Discurso no Senado Federal

ALGUNS ESCLARECIMENTOS ACERCA DE RECURSO APRESENTADO POR S.EXA. CONCERNENTE A MATERIA AFEITA A CPI DOS TITULOS PUBLICOS, A SER ANALISADO PELA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PRESSÕES PARA A TOMADA DE MEDIDAS IMEDIATAS NA SOLUÇÃO DOS PROBLEMAS QUE ATINGEM A SEGURANÇA PUBLICA. PREMENCIA DO RESTABELECIMENTO DAS NOÇÕES ANTIGAS DE HIERARQUIA E DISCIPLINA NAS CORPORAÇÕES DA POLICIA MILITAR.

Autor
Geraldo Melo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RN)
Nome completo: Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PRECATORIO.:
  • ALGUNS ESCLARECIMENTOS ACERCA DE RECURSO APRESENTADO POR S.EXA. CONCERNENTE A MATERIA AFEITA A CPI DOS TITULOS PUBLICOS, A SER ANALISADO PELA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PRESSÕES PARA A TOMADA DE MEDIDAS IMEDIATAS NA SOLUÇÃO DOS PROBLEMAS QUE ATINGEM A SEGURANÇA PUBLICA. PREMENCIA DO RESTABELECIMENTO DAS NOÇÕES ANTIGAS DE HIERARQUIA E DISCIPLINA NAS CORPORAÇÕES DA POLICIA MILITAR.
Aparteantes
Bernardo Cabral.
Publicação
Publicação no DSF de 02/08/1997 - Página 15529
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PRECATORIO.
Indexação
  • ESCLARECIMENTOS, MOTIVO, APRESENTAÇÃO, RECURSO REGIMENTAL, ELABORAÇÃO, ORADOR, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, REFERENCIA, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), TITULO DA DIVIDA PUBLICA.

O SR. GERALDO MELO (PSDB-RN. Para uma comunicação. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vou me poupar, Senador Bernardo Cabral, de fazer agora o relato que pretendo fazer à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania por ocasião de sua próxima reunião. Aproveito, como membro visitante da CCJ, para pedir-lhe a palavra para, na oportunidade, não só apresentar de viva voz o recurso, como fazer sua fundamentação.

O Sr. Bernardo Cabral - Já está deferida a palavra.

O SR. GERALDO MELO - Eu queria apenas - porque confesso-lhe que já estou cansado de contar a história dessa CPI - dizer-lhe que o recurso foi formalizado oralmente durante a reunião. A Secretaria-Geral da Mesa já me mostrou inclusive os termos em que está encaminhando à CCJ a estrutura do recurso.

O recurso foi formulado dentro de um requerimento apresentado ao Presidente da reunião, desdobrado em dois itens: o primeiro era que recorri, como Presidente eventual da CPI, da sua decisão de reabrir a discussão e votação de uma matéria vencida. A CPI havia decidido, no dia 22, que ao relatório do Senador Roberto Requião seriam apensados os votos em separado sem modificar o seu texto. Veementemente não concordo com esse caminho, que seria o caminho a ser seguido pela primeira vez na história do Congresso Nacional. Veementemente não concordando com esse caminho, também não concordo em que, uma vez decidido pela maioria, em seguida, a discussão seja reaberta. Seria uma prática congressual extremamente perigosa, que ensejaria a apresentação, numa mesma reunião ou durante uma semana, da mesma matéria duas ou três vezes. Ou seja: cada Presidente que estivesse sentado na cadeira que V. Exª agora ocupa, desejando que a decisão fosse uma, aproveitaria a maioria momentânea do Plenário para fazer a votação de acordo com seu ponto de vista.

Entendi que a opinião do Presidente de uma Comissão só interessa quando houver um empate. Não havendo empate, o Presidente de uma Comissão não tem que dar opinião sobre a matéria que está sendo votada. Ele é o guardião da regra, do rito, da norma. Portanto, entendi que, como havia a modificação radical, completa de uma decisão tomada na véspera, dever-se-ia proceder a duas ações: primeiro, acatar a decisão da Comissão, a segunda decisão, e obedeci; segundo, recorrer dela porque, no meu entender, havia um componente de natureza jurídica que poderia comprometer a validade da decisão da própria Comissão, na medida em que ela incorporaria um relatório cuja estrutura só era aquela porque a Comissão decidira rever uma decisão tomada sobre matéria vencida.

