Discurso no Senado Federal

CRITICAS AS ADMINISTRAÇÕES PUBLICAS FEDERAL, ESTADUAL E MUNICIPAL E AOS INCENTIVOS ILIMITADOS, CONCEDIDOS POR ALGUNS GOVERNOS ESTADUAIS, AS MONTADORAS DE AUTOMOVEIS.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • CRITICAS AS ADMINISTRAÇÕES PUBLICAS FEDERAL, ESTADUAL E MUNICIPAL E AOS INCENTIVOS ILIMITADOS, CONCEDIDOS POR ALGUNS GOVERNOS ESTADUAIS, AS MONTADORAS DE AUTOMOVEIS.
Publicação
Publicação no DSF de 05/08/1997 - Página 15566
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • CRITICA, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, EXISTENCIA, DISPOSITIVOS, POSSIBILIDADE, FRAUDE.
  • CRITICA, GOVERNADOR, PREFEITO, EXCESSO, CONCESSÃO, INCENTIVO FISCAL, INDUSTRIA AUTOMOTIVA, PREJUIZO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, RISCOS, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, INEFICACIA, REFORMA CONSTITUCIONAL, EXCESSO, LOBBY, REELEIÇÃO.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB-PR. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os precatórios ensinaram-me de Brasil mais do que os dois anos e meio de Senado. Não digo das falcatruas, das fábricas de safadezas montadas nas administrações estaduais e municipais, dos porões do sistema financeiro ou do caráter dos homens; digo da gestão governamental, da ilimitada irresponsabilidade com que a coisa pública é gerenciada.

Governar, hoje, é a arte de postergar deixando para amanhã o que deveria ter sido feito ontem.

A administração pública federal, estadual e municipal está minada com um sem-número de dispositivos letais, espalhados criminosamente e programados para explodir. E quem os arma sabe disso, por mais que tentem dissimular o tique-taque do relógio.

Os precatórios, os títulos emitidos e comercializados irregularmente, com generalizada complacência de quem deveria regulá-los, são tão-somente parte diminuta da fiação da bomba. Acompanham-nos no mecanismo as Antecipações de Receitas Orçamentárias, as famigeradas AROs. E precatórios legítimos e não pagos que se avolumam ano a ano. E à resma dos precatórios acrescentem-se as debêntures e mais títulos e mais papéis. Toneladas de falsas espertezas, de jeitinhos, de malandragens, com dia e hora marcada para a grande explosão do futuro.

Pois é contra o futuro - nem tanto remoto - que se administra o País, porque a palavra de ordem é safar-se hoje, que o amanhã a Deus pertence. E Deus, como sabemos, é brasileiro, dizem os intrujões.

Mas as bombas não se escondem apenas debaixo desse papelório farto, fácil. Atazanados pela realidade, incapazes de criar soluções e descobrir saídas simples, práticas, eficientes (eles detestam isso, é vulgar; preferem as grandes "sacadas"), os governadores e prefeitos guerreiam concessões, isenções, privilégios, protocolos secretos; de novo, imolando o futuro.

O caso das montadoras é exemplar. Todos as querem. Não contabilizam quanto as finanças públicas se comprometam; quanto as reais e mais sentidas aspirações populares sejam sacrificadas.

Tudo isso é de menos. Imbecilizados, não atentam que procedem como os prefeitos tão ridicularizados de antigamente, orgulhosos de suas fontes luminosas, de seus calçadões e coretos.

Leio agora uma entrevista do dito "profeta do capitalismo", Turow. Que diz ele? Que as montadoras viriam de qualquer forma. Que esse era o caminho natural, inevitável. Ou alguém tem alguma dúvida dos imensos ganhos da Renault ao fechar suas fábricas belga e portuguesa e migrar para o Brasil? Viriam, diz ele, sem concessões. Bastavam os incentivos federais.

Mas os nossos governadores e prefeitos as fizeram. Generosamente, irresponsavelmente. Cederam terreno, isentaram impostos e compareceram com dinheiro vivo. Associaram-se até mesmo na construção de revendas.

