Discurso no Senado Federal

ANALISE CRITICA DOS TRES ANOS DO PLANO REAL.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • ANALISE CRITICA DOS TRES ANOS DO PLANO REAL.
Publicação
Publicação no DSF de 15/07/1997 - Página 13954
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, SITUAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, PROVOCAÇÃO, PLANO, REAL, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA, CONTROLE, INFLAÇÃO, EXCESSO, VALOR, TAXA DE CAMBIO, REDUÇÃO, ALIQUOTA, IMPORTAÇÃO, ABERTURA, NATUREZA ECONOMICA, CONCORRENCIA, EXTERIOR, ALEGAÇÕES, INTEGRAÇÃO, PROCESSO, GLOBALIZAÇÃO, RESULTADO, EXCLUSÃO, NATUREZA SOCIAL, MAIORIA, POPULAÇÃO, INCENTIVO, DEPENDENCIA, ECONOMIA INTERNACIONAL.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a última vez que ocupei esta tribuna foi para alertar que havia se esgotado, se esvaído uma parte do processo que naquela ocasião denominei de Real I; esgotada a parte perversa, desumana que tinha, portanto, dividendos eleitorais negativos. Como uma brilhante peça política, o Plano Real I - que Sua Excelência o Presidente da Repúblico lembrou-nos de que era um processo - entraria em sua segunda fase, o Plano Real II.

Morto e enterrado o Plano Real I, deverá, agora, haver tempo suficiente para retirar dos escaninhos da memória do povo o sacrifício sofrido durante a fase inicial, para retirar da memória o sacrifício daqueles que foram vítimas do arrocho salarial, vítimas da negativa do Governo à reposição de 48%, de 30 meses de inflação e reposição salarial reduzidas.

Em que mês, em que época da inflação galopante que antecedeu o Plano Real I, a população brasileira, os trabalhadores, os funcionários públicos, tiveram uma corrosão salarial tão grande quanto à representada por quase 50% de inflação não reposta?

Todos sabemos à coorte de males e sacrifícios impostos à população brasileira pelo Plano Real I. O Senador Suplicy acabou de se referir a alguns deles, porque o que se verifica é que o Brasil está realmente refém das relações internacionais e internas em que o Plano Real o colocou.

É muito mais fácil baixar um plano, e nós baixamos cinco ou seis desde o Cruzado I, do dia 28 de fevereiro de 1986, até agora. É muito fácil, por meio de atos discricionários, baixar-se um pacote desses, o difícil é sair dele. Portanto, alertava eu naquela ocasião justamente isso. Hoje, para felicidade, para alegria minha, o Plano Real II, nesses 20 dias em que uma gripe forte me retirou desta tribuna, já se espalhou pela Imprensa brasileira.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe. Enquanto os economistas procuram em seu universo fechado e microscópico indicadores de que as âncoras que amarraram o Real não foram ainda corroídas pela ferrugem do tempo e pelos ataques das contradições agigantadas, a variável independente final, que é política, se encontra fora de seu campo de análise.

Há três longos anos, quando foi lançado o Plano Real, que segundo FHC é "um processo", lembrava eu que os neoliberais, a partir de 1873, para dar uma austeridade "científica" a sua ideologia, expurgaram o adjetivo "política" da denominação "economia política". Crismaram seu labor abstrato de "economics", desejando torná-lo, assim, mais confiável, neutro e positivo. A mudança de rótulo não muda o conteúdo. O Plano Real contém ingredientes presentes na política do Presidente Campos Sales, imposto ao Brasil pelos Rotschild na virada do século passado, do PAEG de Roberto Campos e Bulhões, aplicado após o golpe de 1964 e dos vários "planos" que se seguiram ao Cruzado I, sob os governos Sarney e Collor.

A face real do Real I transparece sob a grossa camada de cosméticos estatísticos, propagandísticos, dos rolos compressores e das matemágicas usadas com grande eficiência pelos beneficiários do Plano - os políticos e os tecnocratas.

