Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM A ADOÇÃO ILEGAL DE CRIANÇAS BRASILEIRAS POR ESTRANGEIROS, DEVIDO A DENUNCIA DE MAUS TRATOS VEICULADAS NO PROGRAMA GLOBO REPORTER DA ULTIMA SEXTA-FEIRA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM A ADOÇÃO ILEGAL DE CRIANÇAS BRASILEIRAS POR ESTRANGEIROS, DEVIDO A DENUNCIA DE MAUS TRATOS VEICULADAS NO PROGRAMA GLOBO REPORTER DA ULTIMA SEXTA-FEIRA.
Publicação
Publicação no DSF de 18/07/1997 - Página 14444
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • APREENSÃO, SITUAÇÃO, CRIANÇA, ADOÇÃO, ESTRANGEIRO, DENUNCIA, EMISSORA, TELEVISÃO, VIOLENCIA, EXPLORAÇÃO SEXUAL, COMERCIO, ORGÃO HUMANO, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, MENOR.
  • ANALISE, LEGISLAÇÃO, CONVENÇÃO INTERNACIONAL, ADOÇÃO, MENOR, DEFESA, AUMENTO, FISCALIZAÇÃO, PUNIÇÃO, RESPONSAVEL, CRIME, INVESTIGAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), TRAFICO, CRIANÇA.

A SRª BENEDITA DA SILVA - (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a proteção das crianças pela sociedade e pelo Estado faz parte da natureza humana e o direito à infância é a expressão máxima da maturidade de um povo e de uma civilização. As crianças são garantia de continuidade dos nossos sonhos e utopias.

A adoção de crianças é um instituto milenar. De 1987 a 1991, 10 mil crianças brasileiras foram adotadas por estrangeiros, segundo relatório da Organização das Nações Unidas - ONU. Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção por estrangeiro somente é permitida com autorização judicial. Antes de ser consumada, não é permitida a saída do adotando do território nacional. Entretanto, sabemos da violência que sofrem crianças brasileiras devido a adoções internacionais ilegais, noticiadas pela imprensa, como vimos no Globo Repórter de sexta-feira.

Eu pretendia fazer este pronunciamento na semana passada, mas não tive oportunidade. E, na sexta-feira, vi que a matéria que o Globo Repórter estava apresentando tinha exatamente o conteúdo do meu pronunciamento, porque há muito estamos trabalhando a questão das adoções internacionais.

Quando levantamos este problema somos chamados, como aconteceu comigo em certa ocasião, loucos, porque isso não existiria no Brasil, isso não aconteceria no Brasil, segundo alguns.

Mas agora, reforçando o conteúdo do discurso que estou fazendo, que não foi mudado em nada apesar de estar escrito já há uma semana, milhares de telespectadores puderam presenciar no Globo Repórter de sexta-feira o que acontece no Brasil no que diz respeito à adoção internacional.

Às vezes, as adoções feitas por meios ilícitos, seqüestro, fraude, servem para disfarçar delitos como a exploração sexual, o comércio de órgãos ou os trabalhos forçados.

O Estatuto da Criança e do Adolescente colocou obstáculos no caminho desses ilícitos, definindo como crime a prática de tráfico. Apesar disso, a situação tornou-se alarmante e não mudou muito nos últimos anos.

No Brasil algumas pessoas chegam a afirmar que não existe adoção e sim comércio de crianças, envolvendo advogados, juízes, promotores, funcionários da Justiça, verdadeiras máfias que compram bebês de mães pobres e os entregam a estrangeiros, burlando as leis nacionais e internacionais de adoção. Nós vimos isto no Globo Repórter.

De dois mil processos de adoções de crianças cearenses que foram para a Europa, por exemplo, cerca de mil e novecentos processos foram fraudulentos, conforme dados apurados na CPI realizada naquele Estado.

Em 1994, o Correio Braziliense publicou reportagem sobre quadrilhas que compram, seqüestram ou matam crianças no Terceiro Mundo para alimentar a indústria criminosa dos transplantes de órgãos e das adoções ilegais. Quanto vale uma criança? Na época divulgou-se que cada criança valia entre US$10 mil e US$20 mil.

A CPI que investigou o extermínio de crianças e adolescentes e a CPI que apurou a exploração sexual infanto-juvenil dedicaram capítulos dos seus relatórios à adoção irregular e ao tráfico internacional de crianças. Fiz parte de ambas.

