Discurso no Senado Federal

DISCUSSÃO NO PAIS EM TORNO DA CRISE QUE ASSOLA OS GOVERNOS ESTADUAIS.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • DISCUSSÃO NO PAIS EM TORNO DA CRISE QUE ASSOLA OS GOVERNOS ESTADUAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 19/07/1997 - Página 14620
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, ESTADOS, RESPONSABILIDADE, CLASSE POLITICA, ORIENTAÇÃO, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, AUMENTO, DIVIDA INTERNA, NECESSIDADE, REAJUSTAMENTO, SALARIO, FUNCIONARIO PUBLICO, POLICIAL MILITAR, POLICIAL CIVIL, ALTERAÇÃO, INFRAESTRUTURA, ARRECADAÇÃO, NATUREZA FISCAL, MELHORAMENTO, ADMINISTRAÇÃO ESTADUAL, SANEAMENTO, FINANÇAS PUBLICAS, AMBITO REGIONAL.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o tema desta manhã, sem dúvida, é a discussão que se estabelece no País em torno da crise que assola os Governos estaduais. E quero deixar claro que entendo que é uma crise de Governos, é uma crise da máquina administrativa, é uma crise dos aparelhos públicos, e não propriamente uma crise dos Estados, enquanto unidade da Federação, enquanto organizações sociais que congregam uma grande massa de população.

É bem possível que a economia privada em Alagoas esteja bem melhor do que a sua administração pública, assim como posso dizer com toda a tranqüilidade que o setor privado no Rio Grande do Sul vai bem melhor do que o setor público.

Então, antes de mais nada, no momento em que estamos fazendo uma análise, uma reflexão, ponderamos algumas palavras, propomos alguns caminhos, não podemos deixar de fazer essa distinção. A distinção de que hoje, mais do que nunca, embora isso nunca tenha deixado de existir no Brasil, chegamos ao fundo, ao chamado "fundo do poço", ao limite extremo e talvez impossível de ser ultrapassado. É a crise da máquina pública, é a crise do Estado, a crise dos Governos.

Creio que as elites brasileiras, que sempre ocuparam o aparelho do Estado, sempre ocuparam a máquina pública e sempre ocuparam a administração dos Estados, dos Municípios, estão com uma grave e importante responsabilidade: a de colocar a máquina pública em ordem, a responsabilidade de acertar o passo, de ordenar as finanças, de fazer com que o sistema de entrada de recursos se ajuste ao sistema de saída e vice-versa; que a quantidade de recursos que saem dos cofres equivalha à quantidade de recursos que entram.

Esse duro ajuste da máquina e das finanças públicas é da responsabilidade das elites brasileiras, daqueles que têm sobre seus ombros a condução do Estado, da classe dirigente do Brasil.

Quando falo em classe dirigente, não estou falando em classe dominante, não me estou referindo apenas aos ricos. Um sindicalista, mesmo que seja um trabalhador dos menos aquinhoados nos padrões econômicos do Brasil, faz parte da classe dirigente. Um prefeito, seja de um grande município ou de uma grande capital, seja de um pequeno município ou de uma pequena cidade, faz parte da classe dirigente. Deputados, Senadores, empresários, sindicalistas, diretores de repartições públicas, representantes sociais dos diversos níveis do nosso sistema político, todos eles, de alguma forma, integram aquilo que chamamos de classe dirigente. Essa classe dirigente tem a responsabilidade de deixar de enxergar apenas uma árvore para enxergar a floresta, de deixar de enxergar apenas um lado para enxergar o conjunto dos problemas.

