Discurso no Senado Federal

APREENSÃO COM OS CASOS DE DESRESPEITO SOFRIDOS PELOS CIDADÃOS QUE PARTICIPAM DE PLANOS E SEGUROS DE SAUDE PRIVADOS, RESSALTANDO A NECESSIDADE DA ADOÇÃO DE MEDIDAS AMPLAS E URGENTES PELO CONGRESSO NACIONAL E PELO GOVERNO FEDERAL, NO SENTIDO DE SOLUCIONAR A QUESTÃO.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • APREENSÃO COM OS CASOS DE DESRESPEITO SOFRIDOS PELOS CIDADÃOS QUE PARTICIPAM DE PLANOS E SEGUROS DE SAUDE PRIVADOS, RESSALTANDO A NECESSIDADE DA ADOÇÃO DE MEDIDAS AMPLAS E URGENTES PELO CONGRESSO NACIONAL E PELO GOVERNO FEDERAL, NO SENTIDO DE SOLUCIONAR A QUESTÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 25/07/1997 - Página 15122
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • DEFESA, REGULAMENTAÇÃO, SEGURO-DOENÇA, BRASIL, MOTIVO, IMPEDIMENTO, ABUSO, EXPLORAÇÃO, CIDADÃO, DESRESPEITO, LEGISLAÇÃO, DESCUMPRIMENTO, INICIATIVA PRIVADA, CLAUSULA, CONTRATO, ASSISTENCIA MEDICO-HOSPITALAR, POPULAÇÃO.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em meus pronunciamentos e votos, tenho manifestado meu inarredável compromisso com a política de privatizações e demais medidas destinadas a promover a abertura econômica e o enxugamento do Estado em nosso País.

Estou convencido de que a concretização de um novo modelo de relações sociedade-Estado afastará este último de tarefas e áreas onde o setor privado já comprovou cabalmente uma eficiência e uma economicidade superiores e, ao mesmo tempo, fortalecerá seu papel como provedor de condições que permitam a reprodução ampliada do capital humano, sem dúvida o ativo mais valioso de qualquer economia. Daí por que já se vai tornando consensual que saúde e educação despontam como itens prioritários em programas de desenvolvimento, como em cargos irrenunciáveis do Poder Público.

No caso da saúde, todos nós acompanhamos, com crescente apreensão, os casos que se multiplicam e são noticiados cada vez mais freqüentemente pela mídia de cidadãos desrespeitados em sua condição de consumidores e seres humanos pelas empresas privadas de planos e seguros de saúde. Dia desses, no Rio de Janeiro, morreu por falta de atendimento, como todos sabem, uma pobre mulher que estava com sua mensalidade 10 dias em atraso. Quer dizer: as operadoras são livres para estabelecer carências de vários meses, mas o usuário, ainda que tenha um histórico anterior de pontualidade no cumprimento de suas obrigações, não é perdoado quando incorre numa dificuldade financeira eventual. O cidadão idoso costuma ser a maior vítima dessa insensibilidade. De nada adiantam anos e anos de fidelidade a determinado plano ou seguro. Ultrapassado certo limite de idade, fica o cidadão impossibilitado de arcar com a nova faixa de preços. Incomoda saber que, em contextos bem menos dramáticos e urgentes, tais como seguros de automóvel, de vida, ou de acidentes pessoais, o cliente recebe descontos crescentes, quanto mais tempo permanece ligado a uma mesma seguradora.

Fique bem claro que não se trata tão-somente de omissão dos órgãos e das instâncias que têm por missão fiscalizar o funcionamento desse segmento do mercado e garantir a reparação dos direitos do consumidor lesado. O problema de fundo consiste no vácuo aberto pelo caos gerencial e pelas carências financeiras da saúde pública corporificada no SUS, e que, ao longo dos anos, foi sendo preenchida pela medicina privada de grupo.

