Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM OS PROGRAMAS DE COMPUTADORES QUE NÃO ESTÃO PREPARADOS PARA A CHEGADA DO TERCEIRO MILENIO, POIS USAM PARA REGISTRAR O ANO UTILIZADO EM DATAS APENAS OS DOIS ULTIMOS ALGARISMO, E NÃO SERÃO CAPAZES DE DISTINGUIR O ANO 2000 DO ANO 1900.

Autor
Leomar Quintanilha (PPB - Partido Progressista Brasileiro/TO)
Nome completo: Leomar de Melo Quintanilha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.:
  • PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM OS PROGRAMAS DE COMPUTADORES QUE NÃO ESTÃO PREPARADOS PARA A CHEGADA DO TERCEIRO MILENIO, POIS USAM PARA REGISTRAR O ANO UTILIZADO EM DATAS APENAS OS DOIS ULTIMOS ALGARISMO, E NÃO SERÃO CAPAZES DE DISTINGUIR O ANO 2000 DO ANO 1900.
Aparteantes
Valmir Campelo.
Publicação
Publicação no DSF de 23/07/1997 - Página 14802
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.
Indexação
  • PREVISÃO, COMPLEXIDADE, PROBLEMA, AREA, INFORMATICA, ORGÃO PUBLICO, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, EXAME, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), NECESSIDADE, URGENCIA, PROVIDENCIA, ALTERAÇÃO, SOFTWARE, COMPUTADOR.

O SR. LEOMAR QUINTANILHA (PPB-TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na semana passada, teci alguns comentários sobre uma questão que me chamou bastante a atenção, e creio que está chamando a atenção de diversos segmentos econômicos e sociais deste País e vem sendo objeto de discussão por parte da imprensa brasileira e também da mídia internacional.

Trata-se de assunto da maior relevância. Por essa razão, compilei alguns dados e os trouxe à apreciação dos meus Pares nesta Casa.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, entendo que grave ameaça põe em risco os interesses do povo brasileiro.

A exemplo do que ocorre em outros países, também aqui no Brasil, a chegada do Terceiro Milênio deixa de ser exclusiva fonte de especulação para provocar enorme preocupação. É que a maioria dos computadores, cuja praticidade e multiplicidade de uso faz dele instrumento básico de quase todas as atividades a serviço do homem, não está preparada para a chegada do ano 2000. Ou seja, o computador não saberá distinguir o ano 2000 do ano 1900.

A maioria dos programas de computador usa apenas os dois últimos algarismos para registrar o ano utilizado em datas. Portanto, depois do ano 1999, vem o ano 2000, ou, se expresso em dois algarismos, o ano 00, na leitura do computador, igual ao ano 1900, também 00.

Assim, as memórias dos computadores estão programadas, em sua maioria, para armazenar as datas numericamente, no formato de dois dígitos para dia, mês e ano, sendo que, no caso do ano, registra-se apenas a dezena, desprezando-se centena e milhar.

O nobre Senador Valmir Campelo aborda aqui a questão - que comentei e sobre a qual falamos - do bug do milênio.

A data de hoje, por exemplo, é reconhecida na linguagem dos computadores como 22.07.97. Imaginemos agora a data de primeiro de janeiro do ano 2000. O computador a lerá como 01.01.00, facilmente confundível com primeiro de janeiro de 1900.

O resultado desse engano, aparentemente simples, poderá assumir proporções assustadoras, na medida em que constatamos o quanto a informática integra, hoje, o nosso cotidiano. É impossível mensurar com exatidão os danos que essa confusão poderá causar, haja vista que o resultado do processamento de uma data errada é diferente em cada programa. O certo é que, quanto mais antiga a tecnologia utilizada, maiores os problemas.

O que acontecerá? Ninguém sabe. Ninguém pode garantir.

Técnicos no assunto ouvidos pela revista Exame, em matéria intitulada "O Bug do Milênio", publicada em sua edição de nº 628, de janeiro de 1997, sugerem que, dentre os desvios de procedimento, os computadores poderão criar as seguintes cenas nos primeiros minutos do ano 2000:

      "Os salários dos empregados, as pensões dos aposentados não serão pagos. O computador entende que em 1900 eles não existiam".

