Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESEMPREGO NO PAIS. NECESSIDADE DE UMA POLITICA ATIVA PARA A GERAÇÃO DE EMPREGOS, ALERTANDO PARA A CAUTELA NO ESTUDO E APLICAÇÃO DAS MEDIDAS QUE VISEM FLEXIBILIZAR A LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE EMPREGO. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESEMPREGO NO PAIS. NECESSIDADE DE UMA POLITICA ATIVA PARA A GERAÇÃO DE EMPREGOS, ALERTANDO PARA A CAUTELA NO ESTUDO E APLICAÇÃO DAS MEDIDAS QUE VISEM FLEXIBILIZAR A LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Publicação
Publicação no DSF de 07/08/1997 - Página 15802
Assunto
Outros > POLITICA DE EMPREGO. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • GRAVIDADE, DESEMPREGO, BRASIL, NECESSIDADE, PRIORIDADE, POLITICA SOCIAL, POLITICA DE EMPREGO.
  • ANALISE, ALTERAÇÃO, MERCADO DE TRABALHO, AUMENTO, DEMISSÃO, INDUSTRIA, COMERCIO, MOTIVO, MODERNIZAÇÃO, TECNOLOGIA, PROCESSO, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA, MUNDO.
  • ANALISE, FLEXIBILIDADE, NORMAS, MERCADO DE TRABALHO, REDUÇÃO, ENCARGO TRABALHISTA, OBJETIVO, AUMENTO, OFERTA, EMPREGO, NECESSIDADE, PRESERVAÇÃO, DIREITOS, TRABALHADOR.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, e pesquisa realizada pelo IBOPE em junho deste ano, o desemprego foi apontado por 62% dos entrevistados como o maior problema do País. É um resultado estatístico, sem dúvida, expressivo. Sessenta e dois por cento são um índice 10 vezes superior ao percentual de nossa população economicamente ativa que se encontra desempregada. Estaria correta a "voz do povo" ao conceder tamanha importância à questão do desemprego?

Não há dúvida de que o desemprego vem crescendo em nosso País. Também é certo que esse problema é de dimensão global e que continuamos mantendo uma das taxas de desemprego mais baixas do mundo, superior apenas, entre os países economicamente mais expressivos, à do Japão e à dos Estados Unidos. O índice de desemprego no Brasil alcançou em maio, segundo a aferição do IBGE, os 6% da População Economicamente Ativa, crescendo 0,25% em relação ao mês anterior. Estamos ainda muito distantes da situação da Europa e de um país vizinho como a Argentina, onde a taxa de desemprego está firmemente assentada nos dois dígitos.

Já temos, de qualquer modo, de lidar com um sério problema social. Segundo dados do Ministério do Trabalho, foram fechados 918 mil postos de trabalho no mercado formal, de julho de 1994 a março deste ano. São mais de 4 milhões os desempregados em nosso País, para os quais pouco adianta saber que nosso desemprego estrutural é bem inferior ao da Argentina ou ao da França.

Ninguém em sã consciência retiraria os méritos do Governo Federal em estabilizar a economia do País. O processo inflacionário em que vivíamos não apenas trazia grande insegurança aos setores produtivos, como criava uma série de distorções na distribuição da renda nacional, prejudicando sobretudo as camadas mais pobres da população, que não dispunham de instrumentos para se proteger dos efeitos corrosivos da inflação. Se pôr um fim a esse processo perverso já teve um grande impacto social, com aumento da renda real da população mais pobre, entendemos, entretanto, que a atuação do Governo na área social não se deve restringir a isso, nem tampouco resumir-se em atividades de caráter assistencialista. É preciso trazer as questões sociais, de fato, para o primeiro plano.

Sob esse pressuposto, o problema é um dos mais graves que precisamos enfrentar. Antes de tudo, por uma simples constatação: os analistas econômicos são praticamente unânimes em prever que o desemprego continuará aumentando. O Brasil precisaria apresentar um crescimento de seu Produto Interno Bruto em torno de 6 a 7% anuais para que os jovens que pretendem ingressar no mercado de trabalho pudessem ser absorvidos. Mas, de acordo com os ditames de nossa política econômica, o PIB não pode crescer acima de 4% ao ano, sob o risco de retomada da inflação.

O impacto da abertura comercial e o da modernização tecnológica já se fazem sentir desde o início da década. Apenas nos dois anos e meio do Governo Collor, um milhão e meio de postos de trabalho foram fechados, principalmente no setor industrial. Tudo indica que as conseqüências da globalização econômica e da nova revolução tecnológica serão bem mais profundas do que as que já pudemos constatar, alterando substancialmente o mercado de trabalho. Os mais otimistas dirão que o perfil do mercado de trabalho é que está mudando, e os postos que estão desaparecendo em certos setores, sobretudo na indústria, vão ser substituídos por outros postos, surgidos principalmente no setor de serviços.

Não é bem esse o quadro que podemos constatar no comportamento atual do mercado de trabalho brasileiro. Se as demissões nas indústrias, de janeiro de 1995 a fevereiro de 1997, passaram de 490 mil, o setor de serviços também perdeu, no mesmo período, mais de 100 mil empregos. A modernização tecnológica está apenas começando no comércio e nas empresas prestadoras de serviços, sendo possível prever uma tendência ao aumento do desemprego nesses setores, nos próximos anos, a ser contrabalançada por um virtual aquecimento da economia. A mudança do perfil do mercado de trabalho existe, contudo, e precisamos preparar-nos para enfrentá-la adequadamente.

O Governo Federal deve passar a ter uma política ativa de geração de empregos. Afinal de contas, não estão afastados os riscos de um "efeito Argentina". Consideremos que aquele país vem aplicando um programa econômico que apresenta muitas semelhanças com o nosso, contabilizando alguns bons resultados econômicos, mas também diversos indicadores sociais lamentáveis. A taxa de desemprego por lá atingiu, no ano passado, os 18,4% da População Economicamente Ativa, regredindo este ano uns dois pontos percentuais, após uma série de medidas tomadas pelo Governo sob pressão popular. Não podemos, com certeza, esperar que a situação alcance tamanha gravidade para passarmos a nos preocupar com a geração de mais postos de trabalho em nosso País e com a proteção dos já existentes.

Alguns analistