Discurso no Senado Federal

DESEQUILIBRIOS REGIONAIS. REPASSES DESIGUAIS DE RECURSOS DO SUS, PRIVILEGIANDO ALGUNS ESTADOS EM DETRIMENTO DE OUTROS.

Autor
Waldeck Ornelas (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Waldeck Vieira Ornelas
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • DESEQUILIBRIOS REGIONAIS. REPASSES DESIGUAIS DE RECURSOS DO SUS, PRIVILEGIANDO ALGUNS ESTADOS EM DETRIMENTO DE OUTROS.
Aparteantes
Edison Lobão.
Publicação
Publicação no DSF de 05/08/1997 - Página 15570
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • CRITICA, DESEQUILIBRIO, POLITICA NACIONAL, MANUTENÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, INFERIORIDADE, DESTINAÇÃO, RECURSOS, REGIÃO, MAIORIA, POPULAÇÃO CARENTE, ESPECIFICAÇÃO, CREDITO EDUCATIVO, SALARIO EDUCAÇÃO, FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS), VERBA, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS).
  • ANALISE, PROBLEMA, NATUREZA FISCAL, ESTADOS, ESPECIFICAÇÃO, EXCESSO, INCENTIVO FISCAL, INDUSTRIA AUTOMOTIVA.
  • ANALISE, ESTATISTICA, APLICAÇÃO, REGIÃO, BRASIL, RECURSOS, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), GASTOS PUBLICOS, QUADRO DE PESSOAL, ESTADOS, INFERIORIDADE, SITUAÇÃO, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE.
  • NECESSIDADE, CORREÇÃO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), ALTERAÇÃO, MODELO, DISTRIBUIÇÃO, RECURSOS, DEFESA, RESPONSABILIDADE, DESCENTRALIZAÇÃO.

O SR. WALDECK ORNELAS (PFL-BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente Emilia Fernandes, Srªs e Srs. Senadores, reiteradas vezes vim a esta tribuna para analisar aspectos do que tenho chamado de princípio do desequilíbrio institucionalizado. São práticas administrativas, normas legais vigentes que são tomadas como normais, mas que acentuam, consolidam, legitimam e fortalecem os desequilíbrios em nosso País, sempre com caráter discriminador em relação às regiões mais pobres, às regiões mais carentes.

Em artigo publicado há cerca de um ano que foi trazido ao conhecimento deste Plenário em pronunciamento do Senador Ney Suassuna, tive a oportunidade de chamar a atenção para alguns desses aspectos. Referia-me na ocasião ao crédito educativo, em que apenas um resíduo dos recursos voltados para esses programas se destinam às regiões mais carentes, exatamente o inverso do que deveria ocorrer.

Referia-me também ao salário-educação, do qual os Estados ficam com dois terços dos recursos, mas que são distribuídos com amparo na arrecadação de cada Estado e não com base em um bolo nacional dos recursos, o que permitiria uma redistribuição das suas aplicações. Igualmente com relação aos recursos do FGTS, que, reservados sobretudo ao saneamento básico, são destinados fundamentalmente às regiões que dispõem de mais elevado volume de serviços, mais elevado nível de atendimento, em detrimento daquelas regiões mais carentes. E são recursos para financiamento; não se trata de recursos a fundo perdido.

As aplicações do BNDES também têm tido essa marca característica de consolidar a concentração nas regiões mais desenvolvidas, sem buscar uma ação para descentralizar esses recursos e, com isso, fomentar a desconcentração da economia nacional.

Até mesmo a política de irrigação não perde o caráter assistencialista, para possibilitar que se tenha um modelo de ocupação que estimule a exploração empresarial dos projetos públicos, com a geração de empregos estáveis e salários mais elevados, firmando uma vocação já reconhecida do Nordeste, uma vocação competitiva em nível internacional, a da fruticultura irrigada.

Há também a guerra fiscal em que os Estados se encontram hoje envolvidos e à qual poderemos pôr um fim, a partir da próxima semana, quando discutiremos a Emenda Constitucional nº 19/96, que trata dos limites aos incentivos do ICMS praticados pelos Estados.

Referi-me, ainda naquela ocasião, ao regime automotivo, o único setor corrigido até agora, mediante medida provisória que resultou de uma ação iniciada nesta Casa e para a qual o Presidente da República emprestou, de logo, o seu apoio. Fica claro, com os efeitos que tivemos com a medida provisória do sistema automotivo, que é indispensável uma política nacional de desenvolvimento regional. Aliás, a falta de política nesse sentido tem sido, com freqüência, considerada a causa básica da guerra fiscal em que se encontram envolvidos os Estados brasileiros.

