Discurso no Senado Federal

ESGOTAMENTO DO PLANO REAL 1 E IMPLEMENTAÇÃO DO CHAMADO PLANO REAL 2.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • ESGOTAMENTO DO PLANO REAL 1 E IMPLEMENTAÇÃO DO CHAMADO PLANO REAL 2.
Publicação
Publicação no DSF de 19/07/1997 - Página 14609
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, IMPLANTAÇÃO, BRASIL, PLANO, REAL, CONTROLE, INFLAÇÃO, FAVORECIMENTO, CLASSE EMPRESARIAL, PREJUIZO, MAIORIA, POPULAÇÃO, FALTA, CONVENIENCIA, MANUTENÇÃO, AUMENTO, TAXAS, JUROS, ABERTURA, IMPORTAÇÃO, INCENTIVO, PRIVATIZAÇÃO, AMEAÇA, CRISE, NATUREZA ECONOMICA.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje tentarei concluir algumas reflexões que iniciei há algum tempo, mas que, embora tenha me inscrito por três ou quatro vezes nesta semana, como sói acontecer com Senadores de terceira categoria como o que agora fala, vamos sendo empurrados para uma sexta-feira vazia, onde podemos usar os 20 minutos que o Regimento nos concede.

Diante da mudança de rumo que verificamos, expressamente declarada por Sua Excelência o Senhor Presidente da República, principalmente numa entrevista de três páginas publicada na Gazeta Mercantil, no dia 19 de junho, páginas 9, 10 e 11, estamos convencidos de que houve um esgotamento do Plano Real I, aquele que alavancou Sua Excelência o Senhor Fernando Henrique Cardoso ao poder. E, diante desse esgotamento, é necessário recorrer ao Real II, que já está em curso no País. E, para aqueles, que hoje são poucos numerosos, penso eu, que ainda não identificaram essa mudança qualitativa em toda a estrutura, em toda a engenharia, em toda a cronometragem que presidiu o Plano Real I, que teve um inegável êxito: o de reduzir a taxa de inflação. Quando era Ministro da Fazenda, o Senhor Fernando Henrique Cardoso fez com que ela se elevasse de 27% a 46% ao mês. Então, houve uma grande mudança naquele momento para que a taxa de inflação se aproximasse de zero.

Mas, ao ter esse êxito, o custo FHC, o custo social, que foi lançado sobre o Brasil, não apenas sobre esta geração, mas sobre as gerações futuras, fez com que a aprovação popular registrada nas pesquisas de opinião caísse, despencasse - na última, para 32% apenas. É evidente que ainda se encontra longe da reprovação obtida por Alberto Fujimori no Peru, que caiu agora a 22% apenas.

Na Argentina, em conseqüência de um plano muito parecido, desempregados, aposentados, vendo os seus direitos conspurcados, fizeram com que, devido ao elevado custo social da implantação do plano de combate à inflação, o simpático e eleitoralmente tão bem sucedido Presidente Carlos Menem ficasse também com apenas vinte e poucos por cento de aprovação.

Portanto, isso não é de hoje e não é para inventar críticas de oposição a um plano, porque críticas a esse plano escrevi em 1972, e uma outra crítica dirigida a um dos construtores do Cruzado I, Lara Rezende, publiquei um mês e meio antes do dia 28 de fevereiro de 1986, dia do lançamento do Cruzado I.

Portanto, as minhas críticas não são improvisações: são críticas sedimentadas ao longo de muitos anos, e as afirmo aqui com o mesmo espírito que presidiu as minhas aulas, quando eu procurava ensinar aos meus alunos aquilo que me parecia ser uma postura mais próxima da verdade.

Antes de 1972, escrevi um livro, que foi publicado em 1980: "A Crise da Ideologia Keynesiana". Em sua introdução, o meu colega Edmar Bacha disse que eu havia antecipado em 17 anos a Sir Hichs, na previsão de que a economia keynesiana se encaminhava para a sua crise definitiva.