Enquanto o Real trouxe inegáveis dividendos políticos, sendo a eleição do Presidente FHC o maior deles, ele e Itamar Franco brigaram pela paternidade do colossal rebento: Itamar, FHC, Cavallo, o FMI e outros parece que se dispunham a fazer o teste de DNA capaz de dirimir as dúvidas sobre a paternidade espúria. Ao lançar o Real II em entrevista de três páginas concedida à Gazeta Mercantil de 19 de junho, FHC assume a modéstia que lhe é peculiar em período eleitoral e diz que não teria competência para ser o pai da criança. Edmar Bacha, Lara Resende, Pérsio Arida e Gustavo Franco teriam conjugado esforços para produzir o rebento político e as necessárias tecnicalidades econômicas e financeiras que o sustentaram.

O segundo sintoma de que o Real I, tão bem urdido para levar Sua Excelência ao trono presidencial, não prestava para garantir a reeleição foi o reconhecimento humilde do Presidente candidato de que haviam exagerado na abertura da economia brasileira. Mas, como os deuses não erram, tratou o Presidente FHC de esclarecer que o erro da abertura exagerada havia sido cometido pelo outro Fernando, o Collor.

Como o Real I ratificara o erro e o alimentara com a taxa de câmbio sobrevalorizada e a redução de alíquotas de importação praticadas pelo genioso Gustavo Franco, FHC esquece também que persistira no exagero por três dolorosos anos. Reconhece Sua Excelência que setores importantes da economia nacional foram destruídos e que era preciso voltar ao execrado protecionismo. Diante da pergunta do jornalista se o fechamento da economia brasileira não se chocaria com a globalização e se os incentivos setoriais não representariam o retorno do velho protecionismo, o Pai do Real II saiu-se com esta: "Porque os Estados Unidos fazem isso; a França e a Alemanha também.

Isso tem a ver com a possibilidade de garantir as variáveis essenciais ao crescimento econômico", descobrindo a roda, redescobrindo a neo-roda inteligentemente. Mas, se assim é, se o protecionismo é necessário, o Real I, que abriu a economia brasileira à globalização, à invasão da concorrência externa sucateadora, não se preocupou em "garantir as variáveis essenciais ao crescimento econômico". Confessou, finalmente, o FHC que "a versão inicial de Franco era abrir totalmente a economia e salve-se quem puder" (Gazeta Mercantil, 19 de junho, página 10)

Mas, como a abertura destruidora, incompatível com o "crescimento econômico", era essencial para eleger o Presidente, acrescentando à oferta interna as mercadorias importadas a preços subsidiados, achatando a inflação e aumentando a dívida externa, ela foi incorporada ao Real I em nome da modernidade globalizante, agora descartada, atingida pela obsolescência precoce. Se o Real I, analisado ex post, errou "ao abrir totalmente", elevou o déficit comercial a alturas incomensuráveis, agora o Real II adota o que antes era pecado: o protecionismo.

O dinossauro rejuvenescido entra triunfalmente no parque dos dinossauros. É que os falidos e sucateados pela abertura "exagerada" não votam no Governo sucateador, o do Real I. Com o Real II chegou-se ao ponto que "requer, não que permite, que nós olhemos com mais atenção para os setores que podem ser reestruturados", palavras do Presidente. Aqueles para cujas falências o Governo não tinha olhado, agora o Real II olha e "reestrutura". Mas o próprio Governo confessa que não são 3, mas 42 os setores que serão socorridos pelas benesses do Real II.

Modestamente, o Presidente se lembra apenas da ação do BNDES, concedendo empréstimos com juros subsidiados - desculpem-me pelo palavrão "subsidiados" - "no setor têxtil, nos setores de calçados e autopeças". Documento recente do Ministério da Indústria e do Comércio foi mais sincero ao apontar que não apenas 3, mas 15 setores ainda recuperáveis, atropelados pela avalanche importadora do Real I, seriam ressuscitáveis pelos subsídios, agora virtuosos mecanismos de desenvolvimento.

"A filosofia do BNDES mudou", mudou agora, no Real II. O Real I, que a propaganda oficial e sem peias fantasiou em doce e alegre preâmbulo do Real II, agora retira sua máscara que recobria a transparência mentirosa da social democracia brasileira.

