Discurso no Senado Federal

DESIGUALDADES REGIONAIS, ESTADUAIS E MUNICIPAIS, NO CONCERNENTE A DISTRIBUIÇÃO DOS RECURSOS PUBLICOS. DESCALABRO NA DISTRIBUIÇÃO DOS RECURSOS DO ERARIO.

Autor
João Rocha (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: João da Rocha Ribeiro Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • DESIGUALDADES REGIONAIS, ESTADUAIS E MUNICIPAIS, NO CONCERNENTE A DISTRIBUIÇÃO DOS RECURSOS PUBLICOS. DESCALABRO NA DISTRIBUIÇÃO DOS RECURSOS DO ERARIO.
Aparteantes
Edison Lobão, Marluce Pinto, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 12/07/1997 - Página 13882
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, DESIGUALDADE REGIONAL, ESTADOS, MUNICIPIOS, FAVORECIMENTO, REGIÃO SUDESTE, REGIÃO SUL, PREJUIZO, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE, REGIÃO CENTRO OESTE, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, CRITERIOS, GOVERNO, DISTRIBUIÇÃO, TRANSFERENCIA FINANCEIRA, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, BRASIL.

O SR. JOÃO ROCHA (PFL-TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as desigualdades socioeconômicas entre as regiões brasileiras, que tanto impressionam todos os que se dedicam a estudar o País, fundam suas raízes na História, sendo o resultado dos variados ciclos econômicos que o Brasil atravessou e das diversas formas de povoamento, de ocupação do território e de exploração dos recursos naturais que se foram apresentando ao longo de nosso desenvolvimento. Nesse sentido, as desigualdades são uma herança que recebemos dos brasileiros que vieram antes de nós, e sua progressiva redução constitui uma tarefa de cada geração, de modo a um dia podermos ter um país justo e igualitário, onde o cidadão não tenha menos oportunidade de emprego e de acesso à educação e à saúde, devido simplesmente à região em que nasce ou em que habita.

Temos, portanto, Srªs e Srs. Senadores, um compromisso que não é somente para com as gerações mais distantes por vir, mas também, em especial, para com as imediatamente próximas, as crianças que estão aí e que receberão o país de nossas mãos, com a missão de também transmiti-lo ainda melhor a seus descendentes. Esses meninos e meninas são credores de todo o esforço que possamos fazer para minorar todas as injustiças que, infelizmente, ainda caracterizam nosso Brasil.

O que temos feito nesse sentido? Muito pouco, a se julgar, por exemplo, por números como os da evolução das transferências constitucionais para Estados e Municípios, comparados aos da arrecadação do ICMS em cada Estado. Essa comparação tem cabimento, porque, de um lado, os fundos de participação constituem uma importante ferramenta de redistribuição da renda nacional entre as Unidades Federadas, uma vez que, por intermédio deles, se repartem, por todos os Estados e Municípios, recursos oriundos de tributos federais - IPI e Imposto de Renda, especificamente - recolhidos principalmente nas regiões mais ricas.

Por outro lado, a comparação se justifica porque o crescimento da arrecadação estadual reflete em que nível de progresso está a atividade econômica de cada Unidade da Federação. Sei que pode parecer fácil crescer a taxas maiores quando se parte de valores pequenos. Mesmo assim, porém, mais que constituir esse verdadeiro termômetro do desenvolvimento de cada Estado, o ICMS é também um indicador dos esforços de cada Governo estadual em aprimorar sua capacidade arrecadatória e fiscalizadora, reduzindo a evasão e a elisão fiscais.

Nesse particular, os dados do Banco Central são claros. A média nacional de crescimento da arrecadação do ICMS, de 1995 para 1996, foi de 18% - valor um pouco superior ao do crescimento da arrecadação na Região Sudeste, que foi de 17,17%, e bem maior que o crescimento da arrecadação na Região Sul, que mal superou os 14%. Pois bem, Srªs e Srs. Senadores, no mesmíssimo ano, o valor total do ICMS cresceu 20% no Centro-Oeste e quase 24% nas Regiões Norte e Nordeste.