Portanto, o que digo hoje não é motivado por frustrações, por invejas, por ambições políticas. Garanto que jamais serei ministro de qualquer governo, e aqueles que me conhecem sabem que, há 20 anos, eu também não aceitaria.

Quando fui candidato a Governador do Distrito Federal, com imensas chances de eleição, eu dizia todos os dias em minha casa: "Se eu vencer, estou perdido." Não tenho vocação para o exercício do poder.

Feita essa introdução, retomo aquilo que considero como essencial. É óbvio que a meta principal de Sua Excelência o Senhor Fernando Henrique Cardoso é a política; ele é um ser essencialmente político; não no sentido de Aristóteles, mas no sentido mais comum: o da volonté de puissance, ou vontade de poder, que anima a maior parte das pessoas em nossos segmentos políticos.

Portanto, o que assistimos aqui, ao longo deste período de três anos, foi uma firme e muito bem feita estratégia que tinha por objetivo principal permitir a Sua Excelência, pela primeira vez na História do Brasil, transformar o seu quadriênio em pelo menos o dobro. Procurei no Dicionário Aurélio a palavra "octoênio" para indicar o período de oito anos, mas ela não existe. O que Sua Excelência quer não existe no Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, não existe em português: um período de oito anos. Não está no Dicionário Aurélio, não está no gibi. Mas, obviamente, é o seu principal desiderato, a sua principal vontade.

Então, quando o Real I, que o levou ao poder, começou a mostrar que a dívida interna brasileira disparou para conter o ímpeto inflacionário, o alargamento da base monetária, proveniente não apenas da entrada de dólares, mas também do déficit orçamentário coberto com recursos de novas emissões; com a elevada taxa de juros pagos para rolar a dívida pública neste País; pela troca de dólares em reais, que estão aí em 58 bilhões em reserva, alargando a base monetária; e tudo isso tem que ser enxuto para que a inflação não suba pelo aumento da dívida pública, pelos títulos que o Governo tem que vender a uma taxa de juros elevada para tentar enxugar essa pressão inflacionária, esse alargamento da base monetária que continuamente se faz.

Portanto, neste momento, tendo em vista o elevado custo social, o desemprego, o sucateamento do parque nacional, a desestruturação da agricultura e da pecuária, a falta de recursos para o social, porque a CPMF foi aprovada, sim, mas grande parte dos recursos que seriam destinados à saúde foram desviados para o pagamento ao BNDES, pagamento ao FAT, e não chegaram na conta da saúde.

Portanto, o que vimos e estamos presenciando é que todos sentiram que Sua Excelência, o Presidente da República, tem uma grande sensibilidade para entender o social, para perscrutar as tendências dos eleitores. E diante da última pesquisa, que o coloca com 32% apenas de aprovação, no sentido de conduzi-lo à reeleição, é óbvio que ele sabe muito bem que não pode continuar trilhando os caminhos que o levaram a esse nível de rejeição, de desaprovação; 41%, no Rio de Janeiro, já afirmam que não confiam em Sua Excelência para um novo mandato.

De modo que, então, o que vemos é que é preciso mudar tudo, mudar quase tudo, para que não mude o Presidente da República.

Pois bem, o Professor Edmar Bacha, há cerca de três meses, advertia que era preciso rearranjar o "processo" real. Gustavo Franco, divergindo da proposta de Kandir que bradava pela antiga "austeridade, austeridade, austeridade", percebeu que o Real II deveria vir à luz com suas novas verdades eleitoreiras: gastança, gastança, gastança, quantum satis para chegar ao pódio eleitoral. Disse o genioso diretor do Bacen que, com os gastos eleitoreiros, a inflação iria voltar "um pouco". Tudo que foi enxugado será alagado. Tudo que foi enxugado pelo Real I será alagado pelo Real II.