O Sr. Valmir Campelo - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Leomar Quintanilha?

O SR. LEOMAR QUINTANILHA - Ouço-o com muito prazer.

O Sr. Valmir Campelo - Nobre Senador Leomar Quintanilha, quero enaltecer o pronunciamento de V. Exª. Já em conversas com alguns colegas, particularmente comigo, informalmente, V. Exª tinha transmitido esta preocupação com o que poderá acontecer com todos os computadores do mundo inteiro a partir do ano 2000. Realmente fiquei convencido e preocupado, porque o prejuízo que se poderá dar com relação a isso é enorme não só para o nosso País, mas para os outros países. Pagamentos de aposentados, de servidores, marcação de passagem, saldos bancários, enfim, tudo que hoje se faz através do computador fica prejudicado com a mudança do século. E V. Exª sabe perfeitamente que isso requer muito tempo, para que os países comecem a se preocupar com essa nova mudança. V. Exª mesmo tinha me dito que, aqui mesmo, o Prodasen já estava preocupado, estudando uma maneira que pudesse colaborar para amenizar talvez esse problema. De forma que o assunto é sério, como V. Exª levanta, é preocupante, é um assunto do momento. E apesar de muitos afirmarem que ainda faltam três anos, esse tempo não é suficiente. Demora, às vezes, uma década para que isto aconteça: uma mudança radical na leitura dos computadores não só do nosso país, mas do mundo inteiro. De modo que eu não poderia deixar de homenagear e enaltecer a preocupação de V. Exª, que traz a esta Casa um assunto de suma importância e que requer um estudo e uma preocupação maior por parte do órgão próprio do nosso País, que é talvez o Ministério da Ciência e da Tecnologia. V. Exª está de parabéns pelo importante tema que focaliza, entre os muitos que traz a esta Casa, sempre da mais alta relevância para o nosso País.

O SR. LEOMAR QUINTANILHA - Agradeço ao nobre Senador Valmir Campelo. Percebo que V. Exª alcançou a complexidade e o nível de risco que corre a sociedade, particularmente a brasileira, se providências urgentes não forem adotadas para correção dos nossos programas utilizados nos computadores.

Talvez o cidadão pobre, aquele que não tem computador, não o conheça e seja o mais prejudicado, porque hoje a sua vida, assim como a de todos os cidadãos e instituições, está informatizada: seu salário, sua conta telefônica, a distribuição de energia elétrica, de passagens; enfim, todas as atividades que envolvem a vida do cidadão estão hoje, total ou parcialmente, controladas pelo computador. De forma que, se essa correção não for adotada em tempo hábil, o risco de permitirmos que o cidadão brasileiro seja prejudicado é muito grande.

Gostaria de continuar citando aqui as possíveis cenas que poderão ocorrer, conforme afirmam os técnicos em informática, registradas pela revista Exame:

      "Caixas eletrônicos rejeitam cartões com data de validade 00. Isso já começou a acontecer nos Estados Unidos. As máquinas julgam que esses cartões estão invalidados desde 1900.

      Na manhã de 1º de janeiro do ano 2000, sábado, cofres bancários se abrem automaticamente. Motivo: os computadores acham que é dia 1º de janeiro de 1900, uma terça-feira.

      Sistemas telefônicos consideram que uma ligação iniciada em 31 de dezembro de 1999, ao passar da meia-noite, durou de 1900 até 1999 - um século. Corrigir o problema sai mais caro, em muitos casos, que simplesmente não cobrar esses telefonemas.

      Reservas de avião são canceladas porque, para os computadores, a partida ou chegada já passou. Pior: aeronaves que decolam na noite do dia 31 erram o cálculo do tempo de vôo em pleno ar, e sistemas de orientação baseados nesse dado confundem os pilotos. Nos aeroportos, torres de comando podem julgar que aviões que acabaram de pousar já decolaram há um século.