O Sr. Edison Lobão - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOÃO ROCHA - Concedo um aparte ao nobre Senador Edison Lobão.

O Sr. Edison Lobão - Senador João Rocha, V. Exª alude a um problema de fundamental importância na vida econômica deste país, que é o desnível regional. Na verdade, esse desnível, que vem de muito longe, não se reduz em intensidade exatamente porque o Governo nada faz nesse sentido, não colabora. Ao contrário, como bem observa V. Exª, o Poder Central sempre que pode extrai recursos que pertencem notadamente às regiões brasileiras mais carentes. Aí está, por exemplo, o Fundo de Estabilização Fiscal, que é uma evasão de recursos dos Estados nordestinos e dos Estados nortistas - muito mais até do que os do Sul. O Imposto de Renda dos funcionários públicos, que é uma quantia considerável, o Governo subtraiu da divisão do bolo do Fundo de Participação dos Estados e Municípios. Então, verifique V. Exª que nenhuma contribuição do Governo Federal se observa no sentido de quebrar essa monotonia, que é o desnível regional. Cumprimentos a V. Exª pelo tema que aqui aborda.

O SR. JOÃO ROCHA - Cumprimento V. Exª também pela importância do seu aparte, exatamente porque estamos aqui buscando mostrar, mais uma vez, as desigualdades regionais de distribuição de renda. Os recursos do Erário, distribuídos para todo o país, sacrificam diretamente as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil. Temos dados, como citou V. Exª, que realmente são incontestáveis. Estamos criando o Brasil dos ricos e isolando o dos pobres.

Continuando, Sr. Presidente, Srs. Senadores, ainda assim, o Sudeste continua arrecadando cerca de 60% do ICMS do país, o que, somados aos 16% do Sul, resultam em três quartas partes de toda arrecadação nacional do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços; ou seja, as Regiões Sul e Sudeste ficam com 76% da fonte de receita mais importante que temos hoje. Isso mostra que, apesar do ritmo mais rápido de crescimento das outras regiões, a desigualdade continua enorme. Em contrapartida, são essas regiões mais necessitadas de recursos da Federação - e justamente as que vêm demonstrando mais denodo em se desenvolver -, que têm amargurado uma redução na participação no bolo das transferências constitucionais.

Sr. Presidente, Sr. Senadores, vamos, pois, a esses números, para que possamos bem aquilatar o descalabro e a injustiça hoje reinantes na distribuição das transferências constitucionais - temos exemplos frios, mas os números são verdadeiros: o Fundo de Participação dos Estados, em primeiro lugar, teve um crescimento de 18%, de 1995 a 1996. Esse aumento se concentrou, porém, nas Regiões Sul e Sudeste, com crescimento, respectivamente, de 22 e 29%. Enquanto isso, a transferência para as Regiões Norte e Nordeste não chegava a crescer 15%. Por sua vez, as transferências do Fundo de Participação dos Estados para a Região Centro-Oeste, se descontarmos as transferências para o Distrito Federal, que crescem a um ritmo só comparável ao do Sudeste, ficavam relativamente estagnadas, empatando, no mesmo período, com a média nacional de 18%.

A questão, Sr. Presidente, Srs. Senadores, embora menos grave, é quase a mesma no que diz respeito ao Fundo de Participação dos Municípios. O crescimento do bolo nacional foi de cerca de 15,56%, de 1995 a 1996, concentrando no Centro-Oeste - que, pelo menos, neste caso, não saiu perdendo -, 17,29%; no Sul, foi de 16,52% e, no Sudeste, 16,75%. A variação da parcela transferida para a Região Norte, no mesmo período, foi de 14,67% e na Região Nordeste foi de 13,89%; ambas abaixo da média nacional.

