Discurso no Senado Federal

RELAÇÃO ENTRE AS CRISES DAS POLICIAS MILITAR E CIVIL E A QUESTÃO DA FEDERAÇÃO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • RELAÇÃO ENTRE AS CRISES DAS POLICIAS MILITAR E CIVIL E A QUESTÃO DA FEDERAÇÃO.
Aparteantes
José Roberto Arruda.
Publicação
Publicação no DSF de 05/08/1997 - Página 15563
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, MOVIMENTO TRABALHISTA, GREVE, POLICIA MILITAR, POLICIA CIVIL, PROBLEMA, FUNCIONARIO PUBLICO, FALTA, REAJUSTAMENTO, SALARIO, PLANO, REAL.
  • ANALISE, CRISE, ESTADOS, PREJUIZO, FEDERAÇÃO, SERVIÇOS PUBLICOS, ESPECIFICAÇÃO, SAUDE, EDUCAÇÃO, ASSISTENCIA SOCIAL, SEGURANÇA, NECESSIDADE, VALORIZAÇÃO, SERVIDOR.
  • EXPECTATIVA, PROPOSTA, GOVERNO, RENEGOCIAÇÃO, DIVIDA PUBLICA, DEFESA, AMPLIAÇÃO, DEBATE, SOLUÇÃO, DESEQUILIBRIO, ESTADOS, UNIÃO FEDERAL.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos reabrindo os trabalhos do segundo período desta Sessão Legislativa ainda sob o impacto das manifestações da Polícia Militar e da Polícia Civil, ocorridas em quase todos os Estados do País, que se reuniram e pressionaram os governos estaduais em busca de reajustes em seus salários.

Esse movimento é apenas a ponta de um iceberg. Na verdade, não podemos desconhecer que, após três anos sem nenhum reajuste nos vencimentos, os funcionários estão altamente insatisfeitos, uma vez que há, reconhecidamente, uma inflação acumulada ao longo da vigência do Plano Real.

A adoção do Plano Real permitiu incorporar ao mercado de trabalho milhões de brasileiros, melhorando sua condição de vida, mas não se pode negar que, mesmo com essa estabilização, o custo de vida ainda se mostra alto para aqueles que percebem salários muito baixos.

Essa explosão de rebeldia das polícias, na verdade, reflete um mal-estar geral que existe no seio do funcionalismo. Os policiais, agindo indisciplinadamente contra a hierarquia que é própria das corporações militares e valendo-se de uma arma que a sociedade coloca em suas mãos para protegê-la, não para proteger o Estado ou mesmo quaisquer instituições, usaram essa arma para compelir, para forçar e constranger governadores a oferecerem reajustes com os quais, muitas vezes, os cofres dos Estados não podem arcar.

Na semana passada, em Fortaleza, iniciou-se um conflito entre policiais, resultando no ferimento do comandante da Polícia Militar do Ceará; tal fato, podemos dizer, foi a expressão máxima desse estado de insubordinação e de insurreição pelo menos de parte desses policiais.

Tenho por essas instituições, sobretudo pela Polícia Militar, uma grande consideração; são instituições mais que centenárias e com grandes serviços prestados ao País. No caso do Ceará, a ação firme, enérgica e decidida do Governador Tasso Jereissati terminou por dar ao episódio um alcance menor do que se imaginava. O Governador cearense, há meses, promoveu uma reformulação na organização das polícias que está começando a dar os primeiros resultados. O Governo Federal anuncia - ainda não sabemos exatamente em que termos, porque, aparentemente, existem opiniões e correntes contrárias dentro do próprio Governo - que vai adotar algumas providências em relação às polícias.

No fundo, o que preocupa também em relação a esses episódios é a questão da própria Federação. Precisamos meditar e examinar esses questões em profundidade para compreendermos o cenário em que se dão essas manifestações, porque o vínculo entre a União e os Estados é absolutamente necessário para que um país com a organização política do nosso possa alcançar o seu destino de nação justa, desenvolvida e democrática. Mas é um equilíbrio muito delicado, porque a União nunca poderá admitir - isto seria ilusório - que ela pode ser forte se os Estados vão mal. Por outro lado, as políticas macroeconômicas estão a cargo da União, e não poderia ser diferente, mas elas têm um reflexo direto nos Estados.

