Discurso no Senado Federal

DESVIRTUAMENTO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS QUE, NO CURSO DA HISTORIA BRASILEIRA, NÃO VEM CUMPRINDO PLENAMENTE A FUNÇÃO DE VIABILIZAR O POTENCIAL PRODUTIVO DE NOSSA ECONOMIA.

Autor
João Rocha (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: João da Rocha Ribeiro Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS.:
  • DESVIRTUAMENTO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS QUE, NO CURSO DA HISTORIA BRASILEIRA, NÃO VEM CUMPRINDO PLENAMENTE A FUNÇÃO DE VIABILIZAR O POTENCIAL PRODUTIVO DE NOSSA ECONOMIA.
Publicação
Publicação no DSF de 22/07/1997 - Página 14654
Assunto
Outros > BANCOS.
Indexação
  • DEFESA, ADOÇÃO, GOVERNO, POLITICA, NORMALIZAÇÃO, TAXAS, JUROS, PROVOCAÇÃO, VIABILIDADE, BANCOS, REALIZAÇÃO, FUNÇÃO, INTERMEDIARIO, FINANCIAMENTO, MICROEMPRESA, PEQUENA EMPRESA, CONSTRUÇÃO CIVIL, ATIVIDADE ECONOMICA, PRODUÇÃO, BRASIL.
  • DEFESA, ADOÇÃO, POLITICA, GOVERNO, IMPOSIÇÃO, OBRIGATORIEDADE, BANCOS, APLICAÇÃO, LUCRO AUFERIDO, ESPECULAÇÃO, NATUREZA FINANCEIRA, INVESTIMENTO, PRODUÇÃO, BENEFICIO, SOCIEDADE, BRASIL.

O SR. JOÃO ROCHA (PFL-TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os bancos privados são instituições que buscam auferir lucro como qualquer outra empresa capitalista. Não deixam, contudo, de ter relevante função social. Cabe-lhes prover os meios para que outras empresas produzam, gerem bens e prestem serviços, aumentando a riqueza do País. Se o capital não se destina à produção, se não serve para aumentar o número de bens produzidos e de empregos, melhorando a qualidade de vida da população, há, sem dúvida, um grave desvirtuamento.

Complementando as palavras do nobre Senador Lúcio Alcântara, exatamente o sistema financeiro tem de buscar o lado social e não deixar a cargo somente dos órgãos oficiais do Governo, como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, o incentivo e o financiamento às atividades sociais.

Sr. Presidente, constatamos, no curso da História brasileira, que as instituições financeiras jamais cumpriram plenamente a função de viabilizar o potencial produtivo de nossa economia. Houve, nas últimas três décadas, um desenvolvimento excepcional do sistema financeiro, sem que lhe correspondesse um significativo incremento na oferta de crédito aos setores produtivos do nosso País.

Vejamos, em linhas gerais, como isso ocorre. Logo após o início do regime militar, há uma importante reformulação do sistema financeiro, a qual já vinha sendo discutida pelo Congresso Nacional e pela sociedade havia algum tempo. Até então, esse sistema se mostrava frágil, incapaz de contemplar a demanda por crédito, deixando de acompanhar o surto de desenvolvimento industrial que se processava desde o início dos anos 50. São criados o Conselho Monetário Nacional, com a função de formular e coordenar as políticas monetárias e creditícia, e o Banco Central, ao qual cabe executá-las.

O estabelecimento da correção monetária foi considerado condição básica para possibilitar a expansão do crédito. A oferta de crédito realmente se ampliou, acompanhando a conjuntura internacional favorável na qual havia excepcionais condições de liquidez e taxas de juros extremamente baixas.

Ao longo da segunda metade da década de 60 e da década seguinte, assistimos à consolidação da atual estrutura do sistema bancário, que só começa a entrar em crise nos dias de hoje, após o sucesso do Plano Real. Podemos dizer que há duas tendências básicas que vão configurar o sistema: temos um processo de concentração, com fusões e incorporações de bancos comerciais privados que resulta em uma diminuição de quase dois terços no número destes e no crescimento desproporcional dos maiores bancos. Assistimos também a um processo de conglomeração, por meio do qual as instituições bancárias passam a diversificar suas atividades financeiras - incluindo os vários segmentos dos mercados monetário e não-monetário e a participar ou até mesmo deter o controle acionário de empresas de outras atividades.