A mudança de rota gera ansiedade, provoca turbulências. "Qual é a coisa que o senhor mais teme, neste momento? - pergunta o Jornalista da Gazeta Mercantil (19/06/97 - p.10). Responde o Presidente Fernando Henrique Cardoso: "A gente tem medo quando não controla. Por que há muita gente que tem medo de avião? Tem medo porque não entende o que está acontecendo. Depois que entende o que está acontecendo, o medo diminui". Mas se o que estiver acontecendo for uma pane? Uma vez compreendida, o medo aumenta. O imprevisível e temível seria, diz Sua Excelência, "um desarranjo no sistema financeiro internacional". Mas se o Real I não tivesse aberto tanto a economia brasileira a ponto de torná-la joguete do ingovernável e do imprevisível, isto é, das reservas em dólares voláteis; se a colocação de bonds, papers e notes brasileiros nos mercados do mundo não tivesse sido feita com tanta "eficiência", as mudanças de humores nas Bolsas mundiais, as oscilações dos juros externos, principalmente o aumento das remunerações dos papéis emitidos pelos governos ricos e confiáveis, não criariam o perigo de provocar uma fuga dos capitais voláteis pousados no Brasil. O Real I preparou terreno para que o Real II nascesse pisando em ovos...

O Professor Fernando Henrique Cardoso escreveu que o capitalismo queima o excedente que ele produz em guerras ou no social. A queima do excedente que a social-democracia brasileira destrói no social, na falta da fogueira bélica, era destruído, na sociedade indígena que ocupava o território do atual Estado de Nova Iorque, por meio de uma festa ritual denominada potlach. O magnífico e lauto excedente que o Real I deveria ter economizado ao fixar o salário mínimo no "último furo" da cintura magra dos trabalhadores, ao deixar de pagar 46% dos vencimentos devidos aos funcionários públicos após três anos sem reajuste, ao negar os 28% de equiparação constitucional entre servidores civis e militares, ao amealhar as sobras dos recursos orçamentários nas áreas sociais, na área da reforma agrária e na receita da venda das empresas estatais, ao criar as receitas da CPMF, que parecem ter adoecido antes de melhorar a saúde pública, o suado excedente será agora consumido no potlach eleitoral que constituirá a maior distribuição de benesses, favores, doações necessárias para que o represidente "vença" a reeleição. Tudo que foi prometido será rapidamente cumprido no ritual eleitoral. "Prometi muito", afirma o Presidente Fernando Henrique Cardoso,"e prometo prometer muito mais". Como disse, certa vez, o Ministro Bresser Pereira, no Plenário da Câmara dos Deputados," há um discurso para a campanha eleitoral e outro para governar"... Nada do que foi esquecido será lembrado, afirma a transparência da social-democracia empoada, amnésica, maquiada...

Se o Real I não provocou a desestruturação das bases da produção nacional, se a produção de autopeças, de porcelana, de tecidos e confecções, de brinquedos, de sapatos, de vinhos e bebidas finas, da construção civil, das indústrias de base e da agropecuária não foi desestruturada, porque o Real II só fala em reestruturação? Investimentos em 42 setores. "Tudo que foi desestruturado, será reestruturado", prometem os refazedores remidos, redimidos. O espírito desencarnado da reumanização eleitoral baixa na figura mítica do recandidato. Em período pré-eleitoral, todos somos irmãos: Maluf, ACM, Cameli, Covas, Brito, Serjão, Pitta... Todos serão chamados, todos serão salvos.

Os conchavos e aconchegos que visam assegurar o continuísmo de Fernando, o mesmo de Menem e de Fujimori, desestruturam os frágeis partidos políticos e conquistam o apoio fácil dos abatidos governadores dos Estados falidos. A Federação se liquefaz diante das relações políticas desinibidas, ilimitadas, centradas no poder sem pudor da União. Prepara-se o palco para que o candidato-presidente se comunique diretamente com os eleitores, ocultando totalitariamente a cena do discurso político incontroverso. Há tempos Sua Excelência já declara que "não existe oposição" ao seu Governo; se esta inexiste, estamos diante do poder absoluto.

