Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM A MEMORIA DO EX-PRESIDENTE ERNESTO GEISEL.

Autor
Francelino Pereira (PFL - Partido da Frente Liberal/MG)
Nome completo: Francelino Pereira dos Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A MEMORIA DO EX-PRESIDENTE ERNESTO GEISEL.
Publicação
Publicação no DSF de 07/08/1997 - Página 15767
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ERNESTO GEISEL, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL-MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Antonio Carlos Magalhães; Amália Lucy - permita-me o tratamento da convivência e da admiração; companheiros e amigos de governo do grande Presidente Geisel:

Antes de tudo, gostaria de fazer um registro. Tenho a certeza de que esta é uma sessão muito sensível ao coração e à inteligência de V. Exª, Sr. Presidente, pelos laços de amizade, respeito e admiração que V. Exª sempre teve para com a grande figura histórica de um dos maiores Presidentes desta Nação: o saudoso e honrado Presidente Geisel.

Imaginei escrever com vagar alguma coisa que pudesse simbolizar mais a emoção do convívio do que os fatos históricos dos quais todos nós participamos, de forma especial, este orador e o Presidente Geisel, durante longos, tormentosos e vitoriosos anos de vida pública.

Quero dizer, desde logo, que a austeridade e a dimensão desta Instituição não me impedem o sentimento da emoção, e desejo registrá-lo exatamente para que todos se convençam de que, ao longo dos anos, ele permanece na minha alma, no meu espírito e no meu coração. Em determinado instante, não sei ainda por que razões, ainda no Rio de Janeiro, antes de assumir a Presidência da República, ele chamou, para conversar, o mais ou menos jovem Deputado Federal, sobre o destino desta Nação, sobre a dimensão e as inquietações desta Casa e sobre as inconformidades da sociedade brasileira.

Ernesto Geisel, Presidente do Brasil entre 1974 e 1979, deixou sua Pátria aos 88 anos, na quinta-feira, 12 de setembro de 1996, às 11h50min, na Clínica São Vicente, no bairro da Gávea, no Rio de Janeiro. Seu corpo foi trasladado para o Palácio das Laranjeiras, onde recebeu as homenagens do povo, das autoridades, das lideranças políticas e da alma nacional.

O Vice-Presidente Marco Maciel, os Senadores Antonio Carlos Magalhães, Joel de Hollanda e José Sarney e eu fomos ao Palácio das Laranjeiras, para olharmos, pela primeira vez, o perfil do homem público que empalmou o sentimento e a esperança, não apenas no plano do caráter e do patriotismo, mas também quanto ao destino que esta Nação procurava, rumo ao restabelecimento da democracia.

O gesto do Presidente Fernando Henrique Cardoso, logo depois de eleito, de uma visita especial ao ex-Presidente Ernesto Geisel representou o reconhecimento de sua posição como Chefe de Estado que conduziu o País à abertura e à distensão política e, na seqüência, à democracia plena.

Fernando Henrique Cardoso fez essa visita movido pelo sentimento do respeito a quem, no exercício da vida pública, fez da honradez - literalmente a honradez - a sua bandeira, honradez que transmitiu aos seus auxiliares no curso da vida pública. Nunca furtou, nunca roubou, jamais permitiu que um seu auxiliar, por mais modesto ou exponencial que fosse, cometesse a indelicadeza, perante a História, de um ato desairoso de ofensa aos cofres públicos e ao sentimento da nacionalidade.

O Brasil ficou de luto por oito dias, decretado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, que, na época do Governo Geisel, era um militante de oposição ao regime.

Quero, neste momento, acrescentar texto extraído da nota divulgada pelo Palácio do Planalto sobre a morte do Presidente Geisel, assinada por Fernando Henrique Cardoso:

      "A conduta exemplar do General Geisel depois do cumprimento do seu mandato só fez aumentar o respeito que lhe prestam os brasileiros que com ele conviveram."