Não quero desconsiderar os casos de má gestão nos Estados, os casos em que governadores não assumem por inteiro as suas responsabilidades, cruzam os braços, e os Estados entram em falência por falta de ação administrativa do responsável por aquela unidade da Federação. Esses são casos que merecem o reparo que a democracia oferece, que é justamente a substituição desses governantes no momento próprio que as eleições asseguram.

Mas existem situações em que realmente não há como se exigir eficácia, eficiência desses governos estaduais, porque se trata de Estados exangues do ponto de vista financeiro e econômico. Tenho consciência de que o Presidente Fernando Henrique Cardoso conhece essa realidade, tanto que está propondo um amplo programa de reorganização econômica e financeira desses Estados, fazendo uma rolagem de suas dívida por um período de 30 anos.

Não podemos desconhecer que essa política macroeconômica da União teve efeitos diretos sobre os Estados. Por exemplo, os juros elevados determinaram um crescimento exponencial das dívidas estaduais e, conseqüentemente, levaram muitos desses Estados a uma situação de falência, de não poderem arcar com seus encargos, com as suas responsabilidades, com tudo o que diz respeito à ação dessas unidades federadas. Nem se diga que essa questão dos Estados corre por conta apenas do excesso de funcionários. Há Estados que procederam a ajustes gigantescos na sua estrutura administrativa. O Governador Mário Covas, por exemplo, entre administração direta e indireta, já exonerou mais de cem mil servidores. E, assim, outros Estados que puderam, dentro dos limites da lei, também agiram nesse sentido.

O que não podemos admitir é que, sob o argumento de se proceder a esse ajuste, a esse equilíbrio fiscal nos Estados, promova-se o sucateamento definitivo da administração pública. Se o Estado se exime - como creio seja o correto - de ser um Estado empresário, se aliena suas empresas, se deixa de ter uma participação direta na economia, de outro lado assistimos à necessidade de os governos investirem fortemente na área social - saúde, educação, assistência social e segurança, como os fatos estão mostrando. E pergunto: como se farão ações em saúde, educação, segurança e assistência social, sem funcionários? É impossível.

Recentemente, votamos aqui no Senado uma lei moderna, a Lei de Crimes contra o Meio Ambiente, atualmente sob apreciação da Câmara dos Deputados. Como se pode aplicar aquela lei se não houver um instrumento fiscalizador eficiente, que seriam os órgãos de meio ambiente, na União e nos Estados, e se esses órgãos não tiverem funcionários que possam executar essas tarefas?

Sr. Presidente, essa crise das polícias não pode ser vista apenas como uma crise de autoridade. As polícias realmente não poderiam ter feito o que fizeram; poderiam ter encontrado outras formas de manifestar seu protesto, sua insatisfação. Embora os salários estejam realmente baixos e em parte comprometidos pela inflação acumulada durante o Plano Real desde seu início, uma vez que não houve mais reajuste, os policiais não poderiam proceder como procederam, porque atentaram contra o princípio da ordem, da segurança pública, da hierarquia e mereciam realmente que os governos agissem com energia para reprimir as manifestações. Mas isso não elimina o problema, que ainda existe e deve ser solucionado, com a União e os Estados organizando as polícias, coordenando o sistema de segurança ou verificando a situação do funcionário público de uma maneira geral, que está pagando um preço realmente considerável com o congelamento dos seus salários desde o início do Plano Real. Por outro lado, as tarifas públicas de energia, de telefone e outras sofreram reajustes altos.

Creio que a lição a se tirar desse episódio, além dessas providências que vão acontecer no âmbito da questão policial e que devem ser examinadas sob o âmbito da federação, refere-se ao consórcio entre os Estados, a União e, inclusive, os Municípios, para que esse equilíbrio se dê e o País possa desenvolver-se sob a liderança do Presidente da República. Todavia, as situações dos entes federados devem ser consideradas.