Quando comparamos os valores das transferências voluntárias - ou orçamentárias - da União aos Estados com as respectivas populações, um outro quadro de desigualdades se revela. Desta vez, não são as Regiões Sul e Sudeste que se beneficiam, pois a Unidade da Federação relativamente mais favorecida é o Distrito Federal, que, apesar de abrigar apenas 1,16% da população brasileira, recebeu, entre 1994 e 1996, 10,35% do montante das dotações orçamentárias dirigidas aos Estados, individualmente, e às regiões.

O Distrito Federal, nesse período de transferência não-obrigatória, recebeu mais de R$6 bilhões. Toda a Região Norte, no mesmo período, não chegou a receber R$5 bilhões. O Distrito Federal, essa unidade do País, recebeu 50% de todas as transferências não-obrigatórias e orçamentárias que foram feitas para a Região Nordeste de nosso País.

Ao considerar especificamente o Estado de Goiás em relação ao Distrito Federal, verificamos que, no mesmo período, enquanto o Distrito Federal recebeu R$6 bilhões, o Estado de Goiás recebeu R$1 bilhão. Essa desigualdade é gritante. Os recursos foram para o Distrito Federal, não foram para o bolo da Administração Federal de Brasília, foram para a Unidade Distrito Federal, administrada pelo Governo do GDF.

Outro beneficiado, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, é o Estado do Rio de Janeiro, que, comportando 8,49% da população brasileira, recebeu, no mesmo período, 11,83% das transferências constitucionais, das transferências voluntárias.

Vou citar exemplos, inclusive, dos Estados dos Senadores que aqui nos honram, neste momento, com suas presenças. Enquanto 11,83% foram para o Rio de Janeiro, para o Tocantins foram 0,43%; para o Mato Grosso, 1,59%; para o Mato Grosso do Sul, 1,03%; para o Goiás, 1,93%; para o Maranhão, Estado do nobre Senador Edison Lobão, 2,16%, ou seja, exatamente 20% do que foi transferido para o Estado do Rio de Janeiro, um dos Estados mais ricos do nosso País. E para o Estado do Amazonas, do nobre Senador Jefferson Péres, foram destinados 1,31%.

Estou trazendo números claros, dados irrefutáveis obtidos mediante estudos da Comissão de Fiscalização e Controle. Fazendo essa exposição de números, chega-se à conclusão de que, nesse período levantado, de 1994 a 1996, houve um descalabro muito grande na distribuição de recursos do Erário. E quem foi sacrificado? Como exemplo, vou citar o Estado mais populoso do Nordeste, a Bahia, que possui população de 12 milhões e 531 mil habitantes. Esse Estado ficou com a participação de 4,26% enquanto o Rio de Janeiro, 11,83%. A população do Rio de Janeiro é de 13 milhões de habitantes, número próximo ao da população da Bahia.

Com isso, vemos o que há de descalabro na distribuição das transferências constitucionais, e não se trata das transferências obrigatórias, mas das voluntárias.

Em termos de população por habitante, vejamos o caso das transferências isoladas. Nesse período, de 1994 a 1996, o Estado do Maranhão, por habitante, recebeu R$252,00, a Bahia recebeu R$207,00, o Rio de Janeiro recebeu R$542,00, o Estado de São Paulo recebeu R$224,00, o Estado de Minas Gerais recebeu R$341,00, o Estado do Paraná, R$309,00, o Estado do Rio Grande do Sul recebeu R$468,00. E o nosso Estado recebeu 40 ou 50% do que foi transferido para a região Sul e Sudeste do nosso País.

A nossa preocupação não é brigar com outras Regiões, não temos interesses separatistas, mas trata-se de números reais da desigualdade. Existem, também, as isenções fiscais. Por exemplo: numa projeção de receita para 1997 - a chamada receita administrada pela Receita Federal - de US$105 bilhões, teremos renúncia fiscal de US$15 bilhões. Todos falam que o Norte e o Nordeste são pesos mortos. Desses U$15 bilhões, 70% estão concentrados na região Sul e Sudeste e 30% para as demais regiões do nosso País.

