Discurso no Senado Federal

PROBLEMATICA DA DISTRIBUIÇÃO FUNDIARIA NO BRASIL.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • PROBLEMATICA DA DISTRIBUIÇÃO FUNDIARIA NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 22/07/1997 - Página 14675
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ANALISE, TENSÃO SOCIAL, CONFLITO, ZONA RURAL, DEFESA, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO, TERRAS, REDUÇÃO, EXODO RURAL, VIOLENCIA, ZONA URBANA, AUMENTO, PRODUÇÃO AGRICOLA.
  • CRITICA, SUPERIORIDADE, INDICE DE PRODUTIVIDADE, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), CLASSIFICAÇÃO, PROPRIEDADE IMPRODUTIVA, ESPECIFICAÇÃO, CULTIVO, SOJA, INCOMPATIBILIDADE, SITUAÇÃO, AGRICULTURA, BRASIL.

           O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a questão agrária no País tem, cada vez mais, mostrado seu potencial explosivo. A radicalização das partes envolvidas tem levado, com preocupante freqüência, a enfrentamentos violentos, que já custaram muitas vidas e incalculáveis prejuízos econômicos. De um lado, os trabalhadores rurais sem-terra, já desesperançados em função das sucessivas promessas de solução, sempre postergada, resolvem partir para as invasões violentas de propriedades. De outro, os proprietários rurais, inconformados com a incapacidade do organismo estatal para fazer cumprir a lei, garantindo a incolumidade de seu patrimônio, decidem armar-se e partir para o exercício da justiça privada, contratando jagunços para evitar -- à bala -- as invasões de suas terras.

           A problemática da distribuição fundiária tem uma importante dimensão social, relativa à necessidade de se assegurar uma chance a quem tem o desejo e a vocação de trabalhar a terra. Assegurar essa oportunidade significa garantir a paz social no campo e amenizar as carências e a violência nas cidades, mediante a diminuição do êxodo rural.

           Mas, além dessa dimensão social, a problemática fundiária tem também uma dimensão econômica. Ao definir-se o novo perfil de distribuição da terra que se deseja para o Brasil no próximo século, haverá de se levar em conta tanto as questões sociais antes referidas, quanto o interesse do País em aumentar sua produção agrícola. O dever das elites dirigentes é conciliar, da melhor maneira, essas duas necessidades, de forma que a democratização da propriedade da terra conduza à otimização da produção e da produtividade rural, e não o contrário.

           A complexidade da questão fundiária, bem como o vulto dos interesses nela envolvidos -- não apenas particulares, mas também o interesse público --, exige o máximo de seriedade e de responsabilidade no seu enfrentamento. Não há lugar para demagogia ou amadorismo. A reforma agrária é para ser tratada com ampla visão social e econômica, colocando-se sempre em primeiro lugar os altos interesses do Brasil.

           O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) elaborou recentemente proposta visando à alteração dos índices que medem a produtividade da terra, índices a partir dos quais as propriedades rurais são classificadas como produtivas ou improdutivas e, conseqüentemente, tornam-se -- ou não -- passíveis de desapropriação para fins de reforma agrária. Parece, no entanto, que na elaboração da proposta não foram utilizados a seriedade e os apurados critérios técnicos que a relevância da tarefa estava a exigir.

           O jornal O Estado de S. Paulo, edição do dia 27 próximo pretérito, noticia pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a qual evidencia que os índices de produtividade propostos pelo INCRA são absolutamente irreais, pois situam-se, na maior parte dos casos, em patamares não atingidos pela grande maioria dos agricultores. Em outras palavras, para que uma propriedade não seja considerada improdutiva e, por via de conseqüência, sujeita a ser desapropriada, exigir-se-ia -- de acordo com a proposta do INCRA -- que ela atingisse índices de produtividade superiores às médias verificadas nos diversos Estados da Federação. Assim, adotados os índices propostos pelo INCRA, vastas parcelas das lavouras de maior importância econômica do País poderiam ser desapropriadas.

           Tome-se como exemplo o caso da soja, que, na forma de grãos, farelo e óleo, responde por mais de 30% da pauta de exportações agrícolas do País, constituindo, portanto, cultura de enorme relevância para a economia nacional. O estudo da CNA indica que nada menos de 70% das lavouras de soja do Brasil seriam passíveis de desapropriação, por produtividade insuficiente, uma vez adotados os índices definidos na proposta do INCRA.

           Utilizando-se dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) relativos à produtividade da safra 95/96, os técnicos da CNA realizaram comparações entre o rendimento médio das principais culturas em cada Estado e os índices propostos pelo INCRA.