Assim, o primeiro item do meu requerimento verbal foi no sentido de que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania se pronuncie sobre se uma Comissão pode voltar a discutir e a modificar, no dia seguinte, matéria vencida. Procurei limitar o recurso a esse ponto sabendo que, se acolhido, o relatório final da CPI será o do Senador Roberto Requião, com os votos em separado sendo apenas apensados. Se rejeitado meu recurso pela CCJ, o relatório da CPI será o do Senador Roberto Requião modificado pelos votos em separado.

Mas limitei o recurso à discussão da tese da matéria vencida por entender que se ampliasse o recurso para que a CCJ também decida sobre o mérito; isto é: se meu recurso envolvesse uma consulta àquela Comissão sobre se os votos em separado proferidos em uma Comissão Parlamentar de Inquérito podem ou não modificar o relatório; a sua decisão ensejaria a definição de uma norma explícita sobre matéria a respeito da qual o Regimento é omisso, a qual obrigaria todas as CPIs futuras a acolherem relatórios de relatores sem a possibilidade de alteração.

Para evitar que a CCJ fosse, através de meu recurso, compelida a tomar uma decisão dessa natureza, tive o cuidado de limitar o recurso à consulta sobre matéria vencida. Em segundo lugar, requeri, naquele momento, que a contagem do prazo da CPI fosse suspensa, por motivos óbvios.

Foi dessa maneira que o recurso se formalizou; e dessa maneira ele foi aceito pela Mesa, que o considerou recebido. Ele foi aceito pelo Plenário e foi apoiado, inicialmente, pelo Senador Roberto Requião, em seu próprio nome, e, em seguida, em nome de seu Partido - o PMDB. Depois, recordo-me de uma manifestação no mesmo sentido do Senador Ney Suassuna, secundando um pronunciamento do Senador Jader Barbalho. O Senador Suplicy falou em seu nome e em nome do Partido dos Trabalhadores, apoiando e subscrevendo o recurso.

De forma que maiores detalhes reservo-me para apresentar na reunião da CCJ.

Sr. Presidente, desejo referir-me à questão suscitada por V. Exª em sua intervenção recente e aos comentários aduzidos pelo eminente Senador Josaphat Marinho.

Em primeiro lugar, quero congratular-me com V. Exª e com a Casa porque, afinal de contas, esse assunto chegou aqui. Parece que aqui estamos vivendo em outro país. O povo brasileiro está com as mãos na cabeça, em pânico, com a situação de segurança que inquietou toda a sociedade brasileira. Mas nós, aqui, estivemos preocupados com coisas bem menores e bem menos importantes. Discutimos muito o "disse-me-disse", muita fofoca, muita brincadeirinha, muita declaraçãozinha irrelevante, quando a sociedade brasileira estava em pânico diante da situação que se lhe apresentava.

V. Exª receba, em primeiro lugar, as minhas congratulações por ter trazido a este recinto, onde obrigatoriamente o assunto deve ser debatido, matéria de grande importância como essa. Em segundo lugar, eu gostaria de cumprimentá-lo pela estrutura da sua exposição, que foi, além de oportuna, extremamente competente. Ela deu oportunidade a algumas intervenções sábias, como foi a do nosso eminente Senador Josaphat Marinho, que além da cultura formal, que nos causa inveja, tem aquilo que se chama o saber de experiência feito.

Tenho visto, também com muita preocupação, na televisão e nos jornais, a notícia de que a pressão das circunstâncias está sugerindo que medidas sejam tomadas imediatamente, como se isso fosse uma satisfação a ser dada à sociedade, uma resposta, digamos que uma demostração de competência que precisássemos lhe dar, respondendo aos acontecimentos com medidas concretas, que seriam as medidas salvadoras para uma crise como essa.

Quero, com muita franqueza, lhe dizer que tenho visto inclusive as sugestões concretas com bastante preocupação. Elas são perpassadas de boa vontade, perpassadas na busca da modernização das questões de que se estão tratando, mas elas estão num terreno ainda extremamente acadêmico.

Não sou daqueles que acham que na prática a teoria é outra. Acredito que quando a teoria não se confirma na prática é porque está errada; se ela estiver certa, se confirmará na prática. É preciso que a teoria esteja certa, porque o que se está querendo é encontrar soluções, mas estas só serão se forem remédios suficientes.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. GERALDO MELO - Recebo, com muita honra, uma intervenção de V. Exª.

