Discurso no Senado Federal

GRAVIDADE DA CRISE NAS POLICIAS MILITARES DE VARIOS ESTADOS.

Autor
Carlos Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MT)
Nome completo: Carlos Gomes Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL.:
  • GRAVIDADE DA CRISE NAS POLICIAS MILITARES DE VARIOS ESTADOS.
Aparteantes
Humberto Lucena.
Publicação
Publicação no DSF de 15/07/1997 - Página 13966
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • DEFESA, REAJUSTAMENTO, GOVERNO, SALARIO, FUNCIONARIOS.
  • DEFESA, INVESTIMENTO, GOVERNO, SETOR PUBLICO, BRASIL, MELHORIA, NIVEL, SALARIO, SERVIDOR PUBLICO CIVIL, FUNCIONARIO MILITAR, ESPECIFICAÇÃO, POLICIA MILITAR, ESTADOS, GARANTIA, MANUTENÇÃO, SEGURANÇA PUBLICA, REDUÇÃO, EXTINÇÃO, CORRUPÇÃO, FUNCIONARIO PUBLICO.

O SR. CARLOS BEZERRA (PMDB-MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o País assiste, há alguns dias, a uma grave crise na Polícia Militar de vários Estados. Esse movimento que começou em Minas e deixou o Governador mineiro numa situação muito difícil, tendo que recorrer ao auxílio das Forças Armadas para se manter no Governo, deixou muito mal o Primeiro Magistrado de Minas Gerais. Esse movimento está em São Paulo, no Rio, em Mato Grosso, no Pará, na maioria dos Estados brasileiros. A onda de protesto contra os baixos salários dos policiais militares, o desestímulo à carreira, passeatas, panfletagens, estado de greve em São Paulo e em Mato Grosso tem criado dificuldades enormes. Quero dizer a V. Exªs que essa talvez seja a crise institucional mais grave que estamos vivendo nos últimos tempos no País.

Não concordo de modo algum com os abusos policiais, como os ocorridos recentemente em São Paulo, em Rondônia e no Pará, os absurdos feitos contra trabalhadores e assassinatos em massa. No entanto, não podemos condenar a Instituição e toda a Polícia Militar e Civil por conta desses atos de alguns maus policiais que praticaram violência contra trabalhadores e, em sendo assim, violência contra o povo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é uma questão que acompanhei de perto e quero dar aqui o meu testemunho quando Governador do Estado de Mato Grosso. Sempre fui contra qualquer forma de violência e, apesar disso, esses episódios marcaram muito minha vida. Cheguei a ser, injustamente, preso político em 1964. Meus pais e meus avós sofreram perseguições a mando do poder.

No meu Estado, quando assumi o Governo, essa história recente aconteceu de uma maneira bastante trágica. Trabalhadores foram metralhados na rua principal de Jauru - município importante de Mato Grosso. A polícia praticava crimes hediondos como os da "toalha azul" que passou a ser notícia nacional. Todavia, Srs. Senadores, com poucos meses de governo, conseguimos ter a Polícia Militar mais eficiente do Brasil. Aquela que havia sido manchete de jornais durante tanto tempo mudou o seu comportamento da água para o vinho. Daí por que falei, desta tribuna, que essa questão não está relacionada à lei, a fazer mais leis; essa questão está sob o comando de cada Estado, do Governo de cada Estado. Se o Governador tiver autoridade e for competente, ele jamais vai permitir que atos dessa natureza ocorram em seu Estado, em sua jurisdição. E foi o que fizemos lá.

Primeiro, acabar com a impunidade. Qualquer violência cometida pela Polícia vai ser apurada. Expulsamos mais de 500 policiais.

