Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE O TEOR DA MANCHETE DO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE DE HOJE, SOB O TITULO 'BRASIL E O CAMPEÃO MUNDIAL DE PROSTITUIÇÃO INFANTIL'.

Autor
Emília Fernandes (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • REFLEXÕES SOBRE O TEOR DA MANCHETE DO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE DE HOJE, SOB O TITULO 'BRASIL E O CAMPEÃO MUNDIAL DE PROSTITUIÇÃO INFANTIL'.
Aparteantes
Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 22/07/1997 - Página 14657
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), DENUNCIA, ORGANISMO INTERNACIONAL, SEDE, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, AUMENTO, INDICE, OCORRENCIA, BRASIL, PROSTITUIÇÃO, MENOR, ADOLESCENTE, CRESCIMENTO, TURISMO, VINCULAÇÃO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE.
  • ANALISE, ORIGEM, PROBLEMA, NATUREZA SOCIAL, PROVOCAÇÃO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, PROSTITUIÇÃO, MENOR, ADOLESCENTE, POBREZA, DESIGUALDADE SOCIAL, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, FALTA, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, CONSUMO, DROGA, IMPUNIDADE, DESRESPEITO, LEGISLAÇÃO, ABUSO, ASSEDIO SEXUAL, PAES, AMBITO, FAMILIA.
  • DEFESA, RESGATE, COMPROMISSO, GRUPO, CONGRESSISTA, EXTINÇÃO, VIOLENCIA, EXPLORAÇÃO SEXUAL, MENOR, ADOLESCENTE, VINCULAÇÃO, TURISMO, GARANTIA, CIDADANIA, JUVENTUDE, BRASIL.
  • DEFESA, RESGATE, COMPROMISSO, ENCONTRO, AMBITO NACIONAL, AMERICA LATINA, PRIORIDADE, POLITICA, DESTINAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, IMPLEMENTAÇÃO, PROJETO, COMBATE, EXPLORAÇÃO SEXUAL, CRIANÇA, MENOR, CRIAÇÃO, SERVIÇOS PUBLICOS, PREVENÇÃO, PROTEÇÃO, ATENDIMENTO, ADOLESCENTE, IMPLANTAÇÃO, LEGISLAÇÃO, IMPEDIMENTO, IMPUNIDADE, PROSTITUIÇÃO, JUVENTUDE.

A SRª EMILIA FERNANDES (PTB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o assunto que nos traz à tribuna nesta tarde é a manchete do Correio Braziliense de hoje, sob o título: "BRASIL É O CAMPEÃO MUNDIAL DE PROSTITUIÇÃO INFANTIL". A matéria, intitulada "Menores à Venda", apresenta dados colhidos pela Ecpat-Itália, organização internacional que atua em mais de 30 países na luta contra a prostituição infantil, dizendo que o Brasil é o primeiro colocado em prostituição infantil.

Na última sexta-feira tivemos a oportunidade, da tribuna desta Casa, ao mesmo tempo em que registrávamos a diligência feita pela CPI que trata do trabalho infantil, realizada no Rio Grande do Sul, de manifestar a nossa indignação e conclamar esta Casa e a sociedade brasileira a quebrarem o silêncio, a se indignar e buscar ações concretas para eliminar a exploração de crianças.

Mais uma vez estamos aqui trazendo dados. Essa organização internacional mostra ao Brasil e ao mundo que o nosso País é campeão mundial na exploração da prostituição infantil e alerta que é praticada principalmente nas regiões Norte e Nordeste, não querendo dizer com isso que esteja ausente nos outros Estados e regiões brasileiras. Grande parte dessas crianças são adolescentes vítimas do pornoturismo, que atrai sobretudo estrangeiros ao Brasil com a finalidade específica de se valerem das nossas crianças, das nossas adolescentes, que, levadas pelo fome, pela miséria e pelo desemprego, vendem seus corpos. Segundo o jornal, estima-se que 70 mil italianos desembarcam em Fortaleza com essa finalidade; também dá conta de que no Recife e em Salvador crianças e adolescentes também são alvos dos turistas sexuais oriundos da Itália, Alemanha, Holanda e Suiça.