O Sr. Bernardo Cabral - Senador Geraldo Melo, este é um assunto que pretendo abordar com maior demora, com a cautela que ele encerra, tanto assim que após a intervenção do Senador Josaphat Marinho ao discurso do Senador José Roberto Arruda eu me mantive calado. Mas penso que devo levar uma achega a V. Exª, que está apontando, a exemplo do discurso anterior, um caminho para se chegar a uma solução. É que o problema está sendo tratado de forma conjuntural, quando é estrutural. Pretende-se atacar o efeito e as causas são desprezadas. O Senador Josaphat Marinho falou na reforma tributária. Se não houver a reforma tributária e o ajuste fiscal, vai ser terrivelmente pior se criar essa ou aquela instituição para resolver o problema da segurança pública, quando não se dará aos Estados o mecanismo suficiente para fazer frente a essa despesa. Agora, como que se pode imaginar ser esse um assunto meramente conjuntural, para ser tratado de forma emocional? Quando V. Exª disse, com propriedade: põe-se a mão na cabeça frente a um assunto da maior densidade, que é tratado no varejo quando deveria ser tratado no atacado. V. Exª foi Governador de Estado, Senador Geraldo Melo. Imagine V. Exª se, de uma hora para outra, essa autonomia estatal começasse a ser quebrada país afora. Vamos chegar - eu dizia isso ainda há pouco, baixinho, ao Senador Josaphat Marinho - a uma convulsão social. É ilusão pensar que o povo respeitará normas. Fome não tem bandeira. E quando chegar, associada a movimentos que estamos vendo país afora, o Governo precisará se debruçar, pois o assunto é altamente sério. Eu lhe diria numa frase: o problema é estrutural e não conjuntural.

O SR. GERALDO MELO - Agradeço a honra que V. Exª me concede de participar da intervenção que estou fazendo. É de certa forma inesperada, pois não estava em meu programa, mas acredito que este seja um assunto que diz respeito ao cidadão brasileiro de hoje.

Aqui, falamos sobre coisas globais. O global tem que ser visto e constitui a base de toda a interpretação do que ocorre na sociedade, mas as pessoas não são entidades globais. As pessoas estão vivendo seu drama individual. O pai de família, hoje, quando recolhe a sua família e fecha a sua casa, não sabe se está fechando a casa e se esta vai amanhecer fechada. O pai de família, hoje, quando a sua filha sai à noite para o colégio, não sabe se ela vai voltar ou, se voltar, se não voltará estuprada, assaltada, violentada. O cidadão, que vai com a mulher para o cinema, não sabe se vai ser assaltado na rua. Isso é muito mais importante para o homem brasileiro, para a mulher brasileira que está vivendo na sua casa, fora deste ambiente em que estamos aqui. Não é aqui que se vive este problema, é lá fora, na rua. É lá onde ele está e é para lá que devemos nos voltar.

Vejo, por exemplo, dizer-se que uma das sugestões é formar um conselho, que terá provavelmente um nome muito elegante, que vai monitorar as operações da Polícia Militar e, periodicamente, se vai receber um informe dizendo quantos civis morreram pelas mãos da Polícia ou quantos policiais morreram pelas mãos dos bandidos.

O que é importante para a sociedade não é saber se vai ter esse relatório, mas sim, quando esse relatório chegar, o que será feito e quem vai fazer. Isso se insere no bojo de todo esse grande discurso que tomou conta do País, quando passamos a nos preocupar muito mais com o bandido. O bandido brasileiro passou a ser não o bandido, mas a vítima da Polícia. Distribuiu-se na cabeça do povo brasileiro a tese de que os grandes bandidos do Brasil são os policiais. Dentro da Polícia tem muito bandido, sabemos disso - eu mesmo, quando fui Governador, expulsei mais de trinta -, mas não se pode considerar que a Polícia é uma instituição, é uma organização de banditismo ou uma ameaça à sociedade.

A Polícia é uma instituição para junto da qual a população deve ir quando estiver com medo, mas estamos disseminando na população o sentimento de que ela deve ter medo da Polícia. Ela deve ter medo de quem ameaça a sua segurança e a sua tranqüilidade e, exatamente, deve ter a sua disposição todos os mecanismos para vigiar a Polícia e não permitir que ela se desvie do seu curso.

