Discurso no Senado Federal

INTER-RELAÇÃO ENTRE A CRISE QUE ATINGIU OS 'TIGRES ASIATICOS' E A DEBILITADA SITUAÇÃO DA ECONOMIA BRASILEIRA, AFETADA PELO DEFICIT EM CONTA CORRENTE, A SUPERVALORIZAÇÃO DO CAMBIO, O ENDIVIDAMENTO CAUSADO PELAS ELEVADAS TAXAS DE JUROS, O DESEMPREGO, E AMEAÇADA PELOS INVESTIDORES DO CAPITALISMO VOLATIL E OPORTUNISTA. ARTIGO DO JORNALISTA CELSO PINTO, PUBLICADO NA FOLHA DE S.PAULO DA ULTIMA SEXTA-FEIRA, SOB O TITULO 'O MORGAN E O RISCO BRASIL'.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • INTER-RELAÇÃO ENTRE A CRISE QUE ATINGIU OS 'TIGRES ASIATICOS' E A DEBILITADA SITUAÇÃO DA ECONOMIA BRASILEIRA, AFETADA PELO DEFICIT EM CONTA CORRENTE, A SUPERVALORIZAÇÃO DO CAMBIO, O ENDIVIDAMENTO CAUSADO PELAS ELEVADAS TAXAS DE JUROS, O DESEMPREGO, E AMEAÇADA PELOS INVESTIDORES DO CAPITALISMO VOLATIL E OPORTUNISTA. ARTIGO DO JORNALISTA CELSO PINTO, PUBLICADO NA FOLHA DE S.PAULO DA ULTIMA SEXTA-FEIRA, SOB O TITULO 'O MORGAN E O RISCO BRASIL'.
Publicação
Publicação no DSF de 24/07/1997 - Página 14896
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, ECONOMIA, PAIS ESTRANGEIRO, TAILANDIA.
  • APREENSÃO, SITUAÇÃO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, DEFICIT, BALANÇA COMERCIAL, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, POLITICA CAMBIAL.
  • ANALISE, TENSÃO SOCIAL, BRASIL, NECESSIDADE, PROVIDENCIA, GOVERNO, AMBITO, POLITICA SOCIAL, AUXILIO, ESTADOS.
  • LEITURA, REGISTRO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, PREVISÃO, AJUSTE, MOEDA, BRASIL.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco-PSB-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos últimos dias, as Bolsas de Valores do Brasil têm sido abaladas pela crise asiática que atingiu em cheio logo alguns daqueles países que, pelo impressionante desenvolvimento que vinham conseguindo, passaram a ser chamados de Tigres Asiáticos.

O estopim de toda essa débâcle foi a Tailândia, e o rastilho se espalhou logo em seguida para outros potentados da economia asiática, como as Filipinas, a Malásia e a Indonésia.

O Brasil, que é visto mundialmente como um país emergente, apresentou, nos últimos seis meses, o melhor desempenho das bolsas de valores, com altas superiores a 80%. Com a crise, não só o Brasil como outros tantos países com a economia debilitada sofreram as conseqüências, que só daqui a algum tempo poderão ser melhor avaliadas.

Não podemos assistir passivamente ao que acontece no resto do mundo, quando sabemos da interligação que existe em um mundo globalizado, entre as economias dos vários países e o Brasil, mesmo que as dificuldades divulgadas se localizem do outro lado do globo terrestre, e que alimentemos a ilusão de que aqui estamos vivendo num paraíso.

O Brasil tem uma posição muito delicada com relação ao déficit em sua conta corrente, e os números absolutos dessa conta só perdem para os Estados Unidos. Tal situação tem provocado apreensão entre os que, confiando no Brasil, têm financiado o déficit nacional.

Acumulando nos últimos 12 meses um desempenho negativo na balança comercial e de serviço superior a US$32 bilhões, o Brasil - que adotou a âncora cambial como medida principal em seus ajustes econômicos - só fez crescer entre os investidores a desconfiança e o nervosismo. Tais sintomas surgem em função da perspectiva sombria, para eles, de continuarem obtendo lucros fáceis, muitas vezes conseguidos à custa da inexperiência e da dependência, não só nossa, mas de tantos outros países que encorajam a presença de capitais externos na esperança de resolverem em curto prazo os seus problemas econômicos.

Está provado que nenhuma moeda que seja sustentada em bases fictícias ou artificiais pode ficar eternamente imune ao ataque especulativo, mesmo que seja a de um país que possua, em dado momento, um lastro de reservas monetárias elevadas.

Afinal, estabilização econômica conquistada usando o câmbio supervalorizado e taxas de juros elevados (situação do Brasil) mantém todos os países que a adotam, sempre na esperança de manterem o seu equilíbrio com a importação de capitais, os quais, entretanto, ao menor sintoma de dificuldades, nem sequer se habilitam ou, se alguma vez no passado se aventuraram, desaparecem tão rápido como ingressaram, levando para fora os lucros que obtiveram na especulação.