Creio que essa crise de Alagoas, que não é um fato isolado ou uma situação puramente circunstancial ou ocasional, mas é resultado de uma situação estrutural, de problemas que estão incrustados na máquina pública, vem demonstrar o quanto é grave o momento e o quanto é acentuada a responsabilidade das elites. Refiro-me, neste momento, Sr. Presidente, Srs. Senadores, não só ao Estado de Alagoas, embora lá, do ponto de vista exemplar, haja, neste momento, maior evidência. Os meios de comunicação estão dando uma ênfase maior ao que acontece em Alagoas hoje com o pedido de licença do Governador Divaldo Suruagy. No entanto, tropas da Polícia Militar, fardadas ou não, também cercam o Palácio do Governo, em Pernambuco. Há uma trégua de 48 horas entre Governo e policiais militares no Rio Grande do Sul. Minas Gerais viveu exatamente uma situação semelhante há alguns dias. Em todos os Estados brasileiros, indistintamente, embora em alguns mais e em outros menos, mas nos Estados brasileiros há uma situação semicalamitosa quanto às finanças públicas. O Governador Dante de Oliveira tem sido insistente e notório no sentido de mostrar o alto nível de ingovernabilidade da máquina que ele administra. O Governador Mão Santa, do Piauí, revela que a folha de pagamento ultrapassa 115% da arrecadação do Estado, do que há disponível para o exercício da função de Governador, para o exercício da função pública de administrar os recursos e alocá-los de acordo com as necessidades mais veementes de cada setor, de cada área social.

Digo com toda a tranqüilidade, com toda a convicção: bater às portas do Governo Federal é uma medida e uma saída aparentemente fácil. Pedir recursos e soluções ao Governo Federal é uma saída que pode, de alguma forma, abrir caminhos para soluções paliativas, mas não é uma saída de caráter definitivo e permanente. Encarar a solução é uma saída, é uma responsabilidade das elites locais, das elites da classe dirigente local. Classe dirigente, Sr. Presidente, não é só a dos altos empresários, dos ricos produtores; classe dirigente vai desde o Governador do Estado até o mais humilde e o menor em tamanho entre os sindicatos de trabalhadores; classe dirigente é aquela que pensa o conjunto, que tem a responsabilidade de pensar coletivamente a sociedade e que, de alguma forma, exerce algum tipo de representação política, econômica e sindical.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, vir a Brasília para pedir mais R$1 bilhão para pagar a folha de funcionários é uma saída que nesse momento representa apenas solução por não mais do que dois ou três meses. Mantida a atual estrutura, a ordem vigente das finanças nesses Estados, daqui a três meses, será preciso vir e pedir novamente.

Ontem, aprovamos para o Estado de São Paulo uma grande e uma importantíssima redefinição da sua dívida. Através do Governo Federal, toda dívida mobiliária, a dívida consolidada, a dívida contratual do Estado de São Paulo, da ordem de R$50 bilhões, é securitizada através de títulos de 30 anos.

No entanto, esse, que é o lado aparentemente fácil de promover, de resolver, implica uma série de acordos e de redefinições de políticas públicas locais; significa que os Governantes desses Estados - e no caso estou falando de São Paulo - têm que abdicar de uma série de situações irregulares, distorcidas, que até hoje vigoram na máquina pública estadual. Essa é uma consciência, uma verdade que só tem um jeito de ser escondida. Sr. Presidente, só há um jeito de esconder essa verdade hoje indisfarçável, gritante, ululante, do desequilíbrio brutal das contas públicas dos Estados; só há uma maneira de fazer com que isso novamente fique em um nível de percepção muito superficial, quase que inacessível a 95% dos cidadãos. Uma crise como essa pode ser, digamos assim, abafada, mascarada, maquiada se voltar a inflação, porque o jogo da inflação, se de um lado é extremamente perverso com os pequenos assalariados, dá aos governantes uma enorme mobilidade, pois os salários dos funcionários públicos, que atualmente ocupam 80, 90% das folhas de pagamento vão sendo deprimidos, vão sendo reduzidos no total do orçamento na medida em que a inflação vai comendo o seu poder aquisitivo e o seu valor absoluto. E os governantes só têm que jogar os reajustes dentro de uma política estratégica, com uma capacidade de ginástica financeira que desenvolveram com grande habilidade ao longo dos anos. Sou capaz até de dizer que há governantes que foram magistrais no período de inflação, pela sua capacidade de fazer flexões, de fazer ginástica, de atuar com o jogo de idas e vindas, de picos e de planícies na questão inflacionária, na situação das contas públicas que se consagraram nesse período. Os mesmos governantes, voltando a governar no período de estabilidade monetária, quando não há o jogo da desvalorização da moeda, que permite as flexões a que antes estavam acostumados, não permite jogar as coisas para debaixo do tapete, empurrar com a barriga para um futuro que um dia chegará, deram-se mal, não conseguiram entender o momento que estava sendo vivido e prepará-lo de acordo com a situação que se avizinhava e que iria naturalmente se esboçar com o tempo.