Agora, o policial é um servidor público, que tem um emprego que nenhum de nós gostaria de ter, porque é pago para morrer no nosso lugar. Na hora em que um de nós estiver perto de um conflito, haveremos de ter medo da fama de covarde, mas se o medo do conflito for maior do que o da fama de covarde e correr, está no seu papel correr para longe do conflito. O policial tem de correr para dentro dele, pois é pago para isso.

Quanto à questão do dinheiro - que é um fator limitante e crítico - precisamos, também, reconhecer o seguinte: a escassez de recursos é o corolário de um conjunto de comportamentos e de políticas que são essenciais à construção do futuro deste País e que causam efeitos traumáticos na sociedade e quem comanda essas políticas sabe disso e está fazendo consciente de que causa. Agora, de um lado se tem a posição das autoridades que gerenciam o estrato financeiro da atividade política, a elas compete tomar essas medidas, advertir-nos de que, no próximo ano, como assinalou V. Exª, as dificuldades serão maiores ainda, advertir-nos de que não haverá dinheiro para isso ou para aquilo. Esta é realmente a responsabilidade e este é o papel da autoridade da área da Fazenda. Mas a obediência a essas limitações é uma decisão do homem de Estado, é aí onde está a diferença entre administrar e governar, que são duas coisas diferentes. Governar, neste caso, é estabelecer um ritmo. Se, para termos sucesso num determinado plano, o ideal era que o ritmo fosse de uma freada brusca, radical, instantânea, que, amanhã, estaríamos todos dentro de uma nova realidade se isso não for socialmente possível, nós, em vez de uma freada tão violenta, aplicaremos, e, aí, é o estadista que dirá se é a metade da violência do freio, se é 1/4 dela ou 20%. Se o que podemos realizar imediatamente com grande sacrifício, se vamos realizar em 2, 3 ou 4 anos com sacrifícios suportáveis.

Por isso é que eu quero me associar a uma advertência do Senador Josaphat Marinho: temos tanta pressa, Sr. Presidente, em resolver esta questão que precisamos ir devagar. Lembro-me, quando conversava com amigos que costumavam viajar por essas estradas, e um me dizia que quando viajava de Natal para o Rio de Janeiro, de carro, e passava por ele um automóvel em alta velocidade, ele dizia para os seus companheiros de viagem: deixa que ele passe porque deve ir para perto. Como vamos para longe, temos que ir mais devagar.

Penso que, se quisermos fazer coisas duradouras e definitivas, precisamos de ter a pressa necessária para dar a solução o mais rapidamente possível que a sociedade exige, mas a tranqüilidade necessária para dar uma boa solução. Pois veja, Senador, uma coisa é se falar na política de segurança, e outra, é conhecer certas realidades. Creio que cabe, aqui, uma historinha que ouvi uma vez de um soldado de polícia, numa campanha política no interior do Rio Grande do Norte. A história, como diria Pitigrilli, seria cômica, se não fosse trágica. Esta frase dita por tantas pessoas, cabe exatamente nessa história que vou contar.

O atual Governador do Rio Grande do Norte e eu éramos candidatos - ele a Governador e eu a Senador - e andávamos pelo Vale do Açu. Numa noite, demos carona a um soldado da Polícia que tinha deixado o serviço e ia para uma cidadezinha próxima. Esse soldado começou a nos contar as dificuldades que enfrentava. Ele nos disse que, na corporação, um grande amigo tinha o pé exatamente do tamanho do dele e que, quando estavam em serviço, faziam um acordo entre si: já que havia um único par de coturno para os dois, um deles usava um coturno no pé esquerdo e uma sandália havaiana no pé direito; o outro completava o fardamento invertendo esse uso, ou seja, utilizando o coturno no pé direito e a sandália no pé esquerdo. Com muita simplicidade, o soldado, que estava sentado no banco detrás do carro, levantou o pé para que víssemos que, naquele dia, ele usava uma sandália no pé direito.

Essa é a realidade extrema numa ponta da linha. As soluções sofisticadas, que estão na outra ponta, não terão eficácia alguma se a realidade da falta de coturno também não for encarada.

Por outro lado - e com isso quero encerrar a minha intervenção, Sr. Presidente -, não há possibilidade de se resolver um problema deste, primeiro, se não houver um pouco de humildade, no sentido de ouvir a experiência que existe neste País. Em segundo lugar, se defendemos disciplina e hierarquia, não estamos propondo o primado de um regime totalitário. Democracia não quer dizer bagunça, desordem, ausência de autoridade, ausência de hierarquia. Não existe sociedade no mundo que funcione bem sem que os estratos de responsabilidade tenham correspondência com estratos de hierarquia! A disciplina, o exercício da autoridade, não são favor nem privilégio que a autoridade conquista; são obrigações, às vezes penosas, que ela tem que aceitar e exercer. E se ela não exerce, está faltando ao seu compromisso para com a sociedade.

