada a CPMF. Ela foi aprovada, está sendo cobrada, e não se pode imputar a ela responsabilidade por qualquer desacerto da economia brasileira. É preciso ter cuidado com essas previsões, com esses arautos do caos e do pessimismo em relação a medidas econômicas.

A matéria da Folha de S. Paulo contém dado muito interessante. Ela fala da aplicação de recursos do SUS e mostra, inclusive, uma intenção, um desejo, uma vontade do Ministro Carlos Albuquerque de corrigir essa que é uma distorção que talvez poucos Srs. Senadores conheçam e saibam que existe. É que a aplicação per capita de recursos do SUS privilegia, favorece os grandes Estados em detrimento dos pequenos, em detrimento dos Estados mais pobres.

Senão vejamos: o Paraná lidera o ranking do gasto per capita do SUS por Estado, porque lá o SUS aplica R$63,39 para cada paranaense, enquanto na distante Roraima da Senadora Marluce Pinto, que estava aqui há pouco, o SUS aplica R$25,41. Quer dizer, aplica no Paraná, per capita, duas vezes e meia o que aplica em Roraima.

Em São Paulo, o gasto per capita do SUS é de R$60,83. Na Paraíba do nosso querido Ney Suassuna, a aplicação é de R$45,95. O Rio Grande do Sul tem como aplicação per capita do SUS 59,57%; o Estado do Mato Grosso do Sul, do nosso prezado Colega Senador Ramez Tebet, 48,54%. No Pará, do Senador Coutinho Jorge, nosso Colega de partido e amigo, 27,51% contra 54,85% do Rio de Janeiro. É uma disparidade enorme!

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Pois não, Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna - V. Exª está explicando que quanto mais desenvolvido o Estado, mais recebe, e que quanto mais subdesenvolvido, com mais problemas de saúde, menos recebe. A que V. Exª atribui essa injustiça?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Há uma causa básica que se encontra em uma distorção perversa do SUS: de um lado, o pagamento por produção, quer dizer, por aquilo que se realiza - consultas, cirurgias e exames; e, por outro, a tabela única de prestação de serviços, que é a mesma de Rondônia a São Paulo, de Porto Alegre a Rio Branco. Portanto, há dois fatores: primeiro, a tabela única de pagamento, válida para todo o território nacional; segundo, a remuneração por serviços prestados.

O Ministro está empenhado em modificar essa situação, já adotou uma mudança, que vai vigorar a partir dos próximos meses, que é o chamado PAB - Piso de Atendimento Básico -, e vai estipular um valor que cobrirá despesas com vacinação, consulta, etc. Depois, dará liberdade para que cada Estado decida que valor atribuir e como fazer esses pagamentos.

O Sr. Ramez Tebet - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Pois não, Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet - Senador Lúcio Alcântara, o interessante é que eu trouxe algumas notas para abordar o mesmo assunto. V. Exª o aborda com muita propriedade desta tribuna, até porque V. Exª conhece melhor o tema Saúde, que é a sua especialidade. Como político, apenas sinto, por exemplo, o que está ocorrendo hoje em Campo Grande, capital do meu Estado, com a Santa Casa de Misericórdia. Temos levado esse assunto ao Ministério para mostrar a situação aflitiva em que se encontra a Santa Casa, que está recusando o atendimento de doentes que vêm de todos os Municípios do Estado de Mato Grosso do Sul para ser atendidos nessa instituição. A Santa Casa está sem condições de atender os pacientes; estes estão indo para o Hospital Universitário, que também está superlotado. Em suma, no meu Estado, existe o caos! Mas quero dizer que V. Exª aborda o assunto por um ângulo que me tinha passado despercebido, porque, em verdade, V. Exª tenta mostrar que a aplicação dos recursos da saúde são, evidentemente, maiores nos grandes centros urbanos, nos Estados mais desenvolvidos. V. Exª faz uma abordagem - e endosso suas palavras - da aplicação per capita. O doente de São Paulo ou das grandes metrópoles é mais ou menos valioso do que os dos nossos Estados, dos Estados menos favorecidos? É isso o que chama a atenção. Se para um doente de uma grande metrópole gasta-se R$60, por que para um doente de uma cidade pequena, de uma província, onde não há recursos, gasta-se menos? Isso é incompreensível! Portanto, apenas por esse aspecto levantado, só por esse dado, vale o discurso de V. Exª, que cumprimento.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado, Senador Ramez Tebet.

Pode-se dizer sempre que essa distorção tem uma causa: maior complexidade, maior disponibilidade de serviços altamente complexos nesses Estados desenvolvidos - grandes cirurgias, grandes hospitais, tratamentos especializados. Mas V. Exª, com a sua sensibilidade de homem público, de político, mostrou claramente que nessas regiões inóspitas, onde o atendimento é difícil, onde a própria disponibilidade de recursos técnicos e profissionais é escasso - como Roraima, por exemplo -, é lógico que há uma demanda por um volume apreciável de recursos. Não estamos discutindo o volume global de recursos aplicados, estamos falando em per capita. Nesse caso, essa disparidade fica bem clara: para beneficiar os Estados mais desenvolvidos.