Vejam, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando um Estado tem uma estrutura de arrecadação e um aparelho público que não se equivalem - ou seja, a arrecadação é muito menor do que o aparelho público gasta -, quando há esse desajuste no período inflacionário é fácil jogar sempre para o futuro, de modo que a realidade, por mais dura, por mais difícil que seja, tenha sempre uma solução na desvalorização da moeda. Se a folha de pagamento está na ordem de 80% a 90%, bastam três meses de inflação que ela cai para 50% do Orçamento. E é nesse período que o governante faz o jogo dos investimentos das despesas de custeio.

A inflação é uma maravilha para quem quer ludibriar o povo, para quem quer enganar a massa, para quem quer fazer um jogo de cena espetacular no sentido de mostrar competência administrativa. Esse é o jogo que atende a quem não deseja enfrentar o problema no seu nascedouro e na sua dura realidade; esse é o jogo que atende a quem deseja, muitas vezes, fazer concessões aos diversos setores que demandam junto ao Estado e que nada têm a ver com a realidade financeira do Governo, em total desacordo com a realidade da arrecadação.

Sei que não é uma questão fácil querer cobrar desses atuais Governadores uma atuação rígida, rigorosa, quase que militar, no sentido de estabelecer uma rigidez para suas finanças, não me parece ser algo inteiramente correto, inteiramente adequado. Esses Governadores enfrentam algo que é a realidade local, algo que é o processo de demandas, de exigências e reivindicações locais. Eles enfrentam o duro contexto das pressões políticas e econômicas no ambiente e no Estado em que atuam, em que vivem.

Portanto, não se trata de, daqui de Brasília, através de uma ação do Ministério da Fazenda, através de uma ação do Banco Central, através de pressões do Presidente da República, tentar produzir resultados pela via de ingerência nesses Estados. Isto, na minha opinião, adianta muito pouco.

Sr. Presidente, não sei se substituir o Governador de Alagoas e colocar no exercício do cargo alguém que responda à voz direta do Presidente da República é solução, e digo por que.

Se as elites locais, se as categorias dirigentes locais do Estado de Alagoas não quiserem reformar o Estado de Alagoas, dentro de seis meses mais dinheiro será preciso que se jogue dentro daquela máquina que é um sorvedouro infinito de recursos, porque ela foi montada, por um lado, pelo inchaço do empreguismo e, por outro lado, pela deformação dos privilégios em favor de alguns setores. E isso significa tão-somente uma coisa: não tocar nessa questão, mantê-la tal como está fará com que, daqui a três meses, mais recursos sejam necessários, uma nova injeção seja necessária e não há o que solucione ad infinitum o problema de Alagoas, como não há o que solucione o problema dos 26 demais Estados brasileiros.

No Distrito Federal, nenhuma reforma mais profunda no sentido do encurtamento dos custos, do enxugamento das despesas e dos gastos excessivos foi feita. Aqui, pouco se fez no sentido de reduzir esses custos da máquina, mas o Governador tem uma enorme vantagem que os outros não têm. Quem paga a folha de salários dos professores do Distrito Federal é o Orçamento Federal. São os cofres da União que pagam os professores, são os cofres da União que pagam o setor de saúde, são os cofres da União que pagam os policiais militares.