O outro texto é do vice-Presidente Marco Maciel:

      "Como Presidente da República, ele tinha inspiração estratégica, intuição tática e visão política, requisitos indispensáveis que fazem do político um homem público e do homem público um estadista."

Texto de quem conviveu, admirou e ainda admira a imagem, a lembrança e a história do Presidente Geisel.

O brazilianista Thomas Skidmore escreveu:

      "Geisel deixou o poder em 1979, prometendo jamais voltar a ter papel político. Assumiu um alto cargo executivo na empresa química Norquisa, posição na qual seus muitos contatos civis e militares provaram-se úteis."

O Senador José Sarney escreveu:

      "Encontramo-nos algumas vezes na campanha de Tancredo, que ele discretamente ajudou a articular e que apoiou."

Quando eu renunciava à presidência da empresa siderúrgica Acesita para assumir um papel na União Nacional, por convocação do ilustre mineiro Tancredo Neves, fui ao Rio imediatamente, com a carta de demissão dirigida ao então Presidente João Baptista Figueiredo, para ouvir a opinião do Presidente Geisel. Ele me disse simplesmente:

      "Esse é o nosso caminho; é o seu caminho. Deixe a Presidência da empresa e some-se ao sentimento de Minas e do Brasil, para elegermos um homem da dimensão de Tancredo Neves, que possui todos os ingredientes necessários para promover a transição política do País, sem pancadarias, sem tiros, sem mortes, em plena paz e em plena democracia."

Sarney também disse:

      "Geisel abriu a imprensa, ampliou as faixas de debate na sociedade, revogou a Lei de Segurança e, por último, o AI-5. Estava aberta uma importante faixa para a normalidade democrática."

O nosso ex-Ministro e Senador Jarbas Passarinho escreveu:

      "Militar de escol, era emblemático no Exército e referencial de minha arma de origem, a Infantaria."

E mais:

      "Deixa-nos um legado em que avultam a probidade inflexível, a austeridade como conduta permanente e o amor devotado ao Brasil. Em uma palavra: deixa-nos um exemplo a seguir."

Também, escreveu o Deputado José Genoíno, do Partido dos Trabalhadores:

      "Geisel reformou o regime, antecipando-se à própria crise, para não perder o controle do processo da redemocratização, e permitiu que os militares saíssem de cena sem traumatismo e com um grau razoável de legitimidade."

Por último, citaria o cineasta Gláuber Rocha, que creditava a Geisel um "regime novo". Com algum exagero, Gláuber considerava Geisel como um dos maiores estadistas do mundo. Textualmente, dizia:

      "Desde 1974, quando assumiu - eu no exílio - senti que era uma pessoa destinada a salvar o Brasil de um regime fascista que poderia chegar ao ano 2000!"

Esse é o testemunho e esta é a história que começou a fazer justiça ao Presidente Geisel. Vamos falar com muita clareza: a História fez justiça a Geisel antes de ele morrer e antes mesmo que ele deixasse a Presidência da República, porque as forças políticas que se opunham ao sistema então dominante reconhecem que ele foi, sem dúvida, o que mais se empenhou, entre todos os brasileiros da Situação ou da Oposição, pelo restabelecimento da plenitude democrática nesta Nação.

É bom lembrar Milton Campos, que, ainda no Governo Castello Branco - eu não convivi com esse Governo -, quando advertido de que estava numa posição contrária ao sentimento da democracia no Brasil, disse, no Congresso Nacional, que era preciso entender que todos os brasileiros estavam em busca da democracia e da felicidade, uns de um lado do rio, outros do outro lado, mas ambos os grupos buscando a democracia e a paz para este País. A abertura política foi lenta, gradual, mas se transformou em uma realidade. Geisel deixou um legado para o País.

Aí está, Srªs e Srs. Senadores, à família homenageada o testemunho de que o papel desempenhado pelo Presidente Geisel para restabelecer a democracia no País está muito acima de qualquer outro desempenho, de qualquer brasileiro, qualquer que tenha sido no passado o seu papel no exercício da vida pública e política.