O Sr. José Roberto Arruda - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. José Roberto Arruda - Senador Lúcio Alcântara, gostaria de me referir, no seu pronunciamento, às idéias básicas que os Senadores Geraldo Melo, Josaphat Marinho, Bernardo Cabral e eu colocamos aqui, na sessão de sexta-feira. Efetivamente, gera-se, num segmento da sociedade brasileira, a falsa expectativa de que o Presidente da República tem uma caneta mágica e que, em qualquer situação de crise, pode, com essa sua caneta, fazer milagres. Penso que o País do salvador da pátria já acabou, assim como o período dos truques e mágicas não está mais de acordo com a sociedade democrática que temos hoje. Uma falsa expectativa, então, normalmente leva a grandes frustrações. Como V. Exª assinala muito bem, o problema da segurança pública - e mais especificamente das polícias militares - é circunscrito aos Estados. Evidentemente, pode o Presidente - e não tenho dúvidas de que o fará - sugerir e até decidir dentro de um princípio federativo. Mas há limitações. Imaginar que o Presidente da República, num passe de mágica, tendo em vista os problemas que o País viveu, vá, com uma caneta mágica, produzir um milagre e que, a partir de depois de amanhã, tudo estará resolvido no reino da segurança pública é gerar uma falsa expectativa e plantar claramente frustrações. O Presidente - não tenho dúvidas - agirá com autoridade e firmeza, como é do seu estilo, mas também com muita ponderação e equilíbrio, respeitando inclusive os limites dos Estados brasileiros, que, como V. Exª bem assinalou, vivem problemas graves de contas públicas. Esses problemas, Senador Lúcio Alcântara, graças a Deus muito bem equacionados - inclusive a partir do exemplo do Ceará, o Estado de V. Exª, da atuação firme e responsável do Governador Tasso Jereissati - têm origem em injustiças grandes dentro dessas corporações em vários Estados brasileiros, injustiças essas que a reforma administrativa deseja resolver. Não se pode esquecer que a reforma administrativa deseja, por exemplo, que a diferença salarial entre os que estão na base da pirâmide e aqueles que estão no topo não seja tão grande, quanto o é em vários Estados do Brasil. Por último, é exatamente o modelo de reforma do Estado que se está propondo que pode dar condições aos Governadores de Estado de terem recursos para praticarem uma política salarial mais digna. Obviamente, esse é um dos problemas básicos que vivemos. Agora, todas as sugestões que partirem da Presidência da República - não tenho dúvida - encontrarão eco no Congresso Nacional, mas com base nessa linha de sensatez, de equilíbrio e sem inventar sugestões mágicas e radicais, que causam um grande momento de euforia no seu anúncio, mas, a médio e longo prazo, geram grandes frustrações.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado, Senador José Roberto Arruda.

Por uma questão de atraso no avião que deveria conduzir-me a Brasília, não tive oportunidade de estar presente à sessão de abertura, mas tomo conhecimento de que o assunto foi aqui debatido por nobres Senadores - cujo nome V. Exª mencionou -, entre os quais se inclui V. Exª.

Evidentemente, não é justo pensar que o Presidente da República possa, de uma penada, resolver um problema grave, que tem causas históricas acumuladas. No entanto, é inquestionável que a questão demanda uma observação, ou melhor dizendo, uma ação que se deflagre em mecanismos de modificação dessa situação, até porque - sei que o Presidente não pensa assim - não se deve entender que a União pode lavar as mãos por considerar que esse é um problema dos Estados. No fundo, a União não deixa de ser uma ficção política; ela existe porque há um conjunto de Estados reunidos. Uma das coisas em que se fala é a criação de uma guarda nacional. Tenho muitas dúvidas se isso é uma boa solução. Afinal de contas, em um País da dimensão do Brasil, que é uma Federação, é muito difícil ter-se uma unidade ou uma força que seja capaz de ter a mobilidade e a competência constitucional para cuidar desse tipo de problema. Mas é hora de recolher sugestões e de mobilizar todas as energias políticas para encontrarmos soluções para essas questões.

Sr. Presidente, para concluir, meditemos sempre no problema da Federação, dessa relação entre os Estados federados e a União, principalmente nas repercussões que têm as políticas macroeconômicas sobre os Estados. Por mais que os Estados queiram colaborar e respaldar politicamente essas iniciativas no campo da macroeconomia, há um efeito sobre eles muitas vezes trágico na perda de receita, no agravamento das contas públicas.

Espero que, com o projeto executivo que o Presidente da República enviou ao Congresso para o reescalonamento das dívidas dos Estados num prazo de trinta anos e essas outras medidas que se cogitam no campo das reformas constitucionais, possam os Estados recuperar poder de investimento e seus governantes tenham condições de cuidar daqueles assuntos pertinentes à Administração Pública Estadual.

Esperamos que nesta semana essas propostas sejam anunciadas e possam, como disse o Senador José Roberto Arruda, ser amplamente debatidas e melhoradas. Espero, enfim, que desse debate surjam propostas capazes de mudar o curso dos acontecimentos.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/08/1997 - Página 15563