O dinheiro que foi enxugado, que sempre faltou para repor salários, vencimentos, aposentadorias, pensões, merendas escolares, equipamentos hospitalares, remédios, vacinas, para remendar estradas, parece que esteve sempre à espreita, na engorda, esperando o momento certo para mostrar sua potência, sua irresistível força eleitoral. De novo, os tecnocratas ensinam politicagem aos políticos, inocentes diante das macromaquinações. "NOVAS PRIVATIZAÇÕES RENDERÃO US$85 BILHÕES", (Jornal do Brasil, 29/06/97, pág. 38).

De acordo com a Superintendente de Privatizações do BNDES, Mariane Sussekind, a gaita vai entrar rapidinho, rapidinho... E esclarece os motivos da eficiência e da urgência pré-eleitoral: "o que permite uma ação tão rápida do Ministério das Comunicações é o fato de a Lei Geral criar um ritual próprio de concorrência, escapando do rigor da Lei nº 8.666, que rege todas as concorrências"! "Os compradores", esclarecem os açodados vendedores, "aliarão ao bom negócio a garantia de financiamento do BNDES, em percentual definido caso a caso". Tudo que era público será doado, tudo que era inibido pelo pudor e pela vergonha será exibido. Venham quente porque os doadores do sangue alheio estão fervendo. Os recursos sociais, os do FAT, os do INSS, os de empréstimos externos, as sobras devolvidas pelo austero Real I, o dinheirinho das privatizações da Vale, da CSN, das ferrovias e estradas privatizadas se somarão ao dinheirão das privatizações das telecomunicações, algo em torno de R$85 bilhões, que pagarão parte do lauto banquete que o potlach eleitoral destruirá em holocausto aos deuses, e ao deus dos deuses. "Dinheiro não vai faltar", declara o candidato FHC, cavalo de terreiro no qual baixou o espírito de Juscelino.

"Criou-se um conselho informal de ministros para administrar a utilização de parte do ervanário da privatização das telecomunicações. Trata-se de aplicar o dinheiro em obras que não pareçam eleitoreiras, mas fiquem visíveis antes da eleição. Sérgio Motta ficou de fora", revela a Folha de S. Paulo (caderno Brasil, 06/07/97, pág. 18).

Para o Real II e suas urgências reeleitorais, o principal de uma obra não é a pedra fundamental nem sua consecução. O principal é a inauguração, o palanque festivo, a divulgação televisiva do feito, o retorno eleitoral dos investimentos públicos. Por isso, entre as reformas necessárias para sustentar o Real II encontra-se a luta oficial pelo direito da presença do Presidente, recandidato, ao ato político da inauguração de obras.

Se a construção civil e as casas populares iam de vento em popa, por que o Presidente da Caixa Econômica Federal promete reconvocar os candidatos frustrados à compra da casa própria para participar do potlach eleitoral? Em entrevista ao Jornal do Brasil do dia 22 de junho (pág. 12), o Presidente Cutolo da Caixa Econômica Federal, que retirou da cartola R$3 bilhões para tapar o buraco negro de R$3 bilhões desaparecidos do Banerj, garante mais R$12 bilhões. Ao potlach eleitoral, serão acrescidos R$12 bilhões, que ressuscitam o neo SFH sob o nome de Sistema Financeiro Imobiliário (SFI). Haja siglas... "Dinheiro não vai faltar", afirma sorridente o represidente FHC, o ex-austero. "BRASIL EM AÇÃO é o novo palanque eleitoral" estampa a manchete da Folha de S. Paulo (Caderno Brasil, pág. 17). "Presidente prepara pelo menos 7 inaugurações de obras nos 15 meses que faltam para a próxima eleição". Tudo que era secundário agora será prioritário. "Principal peça da campanha de reeleição do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o Brasil em Ação (conjunto de 42 projetos prioritários) promete promover um boom no mercado de empreiteiras do País e movimentar a agenda de FHC até outubro de 98" (Folha de S. Paulo, data e local acima citados).