O único caso de violência que houve foi relacionado a um servente de pedreiro de 17 anos, em uma delegacia em Cuiabá. Os médicos atestaram, na perícia, que ele teria sido vítima de uma úlcera supurada. Morrera por conta disso. Porém, a imprensa denunciou que o Aguinaldo havia sido torturado. Passei uma noite sem dormir, preocupado, porque tinha de resolver aquele problema de qualquer modo, era uma questão de honra. De madrugada, liguei para o companheiro Orestes Quércia, que era Governador de São Paulo. Contei-lhe o caso e pedi o seu apoio, que me enviasse dois peritos de São Paulo, os melhores que ele tivesse. No dia seguinte, os peritos estavam no Mato Grosso. O cadáver do Aguinaldo foi exumado e constatou-se tortura contra aquele pedreiro. Aqueles policiais e os médicos foram processados por conta daquele crime. Alguns deles estão na cadeia até hoje. Então, não houve mais impunidade.

Quanto ao salário, que era de fome, houve também mudanças. Não se pode exigir de um policial ou de qualquer funcionário público um bom desempenho ganhando um salário de fome. Daí a visão equivocada de alguns neste País, neste momento do neoliberalismo, de pensar que tudo que é público não presta, que todo funcionário público não presta, não é eficiente. Não concordo com essas afirmações. O funcionário público é capaz de desempenhar bem a sua função, e a maioria o faz com muita competência, apesar das dificuldades e dos baixos salários.

O menor salário da PM no Estado, naquela oportunidade, foi de 11 salários mínimos. Elevamos de dois para 11 salários mínimos, para o policial não ter de assaltar, não ter de fazer achaques contra a população para poder sobreviver como fazem alguns justificando o baixo salário.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vejo agora essa onda em todo o País das polícias militares. Em alguns casos, assuntos primários que já deviam estar resolvidos, assuntos que foram levantados pela Revolução de 1930, do ex-Presidente Getúlio Vargas, e no final do milênio não chegaram ainda a alguns Estados brasileiros. Um deles é o plano de carreira. Estão reclamando um plano de carreira, que é uma reivindicação natural, justa. Em alguns Estados, eles não têm sequer ainda um plano de carreira condigno. Isso é sinal de incompetência! Isso é falta de seriedade no manuseio com a coisa pública!

Por isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero aqui manifestar minha preocupação com esse movimento. Ele é muito grave, porque à Polícia Militar compete cuidar da segurança. As autoridades têm de olhar a questão com muito carinho, porque ela envolve uma série de ingredientes sociais que estão faltando em nosso País, não só com relação à Polícia Militar, mas com relação a todo o funcionalismo, com relação a vastas camadas da sociedade brasileira.

O Sr. Humberto Lucena - V. Exª me concede um aparte?

O SR. CARLOS BEZERRA - É com prazer que ouço o Senador Humberto Lucena.

O Sr. Humberto Lucena - Sr. Senador Carlos Bezerra, estou prestando atenção ao pronunciamento de V. Exª que, sem dúvida, versa sobre um assunto da maior atualidade, qual seja as reivindicações das Polícias Militares de um modo geral. V. Exª disse muito bem que a gota d´água foi o que aconteceu em Minas Gerais. Ali começaram os pleitos, dentro de um contexto muito propício, pois sabe o nobre Senador que, há cerca de três anos, o Governo, para manter equilibradas as contas públicas, com vistas ao Plano Real, não reajusta os servidores públicos civis e militares federais. Com isso, os Governadores e os Prefeitos também assim procedem, e, como resultado, ninguém pode negar os baixos salários a que chegaram os que trabalham para o serviço público no Brasil. Mas, a partir da concessão pelo Governo de Minas Gerais de um percentual de reajuste, ali mesmo naquele Estado começou a se alastrar uma reivindicação mais ampla. Sabe V. Exª que, de acordo com a Constituição, o reajuste de salário deve ser feito de uma vez e ter um caráter geral. Isto é, não pode se referir apenas a uma parcela dos servidores, mas sim a todos, civis e militares. Por isso mesmo, o Governo Itamar Franco - se não me engano em 1993 -, para atender às reivindicações das Forças Armadas no plano federal, em vez de lhes conceder um reajuste, resolveu aumentar em 28% uma ou duas gratificações, o que significava um reajuste indireto de salário. Isso levou, já agora, a Justiça Federal, a partir do Supremo Tribunal Federal, a estender esses 28%, que já haviam sido pagos no Judiciário e no Legislativo, os servidores do Poder Executivo. Tudo começou com onze servidores que pleitearam essa gratificação. Hoje milhares de servidores públicos federais têm esse direito reconhecido pela Justiça, o que vai agravar ainda mais a situação do Tesouro Nacional, na medida em que há a necessidade de se acatar a decisão judicial. O mesmo ocorre no caso das Polícias Militares. V. Exª citou vários Estados - São Paulo, Mato Grosso, Piauí. E hoje a Cidade de João Pessoa - Capital do meu Estado, a Paraíba - amanheceu com a Polícia Militar na rua. Depois de contatos iniciais em dias anteriores com o Governador, a Polícia Militar prepara-se, se não for atendida, para a possibilidade de uma greve. E sabe V. Exª que a greve é proibida para os militares, sejam eles federais ou estaduais. O Governador da Paraíba, a exemplo do que fez o de Minas Gerais, solicitou garantias das tropas federais, que cercam hoje o Palácio da Redenção para assegurar a ordem e autoridade do Governador. Quero, então, com meu aparte, ir ao encontro das palavras de V. Exª, a fim de dizer igualmente da minha preocupação. Todos nós estamos perplexos. O problema é saber como resolver essa situação. É a pergunta que fica no ar.