Esse abalo na economia asiática, potencializada com a crise política do México e da Argentina, deverá convencer o Governo brasileiro de que a sua política econômica, que acelera o desemprego e a retração da exportação, não pode continuar nessa teimosia imutável. Pelo contrário, deve ser repensada. Remediá-la a tempo é imperativo da nacionalidade, pois um terremoto físico ou geofísico que jamais fez tremer as nossas terras por certo que, se ocorrer em nosso continente, bem longe daqui será sentido. Porém, imprevidência no setor econômico, quando todos os sinais aconselham uma mudança, persistir significa caminhar em direção ao abismo, onde não só uma candidatura presidencial estará ameaçada, por culpa dos seus governantes, mergulhando o Brasil num futuro ainda pior do que o presente, e perigosamente inferior em comparação com o passado que já superamos e vencemos e ao qual não queremos voltar.

O Plano Real, até o final deste ano, deverá elevar o seu déficit à casa dos US$35 bilhões.

Os economistas do Governo apostam que o Brasil pode suportar por mais tempo perdas em suas reservas (até quando?), pois elas ainda são expressivas (US$59 bilhões) - e com a crise asiática caíram para cerca de US$57 bilhões. Além disso, afirmam, dispõe o Brasil de US$70 bilhões de ativos de privatização (quando e como o nosso Brasil receberá esses ativos?).

Todavia, existem comparativos com aqueles países asiáticos que colocam o Brasil em desvantagem e em situação preocupante: enquanto a Tailândia, a Indonésia, as Filipinas e a Malásia têm, somados, um déficit em conta corrente de US$22 bilhões, o do Brasil alcançará US$35 bilhões, em 97, enquanto aqueles países, juntos, exportam US$220 bilhões, o Brasil exportará este ano apenas US$50 bilhões.

Acresce ainda o fato de que, segundo analistas de questões econômicas, o Brasil deverá, e isto não vai levar muito tempo, desvalorizar a sua moeda, ou pelo menos um ajuste, providência fatal e obrigatória que tem contribuído para aumentar o nervosismo de investidores estrangeiros. Estes vão se retirando aos poucos do nosso mercado, receosos de que, por estas bandas de Cabral, venha a acontecer algo parecido com o efeito "tequila", como no México, que provocou não só alvoroço mas perdas financeiras, que até hoje repercutem nas economias latino-americanas.

Buscando a sua estabilização econômica, muitos países lançaram planos e neles incluíram receitas para atrair capitais externos. Esses investidores, em sua maioria, vivem da especulação e, ao menor sinal de dificuldades, como disse acima, desaparecem tão rápido como surgiram, fugindo como o diabo foge da cruz, sem se importarem com o destino dos países que lhe abriram as portas para o lucro, que eles obtiveram graças à facilidade proporcionada por políticas econômicas construídas na base do desespero.

Analisando as comodidades perdidas ou a ameaça de vir a perdê-las, os investidores do capitalismo volátil e oportunista, sem pátria e sem alma, desaparecem do dia para a noite, simplesmente porque o estímulo oferecido a eles, para atraí-los na busca de novos investimentos - sobrevalorização da moeda e altas taxas de juros -, já é um projeto esgotado pela insolvência dos países explorados.

Procurando equilibrar as suas contas externas e internas, o Brasil tomou medidas extremas com muita rapidez, e a tal ponto que desencadeou uma crise social de difícil solução, fazendo pipocar, de forma quase generalizada, a insatisfação de segmentos importantes da sociedade civil e militar, cujo encadeamento não podemos prever.

Para estancar, internamente, a onda de protestos que já se tornou explícita - inclusive através da prática da violência - o Governo será obrigado a rever a sua política de represamento ou de contenção do crescimento econômico, pois esta deve ser a tentativa inadiável para alcançar índices mais elevados de desenvolvimento e estímulo ao surgimento de novos empregos.

Será que o Presidente Fernando Henrique Cardoso espera a realização das eleições de 98 para fazer uma correção de rumos, se vier a ser eleito, em sua política econômica? Se esta for a sua intenção, está errado, porque quem governa só pensando na reeleição, adiando medidas que devem com urgência ser implementadas, está prejudicando o Brasil.

O Governo impõe sacrifícios enormes a um povo sofrido, cuja paciência, desprendida e generosa, pode ter chegado ao seu limite. E é por isso que devemos lutar a todo custo para que o desespero dos aflitos, desespero que leva ao inconsciente e ao desconhecido, não possa interferir na normalidade democrática ou na eclosão de uma crise social incontrolável.

O desastre de Alagoas, em que pese as suas vinculações fortes com administrações irresponsáveis que saquearam esse Estado, não pode ser colocado à parte e tratado isoladamente, como se a política do Governo Federal nada tivesse a ver com a situação falimentar de outros Estados e Municípios que tiveram as suas dívidas substancialmente aumentadas com a política de juros altos implementada pelo Plano Real.

