Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES ACERCA DA MATERIA PUBLICADA NO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE, DE HOJE, DO JORNALISTA RONALDO BRASILIENSE, SOBRE A SITUAÇÃO DE PENURIA DA POPULAÇÃO DE XAPURI - AC. RECLAMANDO DO GOVERNO FEDERAL UMA POLITICA DE DESENVOLVIMENTO ESPECIFICO PARA A REGIÃO AMAZONICA.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • CONSIDERAÇÕES ACERCA DA MATERIA PUBLICADA NO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE, DE HOJE, DO JORNALISTA RONALDO BRASILIENSE, SOBRE A SITUAÇÃO DE PENURIA DA POPULAÇÃO DE XAPURI - AC. RECLAMANDO DO GOVERNO FEDERAL UMA POLITICA DE DESENVOLVIMENTO ESPECIFICO PARA A REGIÃO AMAZONICA.
Publicação
Publicação no DSF de 15/07/1997 - Página 13970
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, RONALDO BRASILIENSE, JORNALISTA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), ANALISE, SITUAÇÃO SOCIAL, PRECARIEDADE, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO, MUNICIPIO, XAPURI (AC), SENA MADUREIRA (AC), TARAUACA (AC), FEIJO (AC), MANOEL URBANO (AC), ESTADO DO ACRE (AC), MOTIVO, QUEBRA, EXPLORAÇÃO, BORRACHA NATURAL, ATIVIDADE EXTRATIVA, CASTANHA DO BRASIL, REGIÃO.
  • DEFESA, ADOÇÃO, GOVERNO, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, REGIÃO AMAZONICA, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO ACRE (AC), APROVEITAMENTO, RECURSOS AMBIENTAIS, FLORESTA AMAZONICA, SIMULTANEIDADE, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, INCENTIVO, CRESCIMENTO ECONOMICO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO.

A SRª MARINA SILVA (BLOCO/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, quero fazer o registro de uma matéria que foi publicada no jornal Correio Braziliense pelo jornalista especial enviado a Xapuri, Ronaldo Brasiliense, pessoa que tem grande conhecimento dos problemas da Região Norte da Amazônia e que traz a discussão sobre a situação de penúria em que se encontra a população do Município de Xapuri.

A reportagem faz parte de uma série de matérias que estão sendo feitas com relação às ONGs - e parece-me que a última será publicada na quarta-feira. Mas esta, particularmente, me chama a atenção em função do problema que levanta, evidenciando o Município de Xapuri, no meu Estado, o Acre, por ser Xapuri a terra do sindicalista e ecologista Chico Mendes. Ao ser assassinado, ele trouxe para o Brasil toda a atenção do movimento ambientalista internacional com as preocupações em relação à preservação da Floresta Amazônica.

Tive a oportunidade de conhecer Chico Mendes quando tinha ainda dezessete anos, de fazermos um curso de formação política, dado pela Comissão Pastoral da Terra, em 1978; a partir desse curso, tornamo-nos amigos. Tive a felicidade de aprender muitas coisas com ele, as quais trago como referência, a ética e a moral e meu compromisso político com a Amazônia e com a questão social do meu País, que para mim foram bastante edificantes.

A matéria faz referência à situação de calamidade em que se encontra um dos municípios do Acre. Eu diria um dos municípios que, em função da repercussão da figura do Chico Mendes e do seu assassinato, teve suporte muito maior do que qualquer outro no Estado do Acre e talvez mesmo na Amazônia.

Os demais municípios - isso eu gostaria de enfatizar - vivem uma realidade de completo abandono. Essa é uma realidade do Estado do Acre, assim como de boa parte dos municípios e dos Estados da Amazônia.

Ressentimo-nos, acima de tudo, de um projeto de desenvolvimento para o Estado que coloque o Poder Público, a ação tanto do Governo Federal quanto do Governo Estadual em primeiro plano.

Enquanto se transferir a terceiros a responsabilidade de resolver os problemas estruturais que temos após a quebra do sistema de aviamento, que era a forma de exploração econômica da borracha e da castanha, com a quebra da empresa extrativista, a Amazônia, particularmente o Acre, ficará sem um plano de desenvolvimento, sem um modelo a ser seguido e praticado. As iniciativas dos grandes projetos, tanto na parte da pecuária quanto da exploração de madeira, não incorporaram mão-de-obra, não foram suficientes para absorver o imenso contingente da população que ficou sem as mínimas perspectivas de sobrevivência, após a quebra da empresa extrativista. O resultado é que hoje Xapuri, Sena Madureira, Tarauacá, Feijó, Manoel Urbano - poderia citar todos - sofrem sérios problemas na área econômica por não terem como dar respostas às populações que antes viviam da extração da borracha e da castanha, no Vale do Acre, e apenas da borracha no Vale do Juruá.

Faço questão de fazer o registro de que, quando se fala em organizações não-governamentais, muitas vezes se colocam rótulos, como se fossem todas iguais. No Acre conheço várias que prestam um trabalho seriíssimo. Faço questão de citá-las: Fundação SOS Amazônia, Centro dos Trabalhadores da Amazônia, CTA, o Comitê Chico Mendes e tantas outras prestam serviços à sociedade. Se existe educação em vários seringais, na floresta, no Estado do Acre, é graças ao trabalho dessas organizações não-governamentais; se existe atendimento de saúde, ainda que precário, nos postos de saúde com pessoas treinadas, é devido a um esforço muito grande dessas organizações não-governamentais. Esse esforço, feito de forma pulverizada e com muito sacrifício, não pode de maneira alguma substituir a presença do Estado, o esforço que deve ser do Estado brasileiro, seja por intermédio do Governo Federal ou estadual, em atender as demandas de saúde, de educação e de um plano de desenvolvimento que, por incrível que pareça, Sr. Presidente, não seria tão difícil levar a cabo.