      Contas vencidas em dezembro são cobradas a partir de janeiro com um século de atraso. Prestações também são calculadas com juros de 100 anos. A contrapartida: uma aplicação financeira feita em dezembro também pode render um século.

      O sistema de previdência calcula errado a idade dos contribuintes. Quem nasceu em 1970 pode ter 70 anos de idade e ganhar uma aposentadoria precoce aos 30 anos. Ou então ter idade 70 anos negativa e, aí, o sistema pifa.

      Farmácias rejeitam lotes de remédios por considerar expirada a data de validade. Hospitais dão alta a pacientes antes do tempo. Numa cirurgia na virada do ano, é imprevisível a reação de aparelhos que calculam a dosagem de drogas com base na data do nascimento do paciente (felizmente, tais aparelhos são raros).

      Linhas de produção automáticas que fazem peças para entrega just-in-time começam a trabalhar freneticamente. Elas consideram que há um século de atraso em todas as encomendas.

      Seguradoras erram no cálculo de carências e prêmios: passam a distribuir bônus indevidos aos segurados, pois acham que eles não usam suas apólices há quase um século.

      Uma fila interminável de caminhões se aglomera nas fronteiras, porque computadores da Receita Federal julgam esgotada a validade de todas as guias de exportação e importação. Navios também ficam parados nos portos".

A possibilidade de ocorrerem tais fatos começou na década de 70, quando foi criada grande parte dos programas que guardam o ano em dois algarismos. Naquela época, a memória de computador era um artigo caro. Cada megabyte custava US$10 mil. Hoje, o mesmo megabyte custa 10 centavos de dólar. Dessa forma, era vital economizar espaço. Além disso, parecia muito distante o ano 2000.

Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o quadro é sério, complexo, da maior gravidade. Está a exigir amplo debate e profundas reflexões.

De custo elevado, mister se faz discutir orçamentos, origem dos recursos necessários. E, pior do que o dinheiro, é o tempo. O trabalho a ser feito demanda longo tempo, uma vez que será realizado de forma artesanal, manualmente, linha por linha, programa por programa, alterando-se o formato de registro de datas de dois para quatro dígitos.

Aos técnicos em informática está sendo atribuída a enorme responsabilidade de não permitir que a mudança de data cause transtornos à população.

Urge que as organizações atuantes na área de informática desenvolvam um projeto mundial objetivando promover as alterações de programa necessárias para a chegada do novo milênio. Será isso possível? Técnicos garantem que não.

Exatamente pelo fato de que o reparo somente poderá ocorrer de forma manual, este envolverá custos elevados e muito tempo.

Fala-se algo em torno de US$600 bilhões no âmbito mundial, sendo que só no Brasil esta cifra poderia chegar aos US$20 bilhões. Isso porque atualmente o custo para se alterar uma linha de programa é de aproximadamente um dólar e meio, com tendência de aumento à medida em que nos aproximamos do ano 2000.

Informações obtidas junto ao mercado dão-nos conta de que na América do Sul 90% das empresas ainda não começaram a combater o problema do ano 2000.

No Brasil, 2.500 casos do problema são considerados graves. Há, em média, 8 mil programas por empresa ou instituição. Cada uma tem 10 milhões de linhas de código. Essas empresas deverão gastar, individualmente, de R$10 a R$15 milhões para corrigir seus programas. Uma única pessoa levaria 100 anos para efetuar essa correção.

Apesar desses números revelarem verdadeiro caos, as providências tomadas pelas empresas brasileiras para enfrentarem o problema do ano 2000 ainda nos parece perigosamente tímidas.

Preocupa-nos as instituições públicas, especialmente o Governo, que tem uma estrutura gigantesca e, sabidamente, não dispõe dos equipamentos mais avançados tecnologicamente. Ele deve estar atento à imperiosidade do assunto.

No caso específico do Senado Federal, a nossa Casa, temos informações de que o Prodasen já instituiu grupo de trabalho para avaliação preliminar do tema. Estimativas feitas com base em custos fornecidos em recente seminário realizado pela IBM, nos Estados Unidos, indicam que o nosso Centro de Processamento de Dados poderá gastar mais ou menos R$10 milhões para o ajuste dos seus programas.