"A fase mais pesada já passou". Mentiroso de perninhas curtas, o Dr. Gustavo Franco, que afirma que "a fase mais pesada já passou (Jornal do Brasil, 29/06/97, p.39) no mesmo local declara que "fase mais pesada", seria aquela em que "a taxa de inflação cairia de 4.000% para 6% ao ano, os salários teriam um ganho de 20% e o salário mínimo dobraria... "QUE FASE PESADA"! Doce e suave peso tem a "fase pesada" de Franco quando a fantasia transforma o economicídio em festa.

As coisas não protestam: o sucateamento das bases industriais, as máquinas paradas diante dos homens falidos e desempregados, as repartições públicas esvaziadas, o reajuste salarial e de vencimentos devidos e não pagos, a ruína dos hospitais, as escolas, universidades e institutos de pesquisas em abandono, as empresas estatais sendo vilipendiadas antes das doações generosas, as terras não plantadas, os buracos das estradas sofrem, mas não reclamam.

Em plena penúria, o Governo da social democracia derrama mais de R$20 bilhões no bolso dos banqueiros, fornece ou fornecerá R$50,4 bilhões para São Paulo e seus enroscos com o Banespa, estende a migalha de R$3 bilhões (quantia equivalente à recebida pela União como resultado da venda da Vale do Rio Doce) para tapar o buraco negro do Banerj; fecha 753 mil empregos industriais, segundo o Ministério do Trabalho, 2,060 milhões desde 1990, segundo o IBGE, demite 160 bancários, cria a demissão "voluntária" e ameaça ou demite 107 mil funcionários; passa de 1,4 para 2,6 bilhões o preço indecoroso a ser pago pelo Sivam à Raytheon americana; estrangula as aposentadorias, aumenta a idade mínima para obter o "benefício", não escuta as vozes roucas das ruas, dos grevistas, dos famintos, do MST e dos eleitores que desejam opinar em referendum sobre a reforma da reeleição; economiza recursos orçamentários destinados ao social, à reforma agrária, à infância; transforma o desfeito e o não-feito em realizações virtuais exibidas nas televisões fantásticas, eleva as importações destruidoras em 122% durante o Real.

Ao custo de sustentação do engenho, o Real I, correspondeu o amadurecimento da consciência popular revelada nas pesquisas de opinião: apenas 36% ainda apóiam o Plano. Como o Real I levou FHC ao poder, o fracasso do plano, seu elevadíssimo custo social, imporia a derrota na reeleição. Para atingir a meta síntese, a perpetuidade no poder, o "processo" começou a ser virado pelo avesso. Tudo o que era proibido será consentido, os pecados antigos se transformam em virtudes novas, os crimes são enaltecidos. Pitta diz que já malufou, mas que não malufará mais,pitou mas que não pitará mais; Sérgio Motta trocou as delícias da costela pela penitência em Compostela. Sem ter certeza de que o Real II reverterá sua decadente aprovação popular, o Presidente diz que fará acordos "até o infinito" com Deus e o diabo, com quem negocia sua eterna e fáustica felicidade. O irmão Covas que se enterre, Itamar que se contente com a candidatura a Governador em oposição ao antigo correligionário Azeredo. O arco das novas alianças nasce no inferno, sobe aos céus e se inclina de volta para as profundezas. Todos partidos são bons desde que sirvam aos propósitos do presidente.

O professor Edmar Bacha, há cerca de três meses, advertia que era preciso rearranjar o "processo". Gustavo Franco, divergindo da proposta de Kandir que bradava pela antiga "austeridade, austeridade, austeridade", percebeu que o Real II deveria vir à luz com suas novas verdades eleitoreiras: gastança, gastança, gastança quantum satis para chegar ao pódio eleitoral. Disse o genioso diretor do Bacen que, com os gastos eleitoreiros, a inflação iria voltar "um pouco"... tudo que foi enxugado será alagado.

A mudança de rota gera ansiedade, provoca turbulências. "Qual é a coisa que o senhor mais teme neste momento", pergunta o jornalista da Gazeta Mercantil (19/06/97).