Essas transformações concedem, sem dúvida, maior eficiência e segurança ao sistema financeiro. Por outro lado, o ritmo acelerado do crescimento econômico do País e as condições externas favoráveis, aos quais já nos referimos, vão concorrer para que haja significativo aporte de crédito ao setor privado. Cabem, entretanto, algumas considerações: grande parte do capital que financiou a iniciativa privada tinha sua origem no exterior, o que vai gerar nosso gigantesco endividamento externo, no momento - final dos anos 70 - em que as taxas de juros, antes bastante camaradas, passam a crescer desmesuradamente. Os altos níveis de liquidez e o clima de euforia do "milagre econômico" fizeram com que se concedessem empréstimos sem critérios mais rigorosos, fossem os recursos de origem nacional ou de origem externa, havendo, nesse último caso, a freqüente intermediação dos bancos brasileiros. De um modo geral, os bancos privados não tiveram a preocupação de priorizar, ao conceder empréstimos, aquelas atividades econômicas de maior relevância para o crescimento nacional ou de maior benefício para a sociedade brasileira.

É possível também detectar algumas tendências no comportamento dos bancos comerciais privados que vão se acentuar a partir do momento em que a disponibilidade de crédito barato diminui: passa a haver maior seletividade na concessão de empréstimos, privilegiando-se grandes empresas e clientes especiais; os bancos passam a direcionar recursos próprios, bem como recursos captados de terceiros para o financiamento das atividades de conglomerado econômico que eles mesmo lideravam e continuam a liderar; os bancos expandem sua rede de agências no interior do País, visando sobretudo a captação de recursos monetários daquelas comunidades, inclusive recursos obtidos por empréstimos junto a bancos oficiais.

Desse modo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os bancos privados atuam cada vez mais no sentido de favorecer as grandes empresas e regiões mais desenvolvidas do nosso País, estimulando o processo de concentração na economia nacional.

Essas tendências perversas do sistema financeiro são ampliadas quando a inflação começa a atingir níveis bastante elevados no início dos anos 80. Mais do que isso, assistimos a um desvio sistemático em relação às funções sociais que os bancos deveriam cumprir. Os recursos obtidos pelos bancos deixam de financiar o setor produtivo. Os recursos obtidos pelos bancos em operações de crédito em geral caem acentuadamente. O sistema bancário, ainda assim, acumula lucros estupendos, lucros fabulosos. Com a inflação galopante, tornou-se muito mais atraente para as instituições financeiras aplicarem o dinheiro nos títulos emitidos pelos Governos dos Estados e da União. A elevada rentabilidade das aplicações de curto prazo era garantida pelo poder corrosivo da inflação. Girar a dívida do Governo: eis a que se reduz a função primordial e principal do banco nesse período - período, aliás, do qual apenas começamos a sair.

Na primeira metade dos anos 80, nota-se o estado de euforia do sistema financeiro, que se vem expandindo em todas as direções: juntamente com os lucros fantásticos, temos um aumento do número de instituições financeiras, assim como de agências bancárias; cresce também o nível de mão-de-obra empregada no setor, o qual, de 1979 a 1985, aumentou 34%, alcançando um total de quase um milhão de trabalhadores.

Com a implantação do Plano Cruzado, em 1986, e a queda abrupta da inflação, o sistema financeiro é obrigado a fazer ajustes. O caminho escolhido foi o drástico corte dos gastos: agências bancárias foram fechadas, e cem mil empregados foram demitidos em apenas um ano.

Já no final de 1986, retornam a inflação e todas as facilidades para se obterem grandes lucros com poucos esforços, baixo risco e nenhuma vantagem para os setores produtivos do nosso País. Quando o Capital não se alia ao Trabalho e ao empreendimento, verdadeiros responsáveis pela geração de riquezas, temos apenas a transferência perversa de dinheiro de uma mão para outra. Assim, constatamos em dezembro de 1980 que, para cada cruzeiro aplicado em títulos públicos, havia sempre um cruzeiro e cinqüenta centavos destinados ao crédito da atividade produtiva.

Em dezembro de 1992, a relação mudou radicalmente: para cada cruzeiro em títulos do Governo havia um cruzeiro e cinqüenta centavos emprestados à atividade produtiva e aos conglomerados desse mesmo sistema financeiro.

Os empréstimos concedidos pelos bancos particulares foram principalmente os de curto prazo, em detrimento dos financiamentos da atividade econômica, como os destinados à compra de bens de capital e ao plantio.

Se houve, então, esforços do sistema bancário, foram os voltados para tornar mais atraentes os depósitos monetários em uma economia com índices significativos de inflação diária. Os bancos investiram pesadamente em sofisticados equipamentos de informática, interligando centros de processamento e agências em todo o Brasil, o que viabilizou aplicações de curtíssimo prazo. Conforme artigo de Luiz Carlos Mendonça de Barros, atual Presidente do BNDES, publicado na Folha de S.Paulo, em 17 de agosto de 1994, "nenhum país do mundo, em nenhum momento da história humana, conseguiu girar a moeda nacional a tanta velocidade."