A partir dessa avaliação, ainda que inicial, podemos projetar os custos desse ajuste no âmbito do Governo Federal, que possui sistemas bastante complexos como o de telecomunicações.

Temos notícia de que o Serpro também já se movimenta e trabalha no Projeto 2000, que tem por objetivo fazer as conversões necessárias em seus programas, preparando-os para a virada do século.

No setor privado, empresas de informática já oferecem, via Internet, os seus serviços para efetuarem conversões de programas. Profissionais de informática familiarizados com antigas linguagens de computador, como a Cobol, voltarão a ser muito valorizados. Será o retorno dos dinossauros, denominação utilizada para se referir a ambientes de informática em desuso há muito tempo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essa questão não está sendo colocada agora. Em 1983, o Programador da Ford Americana Bill Schoen pregou para as 500 maiores empresas da revista Fortune os riscos de armazenar o ano com apenas dois algarismos. Não foi levado a sério.

Em 1993, o canadense Peter de Jager escreveu na revista Computerworld sobre a gravidade do problema, tendo se transformado, desde então, no maior guru do bug do milênio no mundo.

Apesar do enfático alerta de suas pregações, a maioria dos seus interlocutores não dispensou a elas, à época, a necessária atenção. Toda pregação de Jager continuou ecoando no vazio até 1996. Nessa ocasião, o Gartner Group, respeitada consultoria tecnológica americana, fez uma estimativa de custo global para preparar os programas de computador para a virada do milênio. O mercado americano levou um susto.

Desde então, várias empresas em diversos países têm se mobilizado e conferido a justa dimensão ao problema.

E no Brasil? No Brasil, até a metade do ano passado, o desinteresse era quase total. Tanto é verdade que a palestra do guru Jager sobre o tema chegou a ser cancelada por falta de audiência.

Pesquisa da Consultoria Boucinhas&Campos, realizada em dezembro de 1996, com 108 empresas brasileiras, verificou que apenas 20% delas já estão trabalhando na conversão de seus programas; 36% afirmaram que vão começar a trabalhar no problema em 1997; e 19% admitiram desconhecer por completo o assunto.

Dos recursos de que dispomos, o tempo é o único que não se recupera. E está cada vez mais exíguo. O final do século se aproxima. As correções deverão ser processadas o quanto antes. A partir de 1998, haverá problemas para se proceder aos ajustes necessários.

É inconcebível corrermos o risco de, após conquistas tecnológicas inimagináveis, sermos surpreendidos por um fenômeno de natureza tão corriqueiro quanto esplendoroso, o romper de um novo dia.

É inútil permanecermos à espera de um acontecimento milagroso, o surgimento de um programa mágico capaz de anular o bug do milênio.

Essas razões, Sr. Presidente, levaram-me a trazer novamente esta questão ao plenário desta Casa, a fim de chamar a atenção dos Srs. Senadores para a seriedade e gravidade do tema. Estou, concomitantemente, questionando alguns órgãos do Governo Federal, porque sei das dificuldades que o Governo Federal tem, de forma muito diferente da iniciativa privada, que é mais ágil e pode decidir isoladamente por suas necessidades e adotar as providências necessárias imediatamente. O Governo Federal, para fazer gastos, precisa do Orçamento; para cumprir o Orçamento, é preciso que ele seja votado nesta Casa, ou seja, haverá demanda de tempo e toda uma burocracia a ser vencida. Portanto, entendo que a grande preocupação ainda está centrada na necessidade de as instituições públicas adotarem providências imediatas para se inteirarem desse grave problema a que me refiro, qual seja, o fato de os nossos computadores e os seus programas não estarem preparados para o ingresso no terceiro milênio.

Cartões de crédito, prestações da casa própria, contas bancárias, salários, aposentadorias, controle de vôos, serviços públicos, telecomunicações e tantas outras atividades não vão funcionar.

Vamos deixar o Brasil parar?

Sr. Presidente, eram as considerações que eu gostaria de trazer a esta Casa, nesta tarde.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/07/1997 - Página 14802