O SR. CARLOS BEZERRA - Agradeço o aparte de V. Exª.

Muitas coisas têm sido priorizadas neste País. E o funcionamento da instituição pública deve ser prioridade para todo bom governante. O desempenho do Estado depende dos seus servidores, dos seus funcionários. Eles são as pernas e as mãos do Estado.

Sei das dificuldades que os Estados atravessam. Todo o País está lutando para sair de uma crise grave, de décadas. Mas não podemos deixar o setor público ao deus-dará; temos de encontrar formas e meios de aperfeiçoá-lo, de melhorá-lo como um todo. E uma das questões primeiras é o salário, o vencimento. O Estado está perdendo para a iniciativa privada os seus melhores quadros. Investe neles durante anos e, depois de preparados, os melhores acabam indo para a iniciativa privada, já que o salário do setor público é irrisório.

Recebi esta semana o telefonema do diretor de um órgão do Estado de Mato Grosso reclamando que estávamos lhe tomando o seu principal funcionário. Eu lhe disse que não éramos nós que o estávamos tirando de lá, mas o salário vil que estavam pagando. O rapaz casou, agora tem família e não tem condições de sobreviver com aquele salário. Está deixando o órgão para ir para a iniciativa privada, onde ganhará mais.

O resultado disso é a crise das Polícias Militares, são as dificuldades para fazer funcionar a máquina pública, que está cada vez mais emperrada, cada vez mais atrofiada. São setores essenciais para o desenvolvimento do País.

Entendo que devemos dar prioridade a setores extremamente importantes, mas não se pode esquecer o setor público, que é fundamental para a sobrevivência do Estado.

Muito obrigado.

Sr. Senador Humberto Lucena - Se V. Exª me permite ainda continuar o meu aparte, quero dizer que estou de pleno acordo com V. Exª. Tenho defendido aqui a necessidade de reajuste dos servidores públicos, civis e militares. Quis dizer a V. Exª de maneira clara que esse reajuste não pode ser apenas dos servidores militares, mas de todos. Mas, a minha preocupação maior é saber como resolver o problema.

O SR. CARLOS BEZERRA - Concordo com V. Exª. As observações que fiz não foram em relação à sua pessoa. Referi-me aos muitos novos neoliberais - e neoliberalismo é moda agora. Este é um País cheio de modas e que vive copiando os outros. Copiávamos a Inglaterra no século passado; neste século, copiamos os Estados Unidos.

A propósito, os próprios Estados Unidos da América e a própria Europa estão com um pé atrás em relação ao neoliberalismo.

Aqui não! A moda chegou agora; portanto, o bom, o bonito é falar de neoliberalismo. Tudo o mais é colocado de lado como secundário, atitude com a qual não concordo.

O setor público é assunto fundamental e prioritário. Volto a dizer: o Estado nunca vai funcionar bem se não der atenção a esse setor.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/07/1997 - Página 13966