Os PMs de Brasília ganham mais de R$1.000,00 e constituem a polícia militar mais bem paga, não porque os Governadores daqui foram competentes ou capazes de estruturar as coisas nesse nível e nessa ordem, mas pela simples razão de que o Governo do Estado chamado Distrito Federal não tem um tostão sequer a gastar com a sua Polícia Militar. A magistratura - juízes - onde estão os mais altos salários, procuradores e promotoria - Ministério Público - todos os recursos vêm do Governo Federal.

Então, um Governador assim pode-se dar ao grande luxo de fazer muito pouco quanto à redução de gastos. No entanto, nos outros 26 Estados brasileiros, o Governador tem que tirar do cofre do Tesouro Estadual o recurso para pagar os professores; tem que sair do cofre do Tesouro Estadual o recurso para pagar os PMs; tem que sair do cofre do Tesouro Estadual o recurso para as despesas de custeio, de manutenção da máquinas; têm que sair dos cofres do Tesouro os recursos para a maior parte da saúde.

Então, as coisas ficam difíceis, porque as elites locais não estão dispostas, até agora, a entender que, no âmbito dos Estados, muito mais do que no âmbito do Governo Federal, faz-se necessária a grande revolução brasileira.

O nível de sacrifício, de dificuldades que isso exige é grande; o nível de problema humano e social que está por trás da simples frase "ajuste fiscal dos Estados" é imenso.

Cobrar daqui, de uma tribuna, não o faríamos. Acusar os Governadores, nem eu e nem o Senador Leomar Quintanilha estamos fazendo isso - também abordou o assunto, alertando para o problema, o Senador Leomar Quintanilha, mas não atirou sobre as costas dos Governadores essa grave responsabilidade. Lidar com essa classe dirigente local, nos Estados, lidar com situações arraigadas, lidar com o conservadorismo estrutural profundo que existe nas oligarquias dos Estados, reconheço, Sr. Presidente, é algo extremamente difícil.

Mas chamo a atenção mais uma vez para isso. A paz social, a ordem pública, as condições efetivas de desenvolvimento no Brasil estão dependendo disso.

Por quê? Porque é nos Estados que se faz a educação básica. São os Estados que pagam os professores para ensinarem as crianças nos cursos básico e médio, portanto, a nossa base de desenvolvimento depende das finanças estaduais. O Governo Federal arca com o ensino superior público. O ensino superior público, as universidades públicas federais consomem cerca de 95% dos recursos em educação no nosso Orçamento.

Então, o Governo estadual fica com a imensa responsabilidade de educar a grande massa de estudantes que se alfabetizam, que iniciam as primeiras letras e que concluem o primeiro e segundo graus.

Notem bem: a educação brasileira, o desenvolvimento humano deste País, dependem dos Governos estaduais; a segurança pública dos cidadãos depende dos Governos estaduais, com a única exceção do Distrito Federal, repito; a Justiça estadual é também paga pelos Governos estaduais. Portanto, o desempenho, a agilidade da Justiça a produtividade das Comarcas e a solução das demandas judiciais dependem também dos Estados.

Então, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de, nesta hora e neste momento, dizer que não estou aqui para jogar as primeiras pedras, nem para jogar pedras sequer, porque no meu Estado, o Rio Grande do Sul, a crise existe tal como existe em outros Estados do Brasil, e eu faço parte da classe dirigente do meu Estado, tenho a mesma responsabilidade. Mas o que quero dizer é que, embora sabendo que não possa jogar uma responsabilidade em cima de um governador, quero dizer que se as elites locais, as elites regionais, os representantes políticos, econômicos, sindicais desses Estados não enxergarem onde está a distorção, onde está o erro, onde está a deformação, onde estão as mais graves e candentes questões, os Estados vão continuar com essa desordem financeira, demandando recursos, pedindo perdão de dívida, subsídios que dependem da emissão de títulos do Governo Federal, e que, portanto, representa um enorme aumento da despesa por parte do Orçamento da União, com essa despesa do pagamento de juros dos títulos da dívida pública.