Em plena maré montante liberal de privatizações a qualquer preço, remam na contramão do que discursam e passam a fabricar automóveis, bicicletas, eletrodomésticos, remédios, tintas, brinquedos, bebidas.

Segundo alguns cálculos, giram hoje pelo mundo, à busca de aplicações, de 40 a 70 trilhões de dólares. E nós, tão faltos de recursos, sacrificamos os nossos poucos milhões em sociedades inimagináveis, inexplicáveis, inadmissíveis, por exemplo, ao próprio "profeta do capitalismo".

Mais uma vez, bombas armadas contra o futuro. Mas que interessa a eles o futuro diante da glória de hoje de soltar rojões e desfilar pela mídia fantasiados de mecenas automobilísticos?

Pior: mentem. Despudoradamente mentem quanto ao número de empregos que essas concessões de capitanias vão gerar. Mentem quanto aos resultados financeiros em impostos, renda, riquezas, atividades subsidiárias e empregos indiretos. Incham os números, estufando suas administrações vazias de realizações que realmente interessem à população.

Ao mesmo tempo, simultaneamente, perdem o controle das finanças públicas. É regra. A regra constitucional relativa à porcentagem fixada com os gastos da folha de pagamento foi ao lixo. Estados como o Paraná e Alagoas queimam hoje 90% do que arrecadam na folha. E, para pagar a folha, vendem estatais. Que bela trama! Estatais saudáveis, lucrativas, em liquidação, para financiar revendas de carros importados.

Diante disso, como age ou reage o Governo Federal? Que pressões sobre os desmandos estaduais e municipais?

Silêncio. Conivência.

Mesmo porque o pior exemplo vem do centro do poder, do Planalto Central deste País tropical que elegeu Deus brasileiro. Ad maiorem Dei gloriam.

Cheio de si mesmo, cada dia mais entediado com a convivência mortal, que insiste em exibir sua natureza perecível, o nosso rei sol ofusca-se com o próprio brilho e não vê mais que a sua luz divina. O Presidente é o supremo mestre das bombas, o senhor da pólvora, o armador das espoletas, o exterminador do futuro.

O passado mexicano e os miados de hoje dos tigres asiáticos não o demovem. Nada do que acontece com os outros assemelha-se à nossa realidade; ainda que seja a mesma política econômica, as mesmas mágicas cambiais, com bandas, minibandas cada vez mais desafinadas, os mesmos e insistentes déficits e os mesmos planetários especuladores.

No entanto, o príncipe dos sociólogos não vê relação nenhuma com o Brasil, adicionando com isso mais pólvora ao petardo. Ah! sim, as reformas. Aproveita a ocasião para insistir em "suas" reformas. Epidérmicas, pífias, ridículas. Um verniz vagabundo, desbotado sobre o casco arrombado deste Brasil Titanic.

Reformas fiscal, tributária, agrária, bancária, urbana? Políticas industrial, agrícola e de exportações? Reforma política? Realinhamentos institucionais? Disciplinas para o mercado? Não! Que do futuro interessa a reeleição. Tão-somente.

E assim caminhamos. Sem governos. Apenas fabricantes e armadores de bombas. Sem compromissos com a História. Pantagruélicos, devoram hoje a nossa fome de ontem e a possibilidade da mesa do amanhã.

E nós? Que nos dizemos à esquerda que ainda não permitimos se apagasse a brasa da utopia de uma sociedade justa, igualitária, fraterna? E nós que fazemos?

Os saudosistas, os que capitularam, os que estenderam a bandeira branca e se acomodaram dizem: "Nossos velhos sonhos eram bons sonhos". E se conformam: "Foi bom tê-los sonhado". E ficam na mesa do bar das recordações, inertes.

Não! Os nossos velhos sonhos eram bons sonhos e, por isso mesmo, devemos investir para que tornem realidade. Começando, Sr. Presidente, desde já. Desarmando desde já as bombas espalhadas País afora para explodir o futuro.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/08/1997 - Página 15566