A automação dos serviços permitiu ao sistema bancário manter a tendência de diminuir a mão-de-obra empregada. Se a economia do País, como um todo, começava muito mal a década de 90, o mesmo não se podia dizer do estado de saúde das instituições financeiras. A participação do setor financeiro no Produto Interno Bruto atingiu, em 1993, o inacreditável índice de 15,6%, enquanto a produção de todo o setor agropecuário representou, no mesmo ano, 11,4% do PIB.

É nesse quadro que sobrevém o Plano Real, produzindo substancial alteração nas condições em que atuam as instituições financeiras. O fim da inflação representa um golpe violento contra toda uma filosofia que vinha orientando a atuação dos bancos. Golpe ainda não mortal, pois, na medida em que os juros se mantêm em patamares dos mais elevados, o uso especulativo do capital continua sendo atraente. As empresas brasileiras, por sua vez, que fazem esforços para se adaptar a uma economia mais competitiva, ficam impossibilitadas de tomar empréstimos com tais taxas de retorno.

Os bancos comerciais vêm implementando uma série de medidas para enfrentar a presente crise, que atinge uma concepção da atividade bancária que durou pelo menos uma década e meia. O aumento das tarifas cobradas pelos serviços bancários foi uma das soluções encontradas - mas, certamente, não terá ela futuro promissor. Com a entrada de poderosos bancos estrangeiros no País, a competição vai necessariamente se acirrar, tornando mais baratos os serviços oferecidos ao público.

As taxas de juros do mercado nacional vêm caindo consistentemente desde o ano passado. Continuam ainda muito altas, pois esse é considerado um ponto crucial da política monetária pela equipe econômica, como forma de atrair o capital externo. De qualquer modo, os juros já baixaram consideravelmente e esperamos todos que baixem ainda mais. Numa economia estável, não podemos remunerar o capital acima da capacidade de geração de bens, riquezas e lucros.

Este é um momento decisivo para os bancos brasileiros, pois, a partir de agora, deve ele voltar-se para as atividades bancárias clássicas de intermediação financeira. Terão de garantir financiamento às empresas, inclusive às pequenas e microempresas, ao setor habitacional e a todas as atividades de nosso País e contar com o retorno de juros razoáveis e democráticos, compatíveis com os padrões do mercado internacional. Já não há lugar para o lucro fácil, como na época em que dinheiro brotava de dinheiro na calada da noite, a cada segundo, a cada minuto. O lucro, agora, vai depender do volume da carteira de empréstimos do banco e da sua correta aplicação.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é certo que os bancos privados não são os únicos responsáveis pelo desvirtuamento das suas legítimas funções. Se eles fizeram e continuam fazendo o papel de vilão na fita, é verdade que não foi escrito por eles o roteiro da política econômica e financeira de nosso País. Devemos ponderar, entretanto, que essas instituições nada procuraram fazer de substancial para que seus lucros astronômicos revertessem em benefício para a sociedade. Tampouco nada lhes foi cobrado nesse sentido.

Se a propriedade deve ter uma função social, como reza a Constituição, o que dizer do capital financeiro, que representa o meio dos meios de produção? Não podemos aceitar, Srªs e Srs. Senadores, portanto, argumentos meramente técnicos para justificar a ciranda financeira e o verdadeiro paraíso da especulação em que se transformou o Brasil.

A iniciativa privada em nosso País conta com um crédito bancário que corresponde a um terço do PIB. Poucos países economicamente importantes, como a Argentina, destinam, proporcionalmente, menos do que isso ao setor produtivo. O Chile empresta metade do seu PIB, os Estados Unidos emprestam 64%, quase duas vezes mais que o índice brasileiro. Na Alemanha, o crédito ultrapassa os 100% do PIB e no Japão, ele chega a 186%.

Desviando o capital de sua função de financiar a produção, condenamos a economia à estagnação. Com o fim da inflação, nos níveis em que a conhecemos durante mais de uma década, temos condições de construir um crescimento econômico em bases sólidas. As instituições bancárias brasileiras podem ter um importante papel no sentido de viabilizar esse crescimento, desde que ultrapassem uma ótica excessivamente imediatista. O Governo, por sua vez, deve criar e garantir a continuidade de um ambiente econômico em que a especulação não seja mais premiada.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/07/1997 - Página 14654