Os empresários e empreiteiros sobreviventes, que amargaram um longo e penitente jejum ao longo de três anos de Real I, sorriem novamente ao acreditar que, das tetas do Governo, jorrarão leite e mel, missões e comissões. "Entre os projetos selecionados pelo Programa Brasil em Ação, há obras que estão sendo investigadas pela Justiça e obras que são questionadas e criticadas por órgãos do próprio Governo. O pacote também inclui obras que foram usadas na barganha política da reeleição e obras que se arrastam há anos, produzindo um fenômeno muito brasileiro, o da multiplicação de custos. As obras da BR-364, no Acre, contêm o maior número de irregularidades já apontadas pelo Ministério Público Federal em construções do gênero" (Folha de S. Paulo, caderno Brasil, 29/06/97, pág. 20).

A alma política que animou o Real I e "alavancou" FHC à Presidência da República entrou em exaustão. O caráter seco, enxuto, negativo, sucateador e desumano do Real I impede que os candidatos às próximas eleições continuem a empurrar o carro funerário em que se transformou o trator do Governo. O Ministro Sérgio Motta sabe que pode aproveitar o impulso restante da máquina que moveu o Real I para conseguir passar rapidamente pelo Senado a mais importante peça e a mais volumosa fonte de recursos a serem despejados nas praias do Real II. Serão R$85 bilhões só das áreas das telecomunicações, segundo o fantasista Ministro Serjão, pós-Compostela, remido e perdoador. O sistema Radiobrás, com 490 emissoras de televisão e rádio, ficará incólume, não será privatizado, pelo menos até que preste os serviços que seu presidente, Maurílio Ferreira Lima, prometeu: "mover uma guerrilha televisiva para garantir a reeleição do Presidente".

"Cooperativas Refinanciam Dívidas - governo pode resolver déficit de R$1,7 bilhão, concedendo empréstimos e securitizando as dívidas" (Gazeta Mercantil, 25/06/97, pág. C-7). O socorro vem para as cooperativas de crédito agrícola, respeitando a prioridade do Plano Real I para com os bancos, banqueiros e agiotas.

O Real I, que sempre se orgulhou ser fruto de uma engenharia genética perfeita, desumana, laboratorial, se contamina com a modéstia eleitoral e, não podendo comer uma buchada populista, fala pela boca do seu Presidente Loyola: "HORA DE CORRIGIR ANTIGOS ERROS" (Gazeta Mercantil, 23/06/97, pág. b-1). De onde sairá tanto dinheiro para vencer as eleições, inaugurando quinze obras até lá, abrindo, só nas Comunicações, "750 mil novas oportunidades de emprego", de acordo com o Ministro Sérgio Motta? Todos que foram demitidos pelo Real I serão reempregados pelo Real II. "HORA DE CORRIGIR OS ERROS". Descontraidamente e com franqueza, os dois "ele, Loyola, e o Diretor de Fiscalização, Cláudio Mauch, discutiram o redesenho que pode vir a ter o Banco Central como guardião da moeda e como órgão regulador do sistema financeiro, e quais as distorções que não podem ser indefinidamente adiadas" (Gazeta Mercantil, 23/06/97, pág. b-1). Depois da suave e amiga intervenção em 69 bancos, após a permissividade que doou R$25 bilhões a bancos podres, inclusive falsificadores de moeda escritural - o caso do Banco Nacional -, assaltada a casa, prometem colocar novas trancas, as trancas do Real II. Tudo que não foi fiscalizado, agora, será vigiado ...