As estatísticas oscilam entre 35 e 40 milhões de usuários de seguros e planos de saúde, o que faz desse segmento um dos negócios mais lucrativos da atualidade, movimentando de US$12 a US$15 bilhões por ano. É óbvio que muitas, senão a maioria, dessas pessoas estão sacrificando parcela considerável de seus magros rendimentos para honrar as mensalidades, pois sabem que, com raras exceções, o sistema público de saúde é incapaz de prestar-lhes um atendimento eficaz, decente e humano, em caso de necessidade. Na prática, aquilo que em qualquer país capitalista sério representa uma opção do consumidor, em virtude da existência de uma medicina social forte e abrangente, entre nós, transforma-se em custosa obrigação.

Os especialistas em políticas públicas e medicina social são unânimes no diagnóstico de que o SUS, em que pese às suas boas intenções em termos de gerenciamento descentralizado e de ênfase na educação preventiva das comunidades mais carentes, não foi capaz de decolar rumo ao plano das soluções concretas. Ora, o reconhecimento realista dessas limitações do setor público, as quais só poderão ser superadas a longo prazo - isso se as autoridades competentes não perderem nem mais um minuto -, impõe a todos nós, Congresso e Governo, a adoção de medidas amplas e urgentes para proteger quem depende dos serviços privados de saúde. Por absoluta falta de regulamentação, esse vasto contingente formado - repito - não apenas por indivíduos das classes alta e média, mas também e crescentemente por pessoas pobres, não tem a quem recorrer quando descobre que o plano que comprou é bem diferente do que foi vendido por obra e graça da propaganda enganosa. Procedimentos complexos e caros como órteses, próteses, hemodiálise, ou períodos prolongados em UTI, invariavelmente são deixados de fora, ou seja, quando o paciente mais precisa, o plano não se responsabiliza. Repito: estamos diante de contratos quase sempre leoninos, com a obrigação do usuário de pagar religiosamente suas mensalidades, enquanto a empresa, mediante expedientes que variam de cláusulas em letras miúdas a verdadeiras contorções interpretativas, desobrigam-se do dever de assisti-lo.

E olhem que essas mensalidades registraram aumentos de 160% ou mais, entre janeiro de 1995 e junho último, período em que amplas categorias de trabalhadores, como os servidores públicos, tiveram os seus proventos congelados!

Por insustentável que se afigure essa situação, as pressões pela manutenção de tudo como está são pesadas e insidiosas, como salienta o médico, cientista e Deputado Federal, José Aristodemo Pinotti, do PMDB de São Paulo, em contundente e fundamentada entrevista ao semanário IstoÉ, de 25 de junho. Ao que tudo indica, poderoso lobby parlamentar está bloqueando a tramitação de vários projetos de regulamentação dos planos e seguros de saúde, que dormitam na Câmara dos Deputados, quatro anos depois de já haverem sido aprovados neste Senado Federal.

O vazio legislativo regulatório, como há pouco salientei, fomenta o vale-tudo e o descaso para com a vida humana, sem um código mínimo que puna aquelas empresas que neguem a seus clientes o básico necessário para o atendimento de suas necessidades. Notem que não falo de padrão de "hotelaria": pacientes que desejem níveis mais elevados de conforto, em quartos particulares, com direito a acompanhante, e assim por diante, deverão, obviamente, pagar por planos mais caros. Falo de um mínimo de atenção e cuidado, que não raro representa a diferença entre vida e morte.

Sem regulamentação, sem regras, sem fiscalização, sem penalidades, os hospitais e clínicas particulares podem inclusive se dar ao luxo de pendurar as faturas mais onerosas na rede pública, pois não existe sequer dispositivo que as obrigue a ressarcir o SUS das despesas incorridas no atendimento a seus clientes.

O que nos remete de volta à questão colocada no início deste pronunciamento: a ausência de um sistema público de saúde digno deste nome não pode ser suprida pelo mercado privado; ao contrário, gera externalidades negativas que esse mercado simplesmente agrava.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/07/1997 - Página 15122