Pronunciamento de Jefferson Peres em 06/08/1997
Discurso no Senado Federal
HOMENAGEM A MEMORIA DO EX-PRESIDENTE ERNESTO GEISEL.
- Autor
- Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
- Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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HOMENAGEM.:
- HOMENAGEM A MEMORIA DO EX-PRESIDENTE ERNESTO GEISEL.
- Publicação
- Publicação no DSF de 07/08/1997 - Página 15766
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
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- HOMENAGEM POSTUMA, ERNESTO GEISEL, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.
O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente; Srªs e Srs. Senadores; Srs. Oficiais e Generais; demais autoridades presentes:
Ocupo esta tribuna para prestar minhas homenagens a um chefe militar e estadista brasileiro que, em meio século de vida pública, logrou cavar para si um nicho dos mais respeitáveis na galeria dos grandes modernizadores nacionais.
Ernesto Geisel, mais que testemunha ocular, foi "observador engajado" de dramáticos e significativos momentos da vida brasileira, desde o ciclo de crises do republicanismo oligárquico que explodiram na Revolução de 1930 até o encerramento do último surto de intervencionismo armado em nossa política, ao qual presidiu com a determinação, inteligência e coragem habituais. Entre esses dois marcos históricos, esteve presente em eventos decisivos para o nosso destino, tais como a reação do Governo Provisório de Getúlio Vargas à Revolução Constitucionalista de 1932; a instauração do regime ditatorial do Estado Novo, de 1937, conseqüente aos movimentos extremistas de esquerda e de direita (a rebelião comandada pela Aliança Nacional Libertadora, em 1935, e o putsch integralista contra o Palácio da Guanabara, em 1938); a participação da Força Expedicionária Brasileira no esforço aliado durante a Segunda Guerra Mundial; a redemocratização de 1945; os primórdios do moderno planejamento econômico no Governo do Marechal Eurico Dutra e no segundo Período Vargas; o nó górdio do impasse sucessório de 1955, rompido afinal pela espada legalista do Marechal Henrique Lott; os anos dourados do desenvolvimentismo com democracia sob o Presidente Juscelino Kubitschek; a comoção gerada pela renúncia de Jânio Quadros, a quem Geisel serviu como Chefe da Casa Militar; a natimorta solução parlamentarista; a instabilidade populista do Governo João Goulart; a agonia do poder civil em 1964; a implantação do regime autoritário do qual Ernesto Geisel viria a ser o terceiro e penúltimo Presidente.
Expoente da facção mais moderada e esclarecida desse regime, Geisel sempre esteve aliado ao Marechal-Presidente Humberto de Alencar Castello Branco e de seu velho conterrâneo e companheiro, de armas e idéias, General Golbery do Couto e Silva, na verdadeira queda-de-braço travada contra a chamada linha-dura, partidária da eternização da presença militar na política e inicialmente vitoriosa nos episódios da sucessão de Castello pelo Marechal Arthur da Costa e Silva; da imposição do Ato Institucional nº 5; da instauração da Junta Militar em substituição a um Costa e Silva moribundo; e da ascensão do General Emílio Garrastazu Médici à chefia do Governo.
Foram os nossos anos de chumbo, com censura total à imprensa e desrespeito brutal aos direitos humanos. Temporariamente afastados do centro decisório do regime, Geisel e Golbery observavam, alarmados, a conseqüência que lhes parecia mais danosa do indefinido prolongamento do arbítrio: a partidarização do estabelecimento militar, com gravíssimas conseqüências para seus dois alicerces - a hierarquia e a disciplina.
Em seu gabinete na presidência da Petrobrás, durante o governo Médici, Geisel amadureceu o projeto de "abertura lenta, gradual e segura", que, por fim, seria chamado a executar a partir de 1974, depois que o Colégio Eleitoral homologou seu nome como Presidente da República.
Sua primeira medida foi a abolição da censura à grande imprensa, com imediato efeito benéfico de oxigenação do debate político. Inabalável em sua férrea decisão de cumprir um cronograma de liberalização até o fim de seu mandato, coroando-o com a extinção do AI-5, foi implacável tanto com os partidários do imobilismo, abrigados no bunker do aparato repressivo, quanto com os oposicionistas que reivindicavam a aceleração do processo liberalizante. Puniu torturadores e cassou mandatos, fechou o Congresso, com o "pacote de abril" em 1977, mas cumpriu sua autodesignada missão.
Pode parecer estranho a muitos que o Senado Federal esteja homenageando quem, em determinado momento, fechou o Congresso, impondo-lhe um recesso compulsório. Mas, como bem acentuou o Senador Edison Lobão, talvez tenha sido a medida necessária de que Geisel, constrangido, lançou mão talvez para evitar dar o pretexto que alguns bolsões radicais gostariam de ter, quem sabe, para fechar em definitivo esta Casa.
O General João Baptista Figueiredo, que Geisel impôs como seu sucessor, concluiria a obra da abertura, proclamando a anistia aos inimigos do regime e mais tarde devolvendo o poder aos civis.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não vejo razão para mitificar a figura de Ernesto Geisel despojando-o de sua dimensão humana e, portanto, falível, limitada e imperfeita. Erros terá cometido. Não é este, no entanto, o momento de apontá-los, tarefa que deixo para seus biógrafos e historiadores. Importa, hoje e aqui, acima de tudo, assinalar que ganhou relevo como último representante, talvez, de uma geração de homens públicos de imaculada honradez, cujo caráter, a vontade, aquilo que Maquiavel chamou de virtù, serve de paradigma para todos nós, inclusive para os que dele divergiram.
Esse é o seu principal legado, Sr. Presidente, e tenho certeza de que o balanço da história há de fazer justiça à memória de Ernesto Geisel.
Era o que eu tinha a dizer.