"Dinheiro não faltará". "O Programa Brasil em Ação inclui obras eleitoreiras e projetos questionados por órgãos do próprio Governo. Plano enfrenta críticas e ações judiciais", estampa a manchete da Folha de S.Paulo, de 29/06/97, página 20.

Ignorando que matar passarinho é crime inafiançável, o Presidente FHC confessa que o tiro por ele disparado contra os pensionistas em petição de miséria tinha acertado um elefante; certamente uma referência ao grande contingente de eleitores abatidos com a proibição de acumular duas misérias: a miséria da aposentadoria com a miséria da pensão. O Real II e a proximidade das eleições humanizaram o coração de Sua Majestade que, diante das demonstrações de rua, dos sacrificados pelo tiro de misericórdia, voltou atrás.

As companhias aéreas brasileiras que sempre voaram de acordo com o Princípio de Arquimedes, recebendo um impulso de dinheiro líquido de baixo para cima igual ao peso do volume político deslocado, querem participar do potlach eleitoral devorando R$4 bilhões. "De onde virá tanto dinheiro?", indaga a consciência enxuta dos ressequidos e estupefatos brasileiros. O Estado de São Paulo, a locomotiva emperrada, vai receber R$53 bilhões para pagar dívidas junto ao Banespa e a outros sequiosos credores. 

O potlach eleitoral será imenso, garante o Presidente FHC. "Não se esqueçam de que petróleo é dinheiro e a União continua sendo proprietária das reservas petrolíferas brasileiras". FHC está disposto a pôr fogo no petróleo, a vender as reservas cubadas do ouro negro, para aquecer o grande potlach eleitoral. O insuspeito ex-Deputado e empresário Hebert Levy se preocupa: "Por sua vez, o Presidente Fernando Henrique Cardoso lembra que o petróleo cubado não pertence à Petrobrás, mas sim à União, sendo considerado como reserva financeira"... Aqui aprovamos, demos carta branca, passaporte, para que isso seja feito, para que os lençóis de petróleo brasileiro sejam transformados em dinheiro, cumprindo a promessa do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Repito, pela enésima vez, enfatiza o jornalista: "a autoridade moral do Presidente é o ativo mais importante para o País"...(Gazeta Mercantil, 03/07/97, p.A-4). O petróleo era nosso, agora pertence ao potlach eleitoral.

Pois bem, como o tempo parece estar esgotando, gostaria de resumir...

O SR. PRESIDENTE (João Rocha) - Gostaria de lembrar a V. Exª que realmente o tempo já se esgotou, mas, pela importância do próprio pronunciamento, V. Exª tem mais 10 minutos para concluí-lo.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço muito a generosidade de V. Exª, inclusive o elogio que permeia essa permissão.

Já me referi muitas vezes - e hoje leio freqüentemente na imprensa - ao fato de que o Presidente Fernando Henrique Cardoso, no Real I, parece muito com o Presidente Campos Sales. Campos Sales demitiu funcionários, vendeu empresas estatais, enxugou e exagerou no enxugamento, porque queimou dinheiro no primeiro ano de seu governo. Campo Sales criou o imposto ouro sobre importações para pagar a dívida externa brasileira em ouro.

Portanto, a política de Campos Sales é muito parecida com aquela que Bulhões e Roberto Campos instituíram após o Golpe de 64, provocando um grande número de falências e uma elevação no desemprego. O Sr. Roberto Campos dizia: "Estou fazendo aqui uma sangria depuradora" - sangria depuradora para que as empresas falidas nacionais fossem vendidas, na Bacia das Almas, ao capital estrangeiro. Assim, uma parte de Sua Excelência, o Presidente Fernando Henrique Cardoso e de seu Governo, o Real I, assemelha-se muito ao Governo de Campos Sales.