O Sr. Ramez Tebet - Permite V. Exª um aparte?

O SR. JOÃO ROCHA - Pois não. Ouço, com muito prazer, o aparte de V. Exª, nobre Senador.

O Sr. Ramez Tebet - Nobre Senador, em quase todas as vezes que tive a oportunidade de ocupar a tribuna - o que V. Exª faz com brilho e competência na manhã de hoje - tive a preocupação de antes conversar com V. Exª, um Senador altamente preocupado com a questão que aflige as regiões mais necessitadas do País: Região Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Portanto, para mim, não causa surpresa que V. Exª ocupe hoje essa tribuna, representando, é verdade, o Estado do Tocantins, mas fazendo uma exposição panorâmica e mostrando que essa desigualdade regional não diz respeito só ao seu Estado, mas a outros também. V. Exª apresenta dados demonstrativos do que se passa realmente na Federação brasileira, dados que não deixam dúvidas em relação ao quanto se privilegia os Estados do Sul e Sudeste e ao quanto se sacrifica os Estados do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste. V. Exª ocupa a tribuna e expõe os problemas do meu Mato Grosso do Sul, que, nessa parte, V. Exª conhece mais do que eu mesmo. V. Exª é realmente um estudioso do assunto, razão pela qual o seu discurso tem tanta importância. Os dados que V. Exª apresenta devem repercutir não só entre nós, Senadores do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste, num chamamento à nossa união para que formemos um bloco na defesa dos nossos interesses, como também entre as autoridades governamentais, a quem apelo para que voltem os olhos imediatamente para essa questão que cada vez mais aprofunda o desequilíbrio da Federação brasileira. Quero cumprimentar V. Exª.

O SR. JOÃO ROCHA - Agradeço a V. Exª o aparte, que integro ao meu pronunciamento. Reitero a V. Exª que, como segundo Presidente da Comissão de Fiscalização e Controle desta Casa, tendo a honra de substituir o nobre Senador Edison Lobão, uma das primeiras preocupações foi levantar o máximo de informações, estudos criteriosos com ótima assessoria técnica, exatamente para mostrarmos através de dados concretos a realidade do nosso País, sem fantasia, não perdendo palavras.

A Comissão, apesar de não estar reunindo-se com mais freqüência, porque é uma comissão nova, tem a preocupação de continuar o trabalho do Senador Lobão, que é de estruturá-la, dando condições a todos os Srs. Senadores de terem o acompanhamento permanente da distribuição dos recursos do Erário e mais profundo da aplicação desses recursos.

O primeiro passo foi termos um parâmetro, baseado em vários dados levantados a partir do ano de 1994. E V. Exª vê que as desigualdades são gritantes. Penso que, para trás, deve ser bem pior. Mas, pelo menos, agora temos dados concretos, precisos, que serão distribuídos a V. Exªs, exatamente para que possamos mostrar, através dos números, que as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste continuam sacrificadas. Inclusive há alegações todos os dias pela imprensa de que essas Regiões têm Bancada excessiva que administra a macropolítica do País. Isso está totalmente errado. Não administramos nem a política, nem a economia. Somos levados de roldão.

A Srª Marluce Pinto - Nobre Senador, V. Exª concede-me um aparte?

O SR. JOÃO ROCHA - Com muito prazer, nobre Senadora Marluce Pinto.