Somos um Estado com 15 milhões de hectares de riqueza, com apenas 450 mil habitantes, 500 mil no máximo, menos pessoas que um bairro de uma grande cidade, não deveríamos estar vivendo nessas condições de penúria. Poderíamos até ser pobres, mas miseráveis não, porque não existe espaço para miseráveis na Amazônia.

Hoje, há uma população que não consegue sequer sobreviver; muitas vezes cobra-se das organizações-não governamentais que respondam a esse desafio. Mas, enquanto o dinheiro público é drenado para a corrupção, para a compra de votos, para uma série de fatos escandalosos que a todo momento são denunciados nos meios de comunicação, as respostas de que precisamos não virão, não apenas pela falta de dinheiro, que é fundamental, mas, basicamente, por não termos um projeto de desenvolvimento.

Somos uma economia agroflorestal e isso tem que ser levado em conta. É preciso que se faça o zoneamento ecológico-econômico para que se delimitem os investimentos. Aquilo que já foi explorado como atividade pecuária deve receber atenção necessária para potencializar, inclusive, a sua produção. Aquelas áreas que já estão sendo utilizadas na produção de grãos para alimentar a sociedade acreana também devem ser potencializadas, mas nossa vocação é agroflorestal.

Nesse sentido, um projeto que institua uma forma de exploração racional dos nossos recursos, que leve a cabo um processo de incorporação e absorção da mão-de-obra local nas atividades que podem ser praticadas em nosso Estado é fundamental.

Com essas palavras, Sr. Presidente, quero dizer que, muitas vezes, cobra-se do Bispo respostas aos problemas sociais que estamos enfrentando, como ocorreu na questão da violência, em que os meios de comunicação, de repente, pediam providências de S. Emª, como se fosse ele o responsável pela política de segurança do Estado do Acre. Também se cobra das ONGs - não estou me referindo, neste caso, à matéria em si, mas ao que acontece lá na paróquia, em nossa província.

Deixa-se de pedir providências àqueles que têm responsabilidade maior e que, numa parceria responsável com essas entidades e organizações, associada à força e à capacidade que aquele povo tem de sobreviver - digo isto com muita tranqüilidade porque me considero uma sobrevivente - tornariam possível acabarmos com a miséria que hoje está fazendo com que milhares de pessoas sejam obrigadas a sair da floresta para ser mão-de-obra desqualificada, como são chamadas nas periferias das cidades. Isso, sem falar no alcoolismo, na prostituição, na violência, que é um dos aspectos de que falei, ainda na sexta-feira, referente ao fato de que o Estado do Acre está sendo apontado como um dos Estados que mais têm praticado violência contra a mulher. 

Então, Sr. Presidente, com essas palavras, solicitaria que fosse publicada nos Anais da Casa a matéria do Correio Braziliense que tem o título "Xapuri pede socorro". O socorro que Xapuri pede dirige-se a todas as pessoas de bem, às organizações não-governamentais sérias e competentes que, mesmo com sacrifício - aquelas que são autóctones -, ainda têm feito um trabalho muito grande na região, bem como do Governo Federal.

Amanhã, estaremos dando uma grande contribuição, de natureza estrutural, qual seja, a aprovação de uma política de preço para a borracha, com o financiamento da produção nacional, sob o título de Serviço Ambiental ou de Custo Ambiental, com medidas que façam com que a população, ao ter um preço para o produto que ainda é o mais imediato para a nossa economia, possa ter alguma renda e viver com o mínimo de dignidade.

A partir daí, podemos levar a cabo as idéias que temos e que já estão no papel, idéias que estão até sendo praticadas de forma experimental, dentre elas a implementação dos sistemas agroflorestais, a implementação de agroindústrias para o beneficiamento de nossa produção, a agregação de valor, incorporação da mão-de-obra, que hoje está ociosa. Com certeza, a partir daí, os nossos 500 mil habitantes, em um espaço de 15 milhões de hectares de floresta, não serão mais miseráveis; poderão ser até pobres, mas não miseráveis.

Espero que o Congresso Nacional, além de aprovar as emendas do Senador Serra, que muito irão ajudar nessa política da borracha, possa também aprovar aquelas que estou apresentando e que considero de fundamental importância, a fim de que, com esse projeto, ao cabo de oito anos, ao ser encerrado o subsídio para a borracha, possamos dizer - senão eu, que talvez não esteja mais aqui - ou que alguém possa dizer que fomos capazes de, com essa ajuda do Governo Federal, dar uma resposta aos problemas sociais da Amazônia, que hoje pede socorro. Do Estado do Pará ao do Acre, do Estado do Amapá ao de Roraima, todos estamos pedindo socorro, que não é um socorro de esmola, não é a política do "pires na mão"; é a política de um projeto econômico-social que, incorporando a variável ambiental, seja capaz de reestruturar nossa base econômica e social.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/07/1997 - Página 13970