Venho hoje a esta tribuna para também incluir nesse rol o setor saúde, cujo papel na consolidação dos desequilíbrios deve ser medido pelos diferenciais dos gastos per capita em nível estadual, realizados em 1996. Com efeito, temos uma média nacional de R$50,24 por habitante, no ano de 1996, no País. No entanto, registra-se um per capita máximo de R$63,39 no Estado do Paraná. Acima da média, contudo, estão apenas seis Estados. E quais são eles? Paraná, São Paulo, Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Excetuando-se o Distrito Federal, todos os demais estão localizados nas Regiões Sul e Sudeste do País. Abaixo da média nacional encontram-se 21 Estados, sendo que aquele que apresenta o per capita mais baixo é exatamente o Estado de Roraima, com R$25,41, o que significa 50%, ou seja, metade da média nacional, 40% do per capita máximo verificado. Vejam que não estamos comparando valores absolutos e sim percentuais do que foi aplicado no País, no ano de 1996, em relação a cada habitante.

Como conseqüência, temos que a Região Norte, com 7,2% da população nacional, recebe apenas 4,4% dos recursos do SUS; o Nordeste, com 29% da população e metade dos pobres do País, recebe apenas 23,7% desses recursos; o Sudeste, com 42,4% da população, recebe 48,9% dos recursos. O Estado de São Paulo, especificamente, com 21,6% da população, recebe 26,9% dos recursos, ou seja, dos 6,5% de acréscimo do Sudeste, São Paulo sozinho abocanha nada menos que 5,3%. É a concentração dentro da concentração.

Isso sem se considerar que parcela significativa da população dos Estados mais ricos, em face ao mais elevado nível de renda, dispõe de outros meios para cuidar de sua saúde. Levantamento da Associação Brasileira das Empresas de Medicina de Grupo mostram que em 1994, enquanto apenas 0,2% da população de Rondônia tinha algum tipo de plano de saúde, esse percentual se elevava para nada menos que 26% em São Paulo. Isso agrava ainda mais o quadro da concentração, mostrando forte distorção na aplicação desses recursos.

O Sr. Edison Lobão - V. Exª permite-me um aparte, nobre Senador Waldeck Ornelas?

O SR. WALDECK ORNELAS - Pois não, nobre Senador Edison Lobão.

O Sr. Edison Lobão - Senador Waldeck Ornelas, o que V. Exª relata alguns de nós já conheciam, porém clama aos céus a injustiça que se pratica no País no que diz respeito ao Nordeste brasileiro, cuja população equivale a 1/3 da população brasileira. Todavia, os recursos que o Nordeste recebe para saúde são inferiores aos destinados ao Estado de São Paulo. Há um dado, que me parece especial, para o qual quero chamar a atenção de V. Exª: a população mais pobre, mais carente, é exatamente a que mais adoece. E mais adoece porque razão? Primeiro, porque é mal nutrida, o que não ocorre nas regiões mais ricas. Segundo, e principalmente, porque nas regiões mais carentes, mais pobres, praticamente não existe serviço de saneamento básico nem água tratada de boa qualidade. E não há remédio melhor para a cura e a prevenção de doenças do que a água de boa qualidade oferecida à população. Na medida em que não há água de boa qualidade, as pessoas, repito, adoecem muito mais. E é exatamente a faixa da população que mais adoece que menos recebe recursos do Ministério da Saúde. Alguma coisa está profundamente errada, e é contra isso que se levanta V. Exª, representando a voz dos nordestinos. Trago aqui a minha palavra de solidariedade a V. Exª pelo tema que levanta, nesta tarde, no Senado da República.

O SR. WALDECK ORNELAS - Agradeço o aparte de V. Exª. Isso ocorre não apenas no Nordeste, mas, de modo geral, também no Norte e no Centro-Oeste, as regiões mais pobres da Federação.

Essa mecânica da concentração tem um sentido. Veja V. Exª que dos cinco Estados que mais gastam com pessoal, em relação aos dados de 1996, três são, coincidentemente, os que mais recebem recursos do SUS per capita.

O gasto com pessoal do Rio de Janeiro, em 1996, foi de 87,5%, e os recursos per capita recebidos do SUS foram R$54,85; o Rio Grande do Sul gastou 86,8% com pessoal e recebeu R$59,57 per capita do SUS; o Paraná teve 76,8% de gasto com pessoal e recebeu R$63,39 per capita do SUS, o mais alto do País, com a agravante de que o Paraná aplica somente 5% de seus recursos próprios em saúde. Esses Estados aplicam menos em saúde para compensar o seu desajuste fiscal.

O que se observa, Srªs e Srs. Senadores, é que esses Estados não fizeram os seus ajustes fiscais e estão sendo subsidiados pelo Governo Federal mediante o Sistema Único de Saúde.

Mais uma vez aqui se pune a eficiência de quem gasta menos com pessoal. Esses, coincidentemente, recebem menos recursos do SUS.

É o caso de Roraima, que gasta 33,1% com pessoal e recebe R$25,41 per capita do SUS, o mais baixo de todo o País; Tocantins gasta 40,7% com pessoal e recebe R$35,56 per capita do SUS; Amazonas gasta 49,3% com pessoal e recebe R$28,90 per capita do SUS; Ceará gasta 51% com pessoal e recebe R$45,33 do SUS - todos abaixo da média nacional-; Bahia está em quinto lugar, com 56% de gasto com pessoal e R$33,01 de recursos do SUS - é o 4º Estado do Brasil em população e o 21º no recebimento de recursos do SUS, em termos per capita, bem abaixo da média nacional.