O Sr. Bernardo Cabral - Pilares da instituição.

O SR. GERALDO MELO - Pilares da instituição, como diz o Senador Bernardo Cabral.

Por isso, merece hoje os parabéns e o aplauso de todo o povo brasileiro o Governador Tasso Jereissati. S. Exª é meu amigo fraternal, e quero daqui, comovido, unir-me às vozes que aplaudem o homem que conheço, sabendo com que sacrifício interior ele toma a decisão de mandar prender pessoas, ou de demitir e expulsar pessoas e tomar emprego de pai de família, mas é a força, o peso do dever.

Essa obrigação de nos voltarmos para a questão da hierarquia parece-me que não está sendo vista, quando se discute como resolver o problema da segurança. Porque, por um lado, se reconhece que quem acertou foi quem exigiu que a autoridade fosse respeitada, e, por outro, se diz que temos que desmilitarizar a polícia e acabar com essa estrutura do jeito como ela funciona.

Não sei que outra instituição, no Brasil, tem tão arraigada, na sua própria cultura, a noção de hierarquia quanto a estrutura militar.

Então, temos essa desordem na rua e queremos resolvê-la agora, afastando ainda mais a estrutura policial da única referência de hierarquia que claramente existe. É como se diagnosticássemos uma doença e propuséssemos um remédio para outra doença totalmente diferente.

Por outro lado, Sr. Presidente, é preciso não nos deixarmos dominar, como disse o Senador Josaphat Marinho, pelo peso das circunstâncias, da conjuntura.

O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª me permite um aparte?

O SR. GERALDO MELO - Senador Josaphat Marinho, ouço V. Exª com muita honra.

O Sr. Josaphat Marinho - Nobre Senador, V. Exª não está fazendo um discurso; está fazendo uma reflexão que é importante ser feita neste momento.

Nenhum de nós - certamente ninguém no País - aplaude a insubordinação das tropas policiais. Ninguém louva a presença da Polícia Militar em protesto nas praças e nas ruas. Todos queremos vê-las disciplinadas, obedientes, cumprindo o seu dever de resguardo da tranqüilidade pública.

O SR. GERALDO MELO - E de barriga cheia.

O Sr. Josaphat Marinho - Isto fora de dúvida. Não há adversário de Governo Estadual ou do Governo Federal que pense diversamente, porque esse é um problema do interesse da coletividade. Mas, ao mesmo tempo, todos temos que verificar esse fato: as polícias militares no Brasil não têm tradição de indisciplina, de insubordinação. Conseqüentemente, há que atentar em que, se vieram à rua em grupos - não foram alguns apenas -, é porque há motivos ponderáveis, dignos de consideração. Em realidade, o que alegam é a insuficiência de recursos, ou melhor, é a insuficiência de vencimentos ou soldos. Mesmo que se admita que essa deficiência não justifique o movimento de insubordinação, há que se atentar para nesse fato, porque o que importa não é o fato em si, mas é a solução dele para o resguardo presente e futuro da segurança pública. Há que se atentar - sem querer, com isso, abrir caminho à indisciplina - que a necessidade não conhece regulamento!

O SR. GERALDO MELO - Depois de ter ouvido o Senador Bernardo Cabral, sinto-me honrado em receber a participação do Senador Josaphat Marinho, que sabe do enorme respeito que tenho por S. Exª, sobretudo porque S. Exª diz alguma coisa que subscrevo inteiramente.

No momento em que se fala de reformar, não nego a necessidade de introduzir profundas modificações na concepção do aparelho de segurança do Brasil, para adaptar-se a um mundo que é bastante diferente daquele que existia quando esse aparelho de segurança foi concebido. Quando falei de humildade aqui, estava querendo me referir a isso.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, houve momentos em que o aparelho de segurança do País funcionou melhor. Será que foi apenas a mudança que houve lá fora? Será que foi apenas o avanço da droga? Será que foi apenas o crime organizado do Rio de Janeiro que conseguiu contaminar a polícia de Alagoas, do Ceará e do Rio Grande do Sul? Por que não admitir que todos erramos e que fizemos, em alguns lugares, mudanças ou acréscimos de prioridades para umas coisas, ou diminuição de prioridades para outras, que interferiram para modificar uma coisa que funcionava bem e que pode funcionar melhor? E que apenas não devemos modificar para que funcione pior?