"A gente tem medo quando não controla. Por que há muita gente que tem medo de avião? Tem medo porque não entende o que está acontecendo. Depois que entende o que está acontecendo, o medo diminui", afirma o intimorato Presidente. Mas se o que estiver acontecendo for uma pane? Uma vez compreendida, o medo aumenta. O imprevisível e temível seria "um desarranjo no sistema financeiro internacional". Mas se o Real I não tivesse aberto tanto a economia brasileira a ponto de torná-la joguete do ingovernável e do imprevisível, isto é, das reservas em dólares voláteis, se a colocação de bonds, papers e notes brasileiros nos mercados do mundo não tivessem sido feitas com tanta "eficiência", as mudanças de humores nas bolsas mundiais, as oscilações dos juros externos, principalmente o aumento das remunerações dos papéis emitidos pelos governos ricos não criariam o perigo de provocar uma fuga dos capitais voláteis pousados no Brasil. O Real I preparou o terreno para que o Real II nascesse pisando em ovos...

O REAL COMO POTLACH ELEITORAL

O professor Fernando Henrique Cardoso escreveu que o capitalismo queima o excedente que ele produz em guerras ou no social. A queima do excedente que a socialdemocracia brasileira "queima no social", na falta da fogueira bélica, era destruído, na sociedade indígena que ocupava o território do atual Estado de Nova Iorque, por meio de uma festa ritual denominada potlach. O magnífico e lauto excedente que o Real I deveria ter economizado ao fixar o salário mínimo no "último furo" da cintura magra dos trabalhadores, ao deixar de pagar 46% dos vencimentos devidos aos funcionários públicos após 3 anos sem reajuste, ao surrupiar os 26% de equiparação constitucional entre servidores civis e militares, ao amealhar as sobras dos recursos orçamentários nas áreas sociais, da reforma agrária e nas verbas destinadas às crianças, como denuncia o Tribunal de Contas da União, ao receber as receitas das vendas das empresas estatais, ao criar a receita da CPMF - que parece ter adoecido antes de melhorar a saúde pública -, o suado excedente será agora consumido no potlach eleitoral que constituirá a maior distribuição de benesses, favores e doações necessária para que o represidente "vença" a reeleição. Tudo que foi prometido será rapidamente cumprido no ritual eleitoral. "Prometi muito", afirma o Presidente FHC, "e prometo prometer muito mais". Como disse, certa vez, o Ministro Bresser Pereira, no plenário da Câmara dos Deputados: "Há um discurso para a campanha eleitoral e outro para governar...". Nada do que foi esquecido será lembrado, afirma a transparência da socialdemocracia empoada, amnésica, maquiada...

Se o Real I não provocou a desestruturação das bases da produção nacional, se as produções de autopeças, de porcelanas, de tecidos e confecções, de brinquedos, de sapatos, de vinhos e bebidas finas, da construção civil, das indústrias de base e da agropecuária não foram desestruturadas, por que o Real II só fala em reestruturação?

O SR. PRESIDENTE (Flaviano Melo) - Senador Lauro Campos, a Presidência informa que o seu tempo já está esgotado.

O SR. LAURO CAMPOS - Sr. Presidente, só terminarei este parágrafo e deixarei o restante para uma próxima oportunidade.

"Tudo que foi desestruturado será reestruturado", prometem os refazedores remidos, redimidos. O espírito desencarnado da reumanização eleitoral baixa na figura mítica do recandidato. Em período pré-eleitoral, todos somos irmãos: Maluf, ACM, Cameli, Covas, Brito, Serjão, Pitta..., todos serão eleitos, todos serão salvos."

Portanto, não pode haver dúvida do meu ponto de vista de que encerrou a fase do Real I. Há três dias, disse Sua Excelência que havia dado um tiro num passarinho. Obviamente esquecido de que tiro em passarinho é também crime inafiançável. Os passarinhos eram as velhinhas que recebiam as suas pensões. Ele queria tirar também das pensões - das aposentadorias ainda não se arrependeu - uma parte para colocar nesse potlach eleitoral. Depois disse que ao atirar no passarinho - nas viúvas famintas - poderia atingir um elefante.

Pois bem, se o potlach será suficiente para ilaquear novamente a consciência dos eleitores é o que a próxima eleição vai demonstrar.

Acredito na capacidade crítica, na consciência do eleitorado brasileiro. Portanto, penso que esses 17 meses de Real II não serão suficientes, com suas inaugurações e seus festejos, para esquecer e enterrar as agruras do Real I.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/07/1997 - Página 13954