Entretanto, FHC não é um duplo de Campos Sales. As relações entre o indivíduo e seu "outro" estão bem descritas por Otto Rank, autor de O Duplo e O Traumatismo do Nascimento, não são suficientes para explicar a personalidade múltipla de FHC.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso já declarou expressamente assumir a sua semelhança com o Presidente Juscelino Kubitschek, o realizador de obras. Sua Excelência, ao aumentar os gastos do Governo, ao realizar despesas em diversas áreas, inclusive em Brasília, nas hidrelétricas, na construção de estradas, criou, obviamente as bases para o aumento das taxas de inflação no Brasil. Logo, tem razão o Sr. Gustavo Franco ao dizer que as próximas eleições, ao permitirem essa gastança no lugar da austeridade a que se referia o Ministro Antônio Kandir, vão trazer de volta a inflação, um pouco - diz modestamente o Sr. Gustavo Franco, aquele que, entre outras coisas, afirmou que se Lula ganhasse as eleições de Fernando Collor de Mello iria seqüestrar a poupança.

Portanto, mais uma vez os tecnocratas dão lições de politicagem aos políticos ao inventar essa mentira, como o fez o Diretor do Banco Central, Gustavo Franco, que foi muito importante para a vitória de Fernando Collor de Mello. O FHC do Real I é uma figura próxima de Campos Sales, como já disse, e o FHC do Real II é uma repetição.

No final de linha, com uma dívida pública imensa que não limitava o Governo de Juscelino Kubitschek, com uma dívida pública astronômica que não era obstáculo aos gastos de Juscelino Kubitschek, portanto, no final do processo, do esgotamento do processo de crescimento, quer se voltar ao útero materno e começar de novo o Governo de Juscelino Kubitschek, das grandes obras, das grandes realizações.

Serão 42 obras inauguradas até as eleições. E as 2.200 obras inacabadas que o Tribunal de Contas e Senadores verificaram, in loco, a existência? Essas permanecerão abandonadas, como se encontram. Duas mil e duzentas obras!

Juscelino Kubitschek, ao invés de absorver as imposições do FMI, se rebelou contra o FMI. Isso, ao contrário do que acontece com o Presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas isso não impede que mais R$5 bilhões sejam dados, pelo BID, através da visita do seu Presidente Enrique Iglesias - R$5 bilhões que serão fornecidos, também, para este potlach. Lá na Rússia, quando Yeltsin corria o risco de não ser eleito, o FMI mandou 8 bilhões para ajudar no potlach soviético, na vitória eleitoral do Sr. Yeltsin.

O Governo de FHC representa um momento da consciência plena de que a crise de acumulação de capitais produzira seus desastres desumanos, afugentara a capital-dinheiro potencial da produção e dos investimentos para a especulação, transformara os empréstimos externos em investimentos e esbanjamentos sem retorno, incapazes de pagar as dívidas avolumadas. O empobrecimento da classe média e o desvio de recursos do social para o luxo e o supérfluo não se mostravam mais capazes de criar mercados aptos para manter a taxa de acumulação legitimadora dos governos despóticos.

Aqui, o que se afirma é que quando o dinheiro, ao invés de transformar o investimento, reflui para a especulação, isto se deve ao fato de que a taxa de lucro que se espera desses investimentos produtivos é tão baixa que esse dinheiro resvala para a especulação.

De modo que não é possível liquidar-se essa tendência especulativa que o capital-dinheiro tem no Brasil, a não ser que os investimentos produtivos recobrem a sua rentabilidade, sejam mais rentáveis e mais seguros do que os rendimentos obtidos na especulação.

Os constrangimentos externos se exerceram sobre a economia brasileira, a jugular do endividamento externo foi seccionada e invertido o fluxo de capitais: ao invés de mais empréstimos exigia-se - isso no início dos anos 80 - o pagamento dos juros e do principal. A partir de 1980, o Ministro Simonsen iniciou o processo de fechamento da economia brasileira a fim de que, importando menos e exportando mais, se constituíssem os saldos externos destinados aos pagamentos feitos aos banqueiros do mundo.