Por outro lado, é preciso que se incorpore a noção de que disciplina não é apenas um dever do disciplinado, de quem recebe ordens, é um dever sobretudo de quem dá as ordens.

O Sr. Josaphat Marinho - Estamos criando as condições para que eles as sigam.

O SR. GERALDO MELO - É preciso que se criem condições ou que haja ambiente que favoreça o restabelecimento das noções antigas de autoridade, disciplina e hierarquia, que continuam sendo noções perenes e que não adianta fazermos aqui um mundo diferente do que ele é, porque o mundo é assim, com seus defeitos e qualidades. Estamos procurando melhorá-lo, retificá-lo, burilá-lo, mas ele continua a ser esférico e a girar em torno do Sol.

O Sr. Josaphat Marinho - Permita-me V. Exª um novo aparte?

O SR. GERALDO MELO - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Josaphat Marinho - Ao pensar no permanente é preciso também cuidar do transitório. Lembro a V. Exª até o que se diz a respeito da serenidade de uma decisão do Governador Milton Campos, diante de uma greve em um centro ferroviário, enfim, em um centro de serviço do Estado, fato de relativa gravidade, quando um de seus secretários se aproximou para dizer que tudo estava sob controle e que já estava seguindo uma tropa armada para resolver o problema, o Governador disse: Porque não manda o "trem pagador".

O SR. GERALDO MELO - Isso é muito semelhante a uma experiência que vivi no começo da minha vida, com pouco mais de vinte anos de idade, Secretário de Planejamento de um Governo que viveu, talvez, a primeira greve de Polícia deste País, que foi no Rio Grande do Norte, quando era Governador o Sr. Aluízio Alves.

Diante de todas as medidas de segurança tomadas, houve dois instantes jocosos: o primeiro, de um amigo do Governador que estava no Palácio distribuindo armas e apresentou-me uma pistola de calibre 45, perguntando se eu sabia usar. Eu disse que sabia, mas que gostaria de saber para quê.

A Polícia estava aquartelada e cercada por tropas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. E ele disse: - "E se por acaso não der certo e esse povo vier para cá?" Ao que respondi: - "Se aquele pessoal da Polícia passar pelo Exército, pela Marinha e pela Aeronáutica e chegar até aqui, penso que devemos nos entregar."

O segundo episódio foi que, naquela ocasião, chegou, nomeado pelo Presidente da República, um general, e o Secretário de Cultura daquele tempo, que era um poeta, vendo o entusiasmo de todos com aquela chegada, perguntou se ele havia trazido dinheiro - o que realmente resolveria tudo.

Gostaria de concluir, dizendo que é necessário que o Presidente da República saiba: estamos falando sobre disciplina, restabelecimento de disciplina e de autoridade, e é preciso que adiram a isso todas as hierarquias do Poder Público deste País, inclusive do Governo Federal. É muito simples dizer que todas as mazelas deste País serão resolvidas no momento em que se federalizarem as soluções.

Há poucos dias, Sr. Presidente, esteve aqui alguém que já se sentou nesta Casa, acompanhando um Secretário de Segurança de um Estado de uma região inteiramente diferente da minha. Esteve com o Ministro da Justiça para discutir questões de cumprimento de determinações judiciais, com a sua polícia, a fim de garantir a reintegração de posse a alguns proprietários que obtiveram um mandado da Justiça. Receberam do Ministro Iris Rezende toda a orientação no sentido de agir dentro da lei, mas com o rigor permitido num caso como esse.

Em seguida, foram a um outro órgão do Governo Federal e ouviram uma determinação peremptória ao Secretário de Segurança, ou seja, de que ele não poderia usar a polícia nem mesmo para cumprir decisão judicial. Dessa forma, não há noção de disciplina no mundo que agüente.

Creio, portanto, que é hora de repensarmos a responsabilidade de todos e de chegarmos a um discurso comum, todos os que queremos que este País viva em paz, que as famílias durmam em paz e que o Governo, liderado pelo nosso Presidente Fernando Henrique Cardoso, continue sendo, como é até hoje e como há de ser para o futuro e para a História, um grande e retumbante êxito para o povo brasileiro.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/08/1997 - Página 15529