É por essas e outras, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que o Brasil é um país injusto, como diagnosticou o Presidente Fernando Henrique Cardoso.

E quem denuncia essas distorções é o próprio Ministro da Saúde, quando diz que vivemos hoje a lógica do faturamento.

Com efeito, os repasses aos Estados e Municípios não são feitos em função das necessidades da população, mas em decorrência do faturamento da rede de saúde; daí a inversão de prioridades.

O resultado é que ações como o Programa do Leite, a compra de medicamentos, o combate à dengue, a assistência à saúde da família e tantos outros de interesse social acabam ficando sem recursos.

Precisamos, por isso mesmo, corrigir o SUS. Essas distorções decorrem do pagamento com produção.

É um absurdo que as áreas do país que concentram maior número de pobres sejam exatamente as que recebem menos recursos. Elas não recebem sequer para os serviços mais simples, enquanto nos Estados mais desenvolvidos se concentram os gastos para atender aos procedimentos mais complexos.

Isso resulta do modelo equivocado que paga de acordo com a prestação dos serviços e não de acordo com as necessidades da população. É o mesmo desvio que se vê no crédito educativo, em que a oferta ocorre em função da disponibilidade de serviços pela rede de educação. Na rede de saúde na distribuição dos recursos não se observa as carências da população. É um absurdo que pode ser corrigido com simples medidas administrativas, mas que não será corrigido se depender de colegiados corporativistas.

É fundamental que se faça a descentralização, mas esta não pode dar-se aleatoriamente, de modo anárquico, como vem ocorrendo em nosso país. A experiência mostra que não basta que a União deixe de exercer determinada função, que deixe de prestar determinado serviço para que outro nível de Governo a assuma.

Descentralizar não garante, automaticamente, prioridade para as ações preventivas. São indispensáveis ações de capacitação e de assistência técnica, capitaneadas pelo Governo Federal, seja por meio de órgãos próprios, seja por meio de órgãos dos Estados, seja por meio de entidades civis mobilizadas para esse mister. Só assim serão asseguradas a eficiência da aplicação dos recursos e a definição de critérios objetivos para as prioridades que devem ser observadas. Do mesmo modo é fundamental que haja uma política de recursos humanos. Vemos que em São Paulo existem 18,7 médicos para cada 10 mil habitantes. Esse número cai abruptamente para 7,8 para cada 10 mil habitantes, na Região Nordeste e para 6,1 na Região Norte. Há, portanto, ainda, necessidade imperiosa de criação de cursos de Medicina nas áreas menos desenvolvidas do Brasil, sem concessões ao corporativismo, que julga já existir no País número suficiente de profissionais em relação a padrões adotados, mas sem observar a distribuição espacial e territorial desses profissionais. O que se conclui daí é que o País precisa de uma política global de descentralização. O que defendemos em relação ao setor industrial também queremos em relação aos serviços sociais que devem ser prestados à população.

Sra. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se for preciso, faremos uma lei para evitar que o discricionarismo administrativo impeça que essas correções sejam feitas. O Senado teve papel importante na aprovação da CPMF. Foi aqui que nasceu a emenda. Ainda há pouco, ao apreciar a emenda da Previdência, a CCJ aprovou a transformação da CPMF em contribuição permanente, mas ela precisa ser, antes de tudo, instrumento de justiça social. Várias medidas podem ser alinhadas sem sentido de exaustão da matéria, mas algumas se impõem.

1. É preciso que o per capita seja nacionalmente unificado;

2. Mais ainda, que os Estados mais pobres recebam proporcionalmente mais, para superar distorções que se refletem nas mais elevadas taxas de mortalidade infantil, de morbidade e nas mais baixas taxas de expectativa de vida;

3. A implantação do piso de atendimento básico, ora proposto pelo Ministro da Saúde - R$1,00 por habitante/mês - deve ser visto como um paliativo, não como solução, apenas o primeiro passo para corrigir distorções, já que nada menos que 82% dos municípios brasileiros recebem recursos abaixo desse nível. Isso quer dizer que de dez municípios oito recebem menos de R$1,00 por habitante/mês para atendimento de saúde; dos quase seis mil municípios brasileiros cerca de cinco mil estão nessa situação;

4. É indispensável reformular a estrutura de gastos dos recursos do SUS para enfatizar a medicina preventiva, a saúde pública, a vacinação e o controle de endemias, que não têm tido a atenção devida;

5. Os Estados e municípios não podem se eximir de suas responsabilidades na área da saúde. Os seus recursos próprios precisam ser adicionados aos da União, para que o País possa ter uma política de saúde que alcance a todos os brasileiros.

Quero, neste momento, convocar o Senado, para que possamos corrigir essa injustiça que solapa a Federação e compromete o futuro do nosso País.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/08/1997 - Página 15570