Portanto, o PT não esteve no poder, o PDT não esteve no poder, os partidos de esquerda não estiveram no poder. Quem foi que fechou a economia brasileira? Só podem ser aqueles partidos e aquelas pessoas que estavam e estiveram há décadas no comando da economia brasileira. O fechamento da economia brasileira, escancarada a entrada de capitais estrangeiros em todos os setores, as indústrias automobilísticas e as indústrias de cosméticos não foram fechadas senão neste momento pelo próprio Ministro Simonsen para que o Brasil conseguisse um saldo de exportações para pagar a dívida externa.

Havia já uma ameaça de défaut, de dificuldade de pagamento, e então houve este fechamento da economia brasileira, feito não por partidos de esquerda ou partidos socialistas, mas pelo próprio Ministro Henrique Simonsen, a fim de que os banqueiros internacionais se satisfizessem com o aumento de nossa capacidade de pagamento proveniente do fechamento da economia nacional e do aumento do saldo de exportações.

O SR. PRESIDENTE (João Rocha) - Solicito a V. Exª que conclua seu pronunciamento porque seu prazo já se encerrou e existem mais dois oradores inscritos.

O SR. LAURO CAMPOS - Pois não! Vou encerrar esta minha oração, não antes de lembrar ligeiramente que o mercado brasileiro, tão ambicionado pela empresas automobilísticas, montadoras, que recebem todos os subsídios novamente, atrás deste mercado elitista que só pode ser feito através do empobrecimento da base e de transferência para a classe média alta e para classe A da economia nacional, agora, não podendo mudar as bases reais, o perfil deste consumidor, rico de um lado e excluído de outro, miserável de outro, o que faz? Procura adaptar a produção a este perfil, para tornar a produção imutável, para que ela não se destine à produção de artigos e de mercadorias que penetrariam na cesta de consumo dos excluídos; para não permitir, portanto, uma redistribuição de renda e esperar por ela, agora, criam-se os telefones para a classe rica, os carros montados aqui para a classe rica, cria-se uma saúde pública desmantelada para os pobres e uma saúde pública financiada por um fundo que está sendo criado para sustentar os hospitais privados que prestarão serviços conveniados ao SUS.

Portanto, o que temos diante de nós é que a estrutura da produção perversa, anti-social, excludente e concentradora, está sendo reforçada através desses investimentos, desses favores, desses subsídios. Subsídio era pecado até outro dia, no Plano Real I, agora são subsídios mais amplos, para que as montadoras se instalem no País.

De modo que, então, todo o consumidor antagônico brasileiro vai ser fortalecido através do Real II, e o processo de exclusão, este será também mais incrementado até os limites do humano.

O Real II suspende, imediatamente, todas as propostas de Governo, todas as ações políticas, todas as reformas constitucionais que tiveram o impacto negativo, das colheitas eleitorais. Ganhas as eleições, FHC e sua equipe poderiam contar com os políticos recém-eleitos, com poderes constituintes ...

O SR. PRESIDENTE (João Rocha) - A Mesa lembra a V.Exª que, apesar da tolerância, já concedemos a V.Exª mais 30 minutos, e pede a compreensão de V.Exª no sentido de concluir seu pronunciamento.

O SR. LAURO CAMPOS - Em 10 segundos, termino essa fala.

... com poderes constituintes para aplicar os remédios dolorosos do FMI, do Banco Mundial e da ordem neoliberal. Para reduzir os gastos do fisiologismo, com a compra de votos, a Constituinte precisará da maioria simples para fazer e desfazer a Constituição de 1999, a constitucionalizar o genocídio.

Portanto, teremos, aí pela frente, uma nova Constituinte eleita juntamente com a reeleição do Presidente e, então, por maioria simples, tudo será refeito adequadamente, aos propósitos do Presidente reeleito.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Agradeço a V. Exª a gentileza com que me permitiu ultrapassar o prazo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/07/1997 - Página 14609