A Srª Marluce Pinto - Senador, V. Exª, ao falar sobre a região Norte, citando o Estado do Amazonas, fiquei a observar que se V. Exª citasse a menor taxa do Amazonas, que seria a de Roraima, ainda causaria maior espécie. Por isso solicito que V. Exª faça muitos outros pronunciamentos como este, contestando essa desigualdade e esse desequilíbrio regional que existe em nosso País, bem como repasse esses dados a outros Senadores interessados, promovendo o diálogo a respeito do assunto. Todos os repasses de verbas feitos aos Estados levam em consideração a população, mas não se desenvolve uma região baseando-se no seu número de habitantes e, sim, na sua extensão. O Estado de Roraima e tantos outros da Região Norte são geograficamente grandes e ricos, mas não se desenvolvem por falta de financiamento. Não temos como fazer investimentos, porque as verbas são mínimas. Os Estados com grande população têm sérios problemas, que não incluem seu desenvolvimento, muito pelo contrário. Justamente por serem desenvolvidos, Estados como São Paulo e Rio de Janeiro enfrentam assaltos e sua população não pode sair às ruas. Enquanto isso, Regiões como as nossas continuam sem investimento, sem estrutura que possa criar no brasileiro a expectativa e a vontade de habitá-las, embora sejam tão salubres e ricas em recursos naturais. Assim, permanece o nosso Brasil dividido em três nações, três "Brasis": o Brasil do Sul, o Brasil de parte do Nordeste e o menos desenvolvido, que é o da região Norte. Muito obrigada pela concessão.

O SR. JOÃO ROCHA - Agradeço o aparte de V.Exª, que ratifica meu pronunciamento. Há um total esquecimento das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do nosso País.

V.Exª citou, com razão, a participação de Roraima nesse "bolo" de transferência voluntária. Ela chega a 0,79%, quando deveria ser bem maior, pois trata-se de um Estado que tem tudo por fazer, assim como acontece com Roraima, Rondônia, Amapá, Amazonas e Acre.

Outra aberração é o volume de recursos do Orçamento de 1994 a 1996 que foi destinado aos Estados ricos: a Região Sudeste recebeu R$26 bilhões e 670 milhões; a Região Norte, R$5 bilhões, e a Região Nordeste, R$15 bilhões. Somando-se os valores das duas últimas Regiões, o resultado são R$20 bilhões. Assim, duas Regiões pobres ficaram com 80% dos recursos e o restante foi transferido para a Região mais rica do País, que envolve quatro Estados. Se considerarmos a Região Sul, que envolve o Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, a transferência foi de R$9 bilhões, exatamente duas vezes mais do que foi transferido para a Região Norte, mais carente de infra-estrutura e de tudo o mais.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Senador João Rocha, o tempo de V. Exª está esgotado em mais de 5 minutos.

O SR. JOÃO ROCHA - Peço a V. Exª mais algum tempo para concluir meu pronunciamento.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - A Mesa permite-lhe prosseguir, naturalmente, mas apenas lhe apela para que acelere a conclusão do seu discurso.

O SR. JOÃO ROCHA - Agradeço a V. Exª, pois o assunto é muito importante. Ainda voltando ao termo de comparação de números, cito o caso do Estado da Bahia, o mais populoso da região Norte, Nordeste e Centro-Oeste do nosso País. É também o mais desfavorecido segundo esse critério de dados e números levantados, porque com 8% da população nacional só recebeu, no mesmo período, 4,26% do montante de todas as transferências constitucionais voluntárias.

Na Região Nordeste encontram-se dois outros Estados muito prejudicados, sempre segundo o mesmo critério, que são o Ceará, com 4,34% da população nacional, e o Maranhão, com 3,33%, os quais receberam, nesses três anos, respectivamente 2,89% e 2,16% das transferências constitucionais.

Na região Norte, a exceção dos Estados menos populosos, como Amapá e Roraima, as frações de transferências também apresentam-se, em geral, inferiores às frações populacionais. Os mais prejudicados são os Estados do Pará - com 3,52% da população e 2,22% das transferências - e o Tocantins, que abriga 0,67% da população e recebeu somente 0,43% das transferências, números bastante significativos, se tomados relativamente, em termos de valores.