Quero, aqui, deixar bem claro isso. Porque parece, Sr. Presidente, que quando há uma crise em Alagoas, como essa, os olhos do País se voltam para o Governo Federal, perguntando onde está o Governo Federal que não aporta recursos, que não injeta apoio financeiro no Governo de Alagoas.

Ora, se fizermos um levantamento daquilo que já foi destinado ao Estado de Alagoas, com a aprovação do Senado, ficaremos assustados. E aqui - repito -: não tenho e não faço nenhuma restrição pessoal ao Governador Divaldo Suruagy e não jogo sobre S. Exª a responsabilidade, que é, isso sim, da classe dirigente do Estado de Alagoas, que tem que dizer: queremos uma organização pública administrativa diferente daquela que temos, e temos que mudar e criar as condições para mudar! Isso vale para o meu Rio Grande do Sul, para o Paraná, para os Estados do Nordeste, do Norte e do Sudeste brasileiro; vale para todo o País.

Digo e repito: essa saída não é fácil, mas, por favor, se continuarmos deslocando o eixo da responsabilidade para o Governo Federal, para Brasília, e não virmos o quanto é preciso mudar dentro dos Estados, estaremos no caminho errado.

O Governador Antônio Britto, no meu Estado, tem feito o que é necessário e importante fazer no sentido da limitação dos gastos públicos. S. Exª promoveu o programa de demissão voluntária e tem sido extremamente duro na questão da ampliação dos quadros do funcionalismo público. Ao contrário, ao invés de ampliá-lo, vem reduzindo, porque, na medida em que há aposentadoria, não há contratação de novos funcionários. Portanto, proporcionalmente, atingiu uma situação bem melhor do que a de dois ou três Governos atrás.

Mas, aparentemente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ainda essas mudanças parecem ser poucas e insuficientes. E sei o quanto isso custa politicamente ao Governador Antônio Britto. Sei o quanto isso lhe traz de problemas, de dificuldades, de contestação de vários setores da classe, da elite dirigente do meu Estado, embora reconheça que os setores mais esclarecidos têm lhe dado apoio nessa reforma que procura fazer na administração pública estadual. Mas isso vale para o Rio Grande do Sul e para o resto do Brasil.

Fico, então, Sr. Presidente, com esta palavra, que não tem, aqui, a pretensão, a arrogância de ser uma palavra de advertência. Não! Não temos nenhuma condição de fazer isso, porque também somos culpados, também nós somos responsáveis. Fica aqui, isto sim, um pedido múltiplo, genérico, mas veemente, de que nós, homens que dirigem este País nos setores público e privado, nas áreas empresarial, sindical e governamental, sejamos capazes de reconhecer o que é preciso fazer em cada Estado brasileiro, porque se não salvarem as finanças dos Estados ninguém salva o Brasil.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

O SR. PRESIDENTE (João Rocha) - A Senadora Benedita da Silva, o Senador Gilvam Borges e Renan Calheiros enviaram discursos à Mesa para serem publicados, na forma do disposto no art. 203 do Regimento Interno.

S. Exªs serão atendidos.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esteve em visita ao Brasil, na semana passada, o presidente da Guiné-Bissau, Dr. João Bernardo Vieira.

A República da Guiné-Bissau, com aproximadamente um milhão e cem mil habitantes, situa-se na costa oeste da África. É um dos países mais pobres do mundo, com uma renda per capita de 237 dólares. Carente de recursos naturais e humanos, possui o índice de ajuda internacional por habitante mais elevado do mundo. Sua economia é basicamente de subsistência, calcada na agricultura e serviços.

Sua história democrática é recente pois, durante séculos, foi colônia de exploração portuguesa e base para o tráfico de escravos.