Dentre as causas desta situação, organizações nacionais e internacionais apontam, em primeiro lugar, a pobreza. No Brasil, cerca de 30 milhões de jovens vivem na faixa da pobreza absoluta, ou seja, expostas ao risco constante da venda do corpo como última forma de sobrevivência.

Em segundo lugar, as estruturas sócio-econômicas desiguais e injustas. Nosso País ostenta o título de campeão mundial de concentração da renda, causa maior da exclusão e da miséria da imensa maioria do povo.

Em terceiro lugar, famílias desestruturadas e pais violentos. Cerca de 20 mil denúncias de maus tratos à criança são registradas anualmente no Brasil, das quais 2.700 são situações de abuso sexual; 62% dos abusos sexuais acontecem dentro da família, sendo as meninas as principais vítimas - 83% dos casos; pais e padrastos são os maiores agressores, respondendo por 50% das ocorrências.

Entre as causas que levam à exploração e à prostituição de menores, temos ainda a falta de educação de qualidade, a discriminação por gênero, o comportamento sexual masculino irresponsável, o consumismo crescente, o tráfico de crianças, as redes organizadas de crime e corrupção, o uso de drogas e, acima de tudo, a impunidade e o desrespeito à legislação.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a nossa Constituição é clara, é precisa quando em seu art. 227 estabelece que "é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao laser, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."

O Código Penal, desde 5 de junho de 1996, com a lei sancionada pelo Presidente da República, estabelece uma pena geral para estupro de 6 a 10 anos, que será acrescida de 50%, respeitando a Lei dos Crimes Hediondos, quando a vítima for menor de quatorze anos, alienada ou débil mental. Temos ainda o Plano Nacional de Direitos Humanos, lançado o ano passado pelo Presidente da República, que propõe medidas como: alterações na legislação que tipifica crime de exploração sexual infanto-juvenil, estabelecendo penas para o explorador e o usuário; a instituição de uma política nacional de estímulo à adoção, principalmente por famílias brasileiras, de crianças e adolescentes efetivamente abandonados: a implementação de sistemas nacionais de monitoramento e informações sobre localização e identificação de crianças e adolescentes desaparecidos. Muito já se fez neste País, Sr. Presidente. Um exemplo é a campanha de combate ao turismo sexual, lançada em fevereiro deste ano pelo Governo, para mudar a imagem do País, inclusive no exterior, em conjunto com a Embratur e o Ministério da Justiça. Mas perguntamos se o que está escrito, se o que está sendo divulgado é suficiente.

Por isso a nossa voz, Sr. Presidente, neste momento, é mais um registro de indignação. Queremos também quebrar o silêncio da conivência. Precisamos conclamar todos, nos dar forças, nos unirmos para que possamos colocar um ponto final a essa triste forma de exploração de crianças e adolescentes.

A Srª Marina Silva - Concede-me V. Exª um aparte, Senadora Emilia Fernandes?

A SRª EMILIA FERNANDES - Concedo o aparte, Senadora Marina Silva.