Essa desigualdade de tratamento entre os Estados continua hoje, em 1997, como denunciam os dados levantados pelo Prodasen a pedido da Comissão de Fiscalização e Controle desta Casa, relativos aos percentuais de liberação, até o dia 19 do mês próximo passado, das dotações orçamentárias para este ano. Os seis Estados que receberam, até aquela data, uma fração maior das suas dotações para este ano foram, na ordem, Distrito Federal, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Rio de Janeiro - todos, à exceção do Distrito Federal, Estados das Regiões Sul e Sudeste. Para cada um desses Estados foram liberados entre 30% e 40% das dotações orçamentárias empenhadas e liqüidadas.

No outro extremo da lista figuram somente os Estados da Região Norte, Nordeste e Centro-Oeste do nosso País, como Rio Grande do Norte, Roraima, Mato Grosso, Acre, Amazonas e Tocantins, todos tendo recebido, decorrida quase a metade do ano, menos de 20% dos recursos orçados para 1997. Meu Estado, o Tocantins, repete, no que diz respeito à prioridade que recebe do Governo Federal, o desempenho que tem na ordem alfabética: é o último, tendo recebido, nestes quase seis anos, apenas 10,48% da dotação orçamentária para 1997, ou seja, 20% daquele percentual que foi liberado para as Regiões Sul e Sudeste - um Estado que precisa construir sua estrutura, que precisa de tudo.

Outro aspecto da política financeira do Governo Federal, em que fica patente, ainda mais, a desigualdade de tratamento dado aos Estados, favorecendo precisamente os mais ricos, é o caso da federalização das dívidas estaduais e municipais. Para constatarmos essa distorção, basta examinarmos as vendas a termo de Letra do Banco Central - LBC, operações que consistem, de fato, na troca por parte do Governo Federal de títulos estaduais e municipais por títulos federais, títulos do Tesouro, títulos assumidos pelo Erário.

Pois bem, Srªs e Srs. Senadores, dos R$33 bilhões já negociados até o mês de janeiro de 1997, segundo informações de que disponho, R$14 bilhões, correspondendo a 42%, referiam-se à compra pelo Governo da União de títulos do Governo do Estado de São Paulo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é dessa maneira que a União - ou seja, todos os brasileiros - assumiu o "mico" das dívidas do Estado mais afluente da Federação, precisamente aquele cujos cidadãos mais preconceituosos costumam figurar como "uma locomotiva que puxa 26 vagões de lastro". Locomotiva - eu diria, que estaria "quebrada" financeiramente, não fora o socorro desses 26 vagões.

Outros R$18,6 bilhões - ou 56% do total - foram aplicados em operações do tipo pelo Banco Central com títulos somente dos Estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro, na ordem de importância dos montantes "micados". Em uma palavra, Srªs e Srs. Senadores, a vergonha é esta: nada menos de 98% das dívidas estaduais e municipais federalizadas via LBCs estão concentradas nessas duas regiões, ou seja, atenderam ao pedido de socorro dos quatro Estados mais ricos da Federação.

Outra fração de dívida federalizada é a posição de custódia, pelos bancos federais, de títulos estaduais e municipais. Esses títulos chegam quase a atingir R$1,5 bilhão, dos quais 76% - ou R$1.12 bilhão - correspondem à dívida somente do Município de São Paulo, enquanto outros 12% constituem dívida do Município do Rio de Janeiro, e 11% da dívida do Estado de Minas Gerais.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) (Fazendo soar a campainha.) - Senador João Rocha, V. Exª já ultrapassou seu tempo em 12 minutos.

O SR. JOÃO ROCHA - Estou concluindo, Sr. Presidente.

Estou consciente, Srªs e Srs. Senadores, do fato de que essa federalização das dívidas de Estados e Municípios, articulada a partir de 1994, era um requisito para a credibilidade externa do Plano Real. Conhecedores da situação pré-falimentar de nossos Estados mais ricos do País, os investidores internacionais não arriscariam seu dinheiro no Brasil - ou seja, não avalizariam a âncora cambial - se o Banco Central não se comprometesse a literalmente "sentar-se em cima" das bombas-relógio financeiras que eram as dívidas de Estados e Municípios mais ricos do País.