Recordo-me, certa noite, quando Sua Excelência chamou-me para uma conversa. Após entendimento mantido com as lideranças da Nação, transmitia-me o convite para assumir a Presidência Nacional da Aliança Renovadora Nacional, partido que oferecia sustentação política e parlamentar ao Governo de então. Disse ao Presidente que toda a minha formação política, buscada nas montanhas e na história de Minas Gerais, era impregnada do sentimento de devoção constitucional e que simplesmente desejava saber, no momento em que me era formulado o convite para conduzir o destino de um grande partido, qual seria o rumo desta Nação. E Geisel, serenamente, disse-me - de lembrança, mas textualmente -: "Meu caro Francelino, assuma a Presidência do Partido. Eu estou na Presidência da República. Você vai deixar a Presidência da Aliança Renovadora Nacional e eu vou deixar a Presidência da República com a democracia plenamente restabelecida no meu Governo".

E assim o fez. E foi assim que eu me aliei ao Presidente Geisel. Por que não me aliei aos Presidentes anteriores no sentimento e ação? Sempre fui de certa forma um divergente e, até em determinado período, como em 1978, fui listado para ser objeto de uma possível cassação - o episódio de Márcio Moreira Alves; nada me atingiu, porque recebi de Geisel, como recebi de meu pai, o sentimento da honradez, da seriedade, da credibilidade no exercício da vida pública.

Geisel era uma figura efetivamente exponencial, com grande amor pela juventude, que sempre dizia "Vamos buscar os jovens". E eu dizia a Armando Falcão, a Golbery e ao próprio Presidente Geisel: "Não adianta buscarmos os jovens, porque os jovens não se aliam a um regime de exceção, a um regime que não se caracteriza pela plena democracia. Só depois de concluirmos este estágio é que então poderemos buscar o apoio da juventude brasileira".

E assim aconteceu.

O Presidente Geisel sempre teve um projeto para o Brasil de desenvolvimento e de crescimento. Era um nacionalista, com um sentido mais tipicamente de patriota, que ele cumpriu com a mais absoluta isenção. Os testemunhos de toda a sua vida pública revelam que foi efetivamente um grande estadista.

Recordo-me, Senador Bernardo Cabral, de um dia em que, participando de uma concentração no seu Estado, o Amazonas, logo após o encerramento da reunião, andei pela cidade e percebi que em todas as televisões dentro das lojas de Manaus o Presidente falava e o povo amazonense ouvia atentamente cada palavra, cada gesto do Presidente.

Quando o Presidente visitou a Alemanha, não houve um brasileiro que não sentisse o orgulho do cidadão que presidia o Brasil e que estava representando esta Nação no estado onde nascera seu pai. Era o Brasil todo admirando e respeitando, com orgulho, a presença de Geisel no exterior, no país onde nasceu seu pai.

Por todas essas razões, Sr. Presidente, é que venho à tribuna para transmitir à família Geisel, a nossa querida D. Lucy, discreta, delicada, inteligente, muito querida, a sua filha, que está aqui a nos olhar, e aos seus amigos presentes o testemunho de quem muito aprendeu com o Presidente Geisel e dele recebeu lições que jamais podem ser esquecidas. Claro, evidente, que a política de distensão política, de abertura democrática que ele anunciou à Nação foi desenvolvida sobretudo pelo grande Senador Petrônio Portella, com a participação deste orador que está na tribuna, com a participação, também efetiva, do atual Vice-Presidente, Marco Maciel, e com o acompanhamento atento e meticuloso do Senador Antonio Carlos Magalhães. Conversamos com a Nação inteira, discutimos com a sociedade civil, com a Associação Brasileira de Imprensa - Prudente de Moraes Neto -, com todos os líderes, com a Igreja, até que, enfim, conseguimos obter o momento para a decisão final, que foi tomada pelo Presidente, restabelecendo para o Brasil e o mundo a democracia, que era fundamental para fazer do Brasil uma grande Nação e uma grande potência.

Muito obrigado. (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/08/1997 - Página 15767