Em Santa Catarina, por exemplo, um advogado mantinha uma creche irregular funcionando, embora com o conhecimento das autoridades, com um estoque de crianças para adoção. Da Bahia veio a denúncia contra um advogado que em apenas sete anos chegou a fazer mais de 60 processos de adoção para o exterior.

A quebra do sigilo bancário de cerca de 90 pessoas investigadas revelou uma incrível movimentação financeira, na ordem de milhões de dólares, valores não declarados à Receita Federal.

Recentemente, com a Convenção de Haia, a questão das adoções internacionais passou a contar com um tratado arrojado, capaz de dar instrumentos para um melhor controle da legalidade das adoções no contexto internacional.

Quando Deputada, tive a honra de ser a Relatora do texto dessa Convenção. O meu parecer concluiu pela sua aprovação, sujeitando ao Congresso Nacional quaisquer atos que possam modificá-lo. Aprovado pelo Congresso Nacional, transformou-se no Decreto Legislativo nº 63, de 19 de abril de 1995.

A Convenção de Haia estabelece uma sistemática de cooperação entre as autoridades centrais dos países, uma espécie de "pólo controlador da lisura dos processos de adoção."

De acordo com ela, a adoção internacional só será efetivada após análise das possibilidades de colocação da criança no Estado de origem, constatado interesse superior da criança na adoção estrangeira.

Apresentei, recentemente, projeto de lei para oferecer às autoridades brasileiras mecanismos de controle do destino das crianças adotadas por estrangeiros. O objetivo é evitar o desaparecimento de crianças, bem como acautelar-se no tocante à adoção ilegal, ou à compra e venda pura e simples de crianças brasileiras, combatendo o tráfico.

São mecanismos fundamentais para a segurança das nossas crianças adotadas por estrangeiros, cujo destino até hoje é incerto. A proteção da criança e o direito à infância, como já disse, é expressão máxima da maturidade de um povo.

O que o Globo Repórter apresentou na sexta-feira referendou as iniciativas que temos tomado, seja o Executivo, com campanhas, seja o Legislativo, com leis, com manifestações, com pronunciamentos, e também as iniciativas para envolver a sociedade brasileira.

Sabemos que esses fatos estão acontecendo e que há uma expressão perversa dessa situação, como a questão do trabalho infantil, que nada mais é do que uma exploração da criança, mas que é justificado pelo fato de que é melhor a criança estar trabalhando do que estar roubando. Mas não queremos criança roubando e nem sendo explorada na sua força de trabalho, e sim nas escolas. Também são justificadas as adoções por estrangeiros dizendo-se que é melhor que um estrangeiro adote uma criança do que essa criança ficar no meio da rua. Mas não queremos criança no meio da rua e nem impedimos que essa criança seja adotada, desde que haja fiscalização e controle, porque o que estamos vendo, assistindo e sabendo é que a maioria dessas adoções é irregular, ilegal e está acontecendo com a conivência dos poderes públicos deste País. As CPIs investigaram, deram os nomes, e até hoje não vimos uma punição.

E a matéria que o Globo Repórter apresentou chamou a atenção porque vimos autoridades, advogados, juízes concordarem perfeitamente que essas adoções sejam feitas. São autoridades que inclusive extrapolam a sua autoridade para fazer valer o direito de adoção, com a justificativa de que pais e mães abandonaram os seus filhos, ou são pobres e não podem dar à criança o necessário.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria que o discurso que faço hoje, por ser extenso, fosse registrado na íntegra, porque entendo que esta Casa tem o compromisso de fazer valer o Estatuto da Criança e do Adolescente, que deixa lá as suas marcas e dá ao Poder Público instrumento para que fiscalize e para que, de uma vez por todas, possamos acabar com essas adoções, que, na verdade, não são adoções, são tráfico de crianças, por elas serem pobres, por serem crianças cujos pais não têm condições de manter seus lares e, portanto, são submetidas a essa prática. Essa é uma prática de autoridade sim, porque, muitas vezes, são diretores de hospitais que permitem a saída das crianças; outras vezes, são juízes, advogados e até mesmo políticos que facilitam essas adoções.

Fica aqui, portanto, a minha manifestação. Ao mesmo tempo, solicito que o Senado Federal possa, cada vez mais, abraçar essa campanha, que estará sendo feita pelo Governo Federal, mas que depende também da nossa atuação no que diz respeito não só aos pronunciamentos, mas à fiscalização junto aos Poderes Executivos municipais nas regiões onde esse número tem crescido a cada dia.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/07/1997 - Página 14444