Senador Ramez Tebet, V. Exª, que já foi Relator da Lei Eleitoral, gosta dessas matérias e sabe que há uma intenção. O próprio Ministro Sérgio Motta falou até em propor um plebiscito para isso, sobre a questão do tamanho das Bancadas nos Estados. Muitos entendem, principalmente os grandes Estados - São Paulo, sobretudo, mais uma vez - que isso fere um princípio democrático básico: "one man, one vote"; quer dizer, um homem, um voto. Portanto, um cidadão de Roraima vale oito, dez vezes o que vale um cidadão de São Paulo, porque há uma notória desproporção entre o tamanho da representação federal e o eleitorado desses Estados. Para São Paulo, há um número muito menor do que, em princípio, teria direito; e para esses pequenos Estados do Norte, há um número muito maior do que eles teriam direito, em função do eleitorado.

Pergunto: e agora, como ficamos em relação a esse caso da Saúde, se se alega o princípio de respeito à cidadania? Mas não vale para a Saúde; vale para a representação política, mas não vale para uma questão essencial, fundamental de sobrevivência. Para esses que sustentam o mesmo argumento - aos quais oponho algumas restrições -, pergunto: como ficam diante dessa comparação com a Saúde?

O Sr. Ramez Tebet- Não quero responder a V. Exª, quero somar com V. Exª.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Pois não!

O Sr. Ramez Tebet - Vejam bem: a hora em que sufocarem a representação política das unidades pequenas da Federação, os desequilíbrios sociais vão se agigantar cada vez mais. É preciso entender que, em um processo político, em um processo eleitoral, os Estados têm a representação proporcional ao seu número de eleitores ou de habitantes, conforme o Texto Constitucional. No caso, o que está vigindo no País é o número de eleitores. Porém, as grandes unidades da Federação têm um teto maior, mas elas estão muito à frente na representação, não têm do que se queixar. Nós é que temos de unir nossos esforços, tal como fizemos em 1988. Na Constituição de 1988, eu não era Parlamentar, mas V. Exª era, e as Bancadas do Norte, Nordeste e Centro-Oeste se uniram para conseguir algo para as nossas regiões. Portanto, o que queremos é um tratamento igualitário e que realmente se promova o desenvolvimento deste País, sem se esquecer do desenvolvimento do nosso interior. V. Exª está dizendo que até na Saúde este País está discriminando os brasileiros. Aí sim é que se está violentando o princípio sagrado da cidadania. Quero, mais uma vez, cumprimentar V. Exª.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Pois não, Senador Ramez Tebet. Muito obrigado.

O meu pronunciamento tem a finalidade de alertar o Congresso no sentido de que é preciso dar força ao Ministro Carlos Albuquerque, para que S. Exª possa promover essa reestruturação do SUS, que é de inteira justiça. Não há como se explicar essa disparidade. Vamos aqui mostrar mais uma vez: o Paraná, em relação a Roraima, tem um gasto per capita mais de duas vezes maior.

Está-se falando muito em parlamentarismo; respeito as pessoas que pensam assim. Mas, vejam bem, se tivermos o parlamentarismo e, além dele, uma revisão do tamanho da Bancada, se se unirem aqui três grandes Estados: Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, estes vão dominar o Congresso, vão dominar politicamente e economicamente o País, não há a menor dúvida.

Dessa forma, mesmo que se admita um superdimensionamento dessas pequenas bancadas do Norte - o Ceará não tem esse problema, pois tem o número exato sob qualquer ângulo que se examine a questão -, penso que é um freio a esse poder econômico e, de certa maneira, agora, ao poder político desses grandes Estados. E não me venham com essa conversa de dizer que o Senado é quem representa a Federação, que todos nesta Casa são iguais, porque temos experiências do dia-a-dia e sabemos que não é exatamente assim. Recomendo, para quem tem interesse, um livro chamado "Perfis Parlamentares", que trata de um discurso feito por Epitácio Pessoa quando assumiu o seu mandato de deputado. Nesse discurso, o primeiro, ele abordou a questão da representação federal dos pequenos Estados, de quanto eram importantes para o equilíbrio político da Federação.

Concluindo, Sr. Presidente, reitero que o Ministro da Saúde promova rapidamente essas mudanças. Os Governadores dos pequenos Estados, inclusive do Ceará, têm diligenciado, têm cobrado do Ministro essas providências. O Governador Tasso Jereissati está anunciando que vai efetivamente executá-las. No entanto, é claro que existem posicionamentos contrários, argumentos para evitar a mudança de uma situação já constituída, mas extremamente desfavorável aos pequenos Estados, aos Estados mais pobres, menos desenvolvidos do País. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/07/1997 - Página 14286