Uma olhada de relance em um histograma elaborado pelo Banco Central, que representa os saldos das dívidas mobiliárias por títulos dos diversos Estados e Municípios é suficiente para fazer saltar aos olhos de qualquer principiante em matemática o fato de que os maiores montantes, de longe, são, na ordem, os seguintes: em primeiro lugar, com dívida de R$19 bilhões, o Estado de São Paulo; em um segundo nível, os Estados de Minas Gerais, com R$9 bilhões; o do Rio Grande do Sul, com R$6 bilhões, seguidos do Município de São Paulo, com R$5,1 bilhões; em um terceiro patamar, o Estado de Santa Catarina, com R$1,5 bilhão e o Município do Rio de Janeiro, com R$1,4 bilhão.

As dívidas de todos as outras Unidades Federadas se apequenam, no gráfico, diante dessas sete grandes devedoras. As outras Unidades Federadas têm dívidas em valor inferior a R$800 milhões, cada, sendo a maior parte abaixo de R$450 milhões. Fica assim evidenciado o fato de que Estados e Municípios do Sul e do Sudeste são os que mais se endividaram e os que mais receberam o favor da União de federalizar suas dívidas.

O perfil dessas dívidas é estarrecedor, Srªs e Srs. Senadores, pelo que demonstra a concentração, nos Estados mais desenvolvidos, dos tipos mais graves de dívida. A dívida interna por títulos estaduais, por exemplo, concentra-se em 74% no Sudeste e 19% na Região Sul, deixando apenas 7% para as outras regiões somadas: Norte, Nordeste e Centro-Oeste do nosso País. Por sua vez, 45% da dívida contratada por Estados resultam do endividamento dos Estados da Região Sudeste; da dívida flutuante, constituída principalmente por Antecipações de Receitas Orçamentárias, dívida líquida de curtíssimo prazo, 52% concentram-se na Região Sul, especialmente no Estado do Rio Grande; finalmente, da dívida externa, 58% são pertinentes à Região Sudeste.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há aquela velha frase de que "quem não deve não tem". Eis uma forma irônica - nem por isso menos verdadeira - de se enunciar um antigo brocardo. De fato, constatamos que os Estados mais ricos são os mais pendurados em dívidas. Os dados que citei - extraídos todos, sem exceção, dos boletins do Banco Central - apontam para o favorecimento, pelo Governo Federal, desses Estados mais ricos e mais endividados, em detrimento das regiões mais atrasadas e mais necessitadas de ajuda, que, apesar de suas dificuldades, vêm fazendo uma gestão mais responsável do dinheiro público, arrecadando mais e se endividando menos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de concluir este pronunciamento repetindo uma verdade óbvia, mas freqüentemente esquecida: "quando às desigualdades históricas entre os Estados brasileiros adicionamos um tratamento desequilibrado, que favorece os mais ricos, estamos correndo na contramão de nossa história, que aponta para a integração e a uniformização das culturas e economias distintas que caracterizaram nossa colonização. Corremos, também, na contramão da justiça social e política.

É urgente, portanto, voltarmos a pensar em nosso projeto de construir um País justo e democrático, deixando de fomentar, por via das próprias políticas públicas, os desníveis de renda e bem-estar entre as regiões e entre os cidadãos brasileiros. Desníveis que só servem para atiçar as animosidades insensatas que, por vezes, irrompem nos noticiários sob a forma de manifestações separatistas, que não são do nosso interesse.

Que o Brasil reconheça a desigualdade entre as regiões.

Sr. Presidente, peço que consta da Ata, como parte integrante deste discurso, os Anexos de nºs 1, 2, 3, 4, 5 e 6 a que faço referência em meu pronunciamento.

Agradeço a V. Exª pela tolerância em me conceder mais alguns minutos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/07/1997 - Página 13882