É preciso refletir sobre o Brasil, e refletir de forma rápida, antes que o baque seja generalizado. É dever do Governo procurar soerguer as energias do nosso povo que foram consumidas por sucessivos planos, formulados por tecnocratas insensíveis, de cujas pranchetas mirabolantes brotaram a falência de empresas e o desemprego, a salvação de bancos falidos e a precariedade do atendimento à saúde pública, à educação, à violência urbana e rural; a quebradeira de Estados e Municípios e as fraudes dos precatórios.

Por favor, não queiram que mergulhemos no vôo cego do câmbio, que pode criar, momentaneamente, a ficção de uma moeda forte para atrair o capital estrangeiro, mas não resolve os problemas da fome e do desemprego que grassam nos lares brasileiros e que vêm provocando a frustração e o sofrimento das mais variadas camadas da nossa população.

Sr. Presidente, como um alerta à equipe econômica do Governo, que, não sei se por vaidade, não anuncia nem de longe qualquer alteração na política do Plano Real, trago ao conhecimento da Casa, para registro nos Anais, partes do comentário feito pelo Jornalista Celso Pinto, no jornal Folha de S.Paulo, edição de sexta-feira passada, onde se refere a um comentário sobre uma análise feita pelo Banco JP Morgan, cujo título é: "O Morgan e o Risco Brasil":

      "O buraco das contas externas brasileiras é insustentável a longo prazo. Será preciso crescer 17,5% ao ano para manter estável o atual desequilíbrio externo, o que é obviamente impossível. Um ajuste, portanto, é inevitável.

      Esta é a conclusão de um estudo ("Some simple current account arithmetics"), feito pelo banco americano JP Morgan e publicado no início do mês passado. Dos 21 países emergentes analisados, dois deles têm déficits insustentáveis, mesmo que deixassem sua dívida externa crescer até 100% do PIB: Brasil e República Tcheca."

E continua o comentarista econômico:

      "Os tchecos, como se sabe, foram obrigados a desvalorizar sua moeda neste ano, pouco antes da Tailândia e de outros países asiáticos. A conclusão do estudo em relação ao Brasil não é que o ajuste será, necessariamente, uma desvalorização cambial, mas que ele terá de ocorrer: elevando, de alguma forma, a taxa de crescimento e/ou reduzindo o déficit em conta corrente."

Sr. Presidente, no final do comentário, o jornalista Celso Pinto, ainda se referindo ao mesmo banco, diz o seguinte:

      "A partir destes pressupostos, o estudo usa os dados dos 21 países do período 1996-98, reais e projetados, para o crescimento médio da economia, o déficit em conta corrente e a relação dívida externa/PIB. No caso do Brasil, o crescimento usado é de 3,6% ao ano, o déficit em conta corrente de 4,4% do PIB e uma dívida externa de 25% do PIB. (...)

      Com esses dados, o estudo faz três projeções simples. Primeiro para ver se é possível sustentar o desequilíbrio externo, sem elevar a dívida, a longo prazo. Para o Brasil, é impossível: isso exigiria um crescimento anual de 17,5%. Depois testa se seria possível estabilizar o buraco externo, permitindo que a dívida externa subisse a 75% e a 100% do PIB. Também nesses dois casos, o Brasil não passa no teste.

      Países que têm alto nível de reservas e conseguem emitir mais dívida podem ganhar tempo. O Morgan estima que, se o Brasil aceitasse triplicar de 25% para 75% o tamanho da dívida externa em relação ao PIB, conseguiria financiar um déficit em conta corrente equivalente a 5% do PIB durante 10 anos. O problema, não mencionado no estudo, é saber se o mercado aceitaria continuar financiando o país, mesmo vendo esse salto na dívida. Entre os países com maior dificuldade para estabilizar seus déficits sem elevar a dívida estão Filipinas, Indonésia, Malásia e Tailândia, que sofreram ataques às suas moedas, além da Coréia, África do Sul, República Eslovaca, Peru e Turquia. Alguns países, como Peru e Malásia, ficam com situação sustentável se considerada a entrada de investimentos diretos. No caso do Brasil, a trajetória é insustentável mesmo com os investimentos.

      Talvez este estudo ajude a explicar por que Avinash Persaud, chefe de Pesquisa de Moedas do Morgan na Europa, numa entrevista ao jornal Financial Times, de 11 de julho, tenha citado a moeda brasileira como potencial candidata a um ataque especulativo."

Sr. Presidente, este nosso pronunciamento de hoje visa, mais uma vez, contribuir com o Governo Federal, mesmo sendo Oposição, no sentido de alertar a sua equipe econômica para a necessidade de estudar, em maior profundidade, a questão do endividamento do Brasil com as altas taxas de juros, como também essa quase paridade da nossa moeda com o dólar e o nosso déficit em conta corrente como decorrência da política perigosa, incerta para o futuro, que está sendo implantada no Brasil pelo Plano Real, sob o comando da equipe econômica do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Para não dizer que esta Casa não alertou o Governo, está aqui mais um pronunciamento registrando a preocupação da Oposição e a nossa contribuição, no sentido da mudança de rumos da política econômica a que nos referimos.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/07/1997 - Página 14896