A Srª Marina Silva - Primeiro, quero registrar a oportunidade do pronunciamento de V. Exª, que traz a esta Casa, nesta segunda-feira, tema tão importante com relação à questão da prostituição infantil. No que se refere às medidas legais, às tentativas de, por meio das leis, coibir esse tipo de abuso, o Brasil, graças a Deus, tem oferecido à sociedade uma legislação que busca acabar com os abusos praticados contra as crianças e os adolescentes. No entanto, nossa maior falha reside exatamente no ponto de vista das respostas sociais e estruturais, para que nossas crianças possam viver com um mínimo de dignidade. Nenhuma criança praticaria esse ato e se permitiria esse abuso se não fosse em função de identificar nessas atividades, ainda que maléficas, a única forma de sobrevivência e um meio de adicionar algum tipo de ajuda à sua família. Lamentavelmente, estamos numa sociedade cultura que permite que suas crianças sejam obrigadas a venderam o próprio corpo para ter como alimentar-se, e que consequentemente está fadada ao fracasso. É nesse aspecto que devemos nos indignar e buscar as respostas eficazes, que estão no ramo da educação, no atendimento sério à saúde, na geração de emprego e renda, condições básicas, necessárias e essenciais para que o ser humano possa viver com dignidade. O professor Cristovam Buarque, que também é Governador, afirma sempre que poderemos até ser desiguais, mas não poderemos ser diferentes. O que está acontecendo é que a raça humana começa a ser diferente, como se existissem seres humanos de primeira e de segunda classe. Ele, inclusive, tipifica várias nomenclaturas para caracterizar a palavra criança. Os nossos filhos da classe média são crianças; os filhos dos pobres e despossuídos são considerados pivetes, moleques, ou uma série de denominações pejorativas. A raça humana está passando por essa dificuldade. É uma responsabilidade do planeta, mas dentro desse ponto mais universal, temos a responsabilidade de, como brasileiros, como cidadãos, dar uma resposta estrutural ao problema da fome, da miséria e do desemprego, que causam a prostituição infantil, a degradação social. Parabéns a V. Exª.

A SRª EMILIA FERNANDES - Agradeço o aparte de V. Exª, que tem muito clara essa visão, até porque é também educadora, batalhadora nesse combate contra as desigualdades e discriminações, e, acima de tudo, tem na sua vida e nas suas ações o sentimento carregado da visão sociológica do que se passa no mundo e em nosso Brasil. A questão da criança, logicamente, não está dissociada das questões maiores que precisam ser resolvidas urgentemente neste País.

Exemplos altamente positivos são os Conselhos dos Direitos das Crianças, os Conselhos Tutelares, que também enfrentam dificuldades, em muitos casos por falta de recursos, de amparo e de apoio de parte dos órgãos governamentais. Enfim, há uma série de questões a serem enfrentadas.

Sr. Presidente, já estamos altamente qualificados no processo de verificar a sociedade, de observar, de diagnosticar. Vemos e julgamos o que está aí. Acredito que ninguém é conivente com esses dados, com essas denúncias. Então, já vencemos a primeira etapa, que é o ver; sabemos os números, estão aí os órgãos apontando. Já ultrapassamos a segunda etapa, que é o julgar. Já nos indignamos, denunciamos, queremos condenar, queremos punir, mas falta a terceira etapa a ser implementada. E é com este sentimento que estamos, mais uma vez, repetindo o apelo e o nosso grito desta tribuna em favor da causa de combate à exploração sexual de crianças e adolescentes. Precisamos partir imediatamente para a terceira etapa desse processo filosófico que é o agir, o implementar as políticas e os programas que existem, o punir quem precisa ser punido.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sabemos que as conseqüências são muito graves. Um país que não investe e não acredita nas suas crianças e no seu presente, certamente terá um futuro muito duvidoso ou muito triste. As conseqüências da exploração sexual prematura, da forma como está acontecendo, traz graves problemas físicos, psicológicos, espirituais, morais e sociais no desenvolvimento da criança e a gravidez precoce.

O crescimento do número de meninas-mães no País, nos últimos 18 anos, é de 391%. Esse dado é assustador, mas existe. No mesmo período, a população do País cresceu apenas 42,5%.

Outras conseqüências desse problema são: aumento do número de abortos clandestinos, com mortes de jovens; mortalidade materna, em função da assistência médico-hospitalar precária; doenças sexualmente transmissíveis, especialmente a AIDS, que se alastra por este Brasil afora, atingindo um grande número de mulheres e crianças.

Sr. Presidente, queremos que se resgatem, neste momento, dados, compromissos públicos que estão aí. Temos que resgatar, por exemplo, o que a Frente Parlamentar pelo Fim da Violência, Exploração e do Turismo Sexual contra Crianças e Adolescentes registrou e apontou como alternativas, entre elas: trabalhar a questão da exploração sexual não centrada somente na violência, mas enfatizando o enfoque dos direitos humanos; aprofundar a discussão da violência e exploração sexual não só em âmbito internacional, mas principalmente em âmbito nacional; fazer com que todas as ações tenham como único objetivo a garantia da cidadania das crianças e dos adolescentes.

Temos que resgatar, também, Sr. Presidente, a Carta de Brasília, resultado de encontro nacional e da América Latina sobre o tema, ocorrido em agosto do ano passado, aqui em Brasília, quando foram destacados alguns pontos, como a priorização de políticas públicas no âmbito da exploração sexual que garanta recursos financeiros e humanos apropriados para sua implementação; formulação de estratégias de mobilização social para despertar e criar a consciência pública, de forma que todos os membros da sociedade assumam o compromisso de lutar contra a exploração das crianças; criação de uma rede de serviços integrados de caráter político e social no âmbito da exploração sexual, para prevenção, proteção, defesa e atendimento às crianças e adolescentes; adoção e implementação, por todos os países, de leis protetoras e punitivas, comuns a todas as nações, para que estrangeiros possam ser punidos no seu país quando praticarem a exploração sexual em outro país. Aqui estão imunes. E poderíamos ter práticas comuns de combate à exploração baseada na Convenção dos Direitos da Criança, hoje universal;

- Adoção pelos meios de comunicação - imprensa, rádio, televisão, indústria publicitária e cinematográfica - de um compromisso ético no trato das questões relativas à criança e ao adolescente...

- Subscrição, pelos governos dos países americanos, das estratégias internacionais e regionais, daquelas a serem definidas no Congresso Mundial Contra a Exploração Sexual Comercial da Criança...;

Embora a CPI do Trabalho Infantil não seja o tema específico da exploração sexual, tem recebido denúncias a respeito. Temos muitos subsídios relacionados com esta forma de exploração. Queremos que as providências não fiquem apenas no papel, mas que se parta imediatamente para a prática.

Por isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores quero concluir, mais uma vez, reafirmando que temos que buscar alternativas conjuntas. Ao Governo brasileiro cabe o desafio para que possamos apagar esta triste manchete publicada, hoje, no jornal: BRASIL CAMPEÃO MUNDIAL DE PROSTITUIÇÃO INFANTIL. Temos que substituir por essa: BRASIL CONSEGUE DERRUBAR E COMBATER ESSE MAL. Com uma ação conjunta, com recursos e, acima de tudo, dando condições de vida digna para os pais destas crianças, emprego para estas famílias para que as pessoas possam garantir a permanência dos seus filhos na escola, dentro de casa, no lazer porque hoje não conseguem.

As alternativas que, rapidamente, havia colocado nesta folha é que não podemos tratar o tema de forma isolada. Temos que conhecer o contexto das causas que levam essas crianças às ruas e as alternativas que podemos oferecer.

Portanto, é fundamental uma análise profunda, envolvendo desde a família até as organizações assistenciais, políticas, policiais, estrangeiros, empresários, comerciantes envolvidos no assunto; conhecer a realidade, a vida dessas jovens, com seus sonhos, seus medos e suas esperanças; mas, acima de tudo, precisamos nos unir. O Governo tem o compromisso primeiro de combater a desestruturação econômica, o desemprego crescente, os baixos salários, oferecer alternativas como melhor educação, escolas profissionalizantes, bolsa educação, enfim, formas de resgatar essas pessoas para o convívio equilibrado, sadio e, acima de tudo, digno que nossas jovens, meninas e adolescentes merecem e precisam.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/07/1997 - Página 14657