Palco de inúmeras lutas pela independência, em 1956 surge o Partido Africano para a Independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde - PAIGC - de ideologia marxista. Após anos de guerrilhas e de resistência à colônia portuguesa, apoiado por vários países e pela Organização dos Estados Africanos, em 1973 os guineenses proclamam a independência, o PAIGC é reconhecido como o único partido e Luiz Cabral é nomeado presidente.

Surge, então, um novo período. Em Bissau, como em outros países africanos em que havia um partido único, passou-se a deliberar, em particular a partir de 1992, sobre a necessidade de novos partidos políticos, democratizar o processo político e rever a Constituição.

Foram formadas novas agremiações políticas e em 1994 ocorreram as primeiras eleições livres na Guiné-Bissau, com a vitória do presidente João Bernardo Vieira, em pleito considerado justo pelos observadores internacionais.

As relações diplomáticas entre o Brasil e a Guiné-Bissau foram estabelecidas ainda em 1974, quando o governo brasileiro reconheceu a independência do novo Estado. De lá para cá as relações entre os dois países se caracterizam pela cordialidade, com excelente entendimento em foros multilaterais. As candidaturas brasileiras são sempre apoiadas por Bissau, tendo inclusive manifestado apoio ao pleito brasileiro de integrar o Conselho de Segurança da ONU.

Dentro do espírito de cooperação entre os dois países destacam-se duas vertentes: a educacional e a técnica. A primeira tem propiciado bolsas de estudo de graduação e pós-graduação a estudantes guineenses; e a segunda, cooperação por intermédio das Forças Armadas, Tribunais Eleitorais e empresas públicas.

A criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa teve pronto apoio por parte do Governo e da intelectualidade guineenses, que conclamaram outros países a fazer o mesmo. Esse fato constitui importante elemento no estreitamento das relações entre os dois países.

Todavia, no que toca ao comércio bilateral, os resultados são extremamente modestos. As exportações brasileiras, da ordem de pouco mais de 563 mil dólares, são prejudicadas pela pequena dimensão do mercado bissauense (leia-se baixo poder aquisitivo) e não há registros de importações nos últimos anos.

Na década de 80 o Brasil abriu duas linhas de crédito ao Governo de Guiné-Bissau, mas, infelizmente, as dificuldades do governo bissauense em honrar os compromissos assumidos impediram a realização de novos projetos de cooperação econômica.

Porém, a taxa de crescimento econômico, que é positiva, e os grandes esforços e ajustes implantados a partir de 1992, produziram efeitos positivos na economia guineense, permitindo a renegociação dos seus débitos externos.

Como parte integrante dos esforços de reerguer esse pequeno país africano seu Presidente eleito, João Bernardo Vieira, visitou o Brasil. Conversou com algumas autoridades governamentais, visitou ministérios e fez questão de conhecer a Embrapa, cujo interesse é o de, futuramente, importar a nossa tecnologia agrícola.

Além dos acordos já assinados nas áreas de comércio, cooperação técnica e científica, trabalho e desenvolvimento profissional, que já são uma realidade, durante essa visita foi assinado acordo na área de turismo, visando desenvolver o grande potencial dos dois países que deve ser melhor aproveitado.

A visita do Presidente Bernardo Vieira foi, acima de tudo, um renovar, um estreitar de laços de amizade entre os dois países. Essa iniciativa faz parte da agenda internacional das nações de língua portuguesa, à qual manifestamos nosso total apoio. Nossa expectativa é de que possamos, cada vez mais, tornar realidade o intercâmbio cultural e comercial entre países que são irmãos na língua, no clima, e no perfil de sua população.

Nossas relações com a África, sua história, suas perspectivas e desafios, constituem tema que transcende a diplomacia, dizendo respeito à própria definição da identidade e do projeto nacional do nosso país, um país em desenvolvimento.

Nesse sentido, o Palácio do Planalto, o Itamaraty, as Comissões de Relações Exteriores da Câmara e do Senado e as Embaixadas, têm papel fundamental a desempenhar.

Era o que tinha a dizer!

Obrigada!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/07/1997 - Página 14620