           No caso da soja, o INCRA propôs um índice de 2 mil e 500 quilos por hectare como parâmetro de produtividade para os Estados das Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. No entanto, o único Estado dessas três Regiões a atingir produtividade média superior ao índice proposto é o Paraná, com 2 mil 672 quilos por hectare. Importantes Estados produtores -- como São Paulo, com 2 mil 190 kg/ha, Santa Catarina, com 2 mil 369 kg/ha, Goiás, com 2 mil 209 kg/ha, Mato Grosso, com 2 mil 425 kg/ha, e Mato Grosso do Sul, com 2 mil 410 kg/ha --, têm todos produtividade média abaixo do patamar sugerido pelo INCRA. Para as Regiões Norte e Nordeste, a exigência do INCRA é um pouco mais modesta, situando-se em 2 mil kg/ha. Mais uma vez, porém, apenas um Estado -- o Maranhão, com 2 mil 157 kg/ha na média -- consegue atingir o parâmetro, ficando todos os demais abaixo dele.

           Mas o irrealismo dos índices propostos não se restringe ao caso da soja. Antônio Donizeti Beraldo, chefe do Departamento Técnico da CNA, ressalta o caso de outros produtos agrícolas de importância, como o milho. Nesse caso, o patamar de produtividade sugerido pelo INCRA, para todo o País, de 2 mil kg/ha, deixa de ser alcançado por quase 33% dos produtores nacionais. No que se refere à segunda safra de milho, a quase totalidade das lavouras -- 99,87% delas, para ser mais preciso -- estaria abaixo do índice mínimo.

           Aliás, um dos pontos mais criticados na proposta do INCRA é exatamente o estabelecimento de índices nacionais. Para a CNA, os índices têm de ser regionalizados, levando em consideração o sistema específico de produção de cada região. Com efeito, tendo em mente a dimensão continental deste País, a lógica do argumento da CNA parece irrefutável.

           A situação da soja e do milho repete-se, com alguma variação, para 19 entre os 22 principais produtos da agropecuária brasileira, haja vista que apenas a laranja, o trigo e o tomate possuem índices de produtividade compatíveis com os propostos pelo INCRA. No que concerne a esses três produtos, não mais do que 5% das áreas de produção seriam passíveis de desapropriação por não atingir os patamares sugeridos.

           A banana, por exemplo, situada em 10º. lugar na classificação por valor produzido na agropecuária, teria mais de 42% da produção com média de produtividade inferior aos 1 mil e 100 cachos por hectare propostos pelo INCRA. Também os produtores de maçã e uva seriam duramente atingidos pela alteração dos índices. No caso da maçã, mais de 52% da produção deixaria de atingir a produtividade de 113 mil e 200 frutos por hectare. O café, tradicional e importante produto de nossa pauta de exportações, teria mais de 30% de suas lavouras passíveis de desapropriação para reforma agrária por não atingirem a média de 950 kg/ha.

           Como afirmamos anteriormente, a questão fundiária envolve relevantes interesses, todos os quais merecem o devido respeito. Entre todos esses interesses, deve ser considerado, em primeiríssimo lugar, o interesse público. Não resta dúvida de que a democratização da propriedade da terra corresponde aos interesses nacionais, mas trata-se de um processo que precisa ser conduzido com a máxima isenção, critérios técnicos e seriedade, não se podendo admitir, na sua condução, demagogia e irresponsabilidade.

           Não discordamos da necessidade de redefinir, para as diversas culturas, os patamares mínimos de produtividade que servem para enquadrar uma propriedade rural como produtiva ou improdutiva. Nossa cobrança é no sentido de que esse processo atenda os critérios técnicos e as exigências do bom senso. Não faz qualquer sentido estabelecer como patamar mínimo de produtividade um índice que não é atingido senão por uma pequena parcela dos produtores. Não faz qualquer sentido estabelecer índices nacionais, deixando de levar em conta as grandes e notórias diferenças -- climáticas, econômicas, tecnológicas, de toda espécie -- entre as várias regiões do País.

           Encarecemos, portanto, ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária que reveja sua proposta alterando os índices que medem a produtividade da terra para as diversas culturas agrícolas. Na verdade, de acordo com a reportagem d' O Estado de S. Paulo, a proposta do INCRA já vem sendo avaliada pelos técnicos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e do Ministério da Agricultura. Assegura o Ministro Arlindo Porto que uma nova proposta deverá surgir como resultado dessa avaliação e de discussões a serem travadas entre os Ministérios da Agricultura e de Política Fundiária. Confiamos que assim será, pois a proteção dos mais altos interesses da agricultura brasileira -- e, por extensão, de nossa economia como um todo -- exige a revisão dos índices consignados na proposta do INCRA.

           É o que tínhamos a dizer.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/07/1997 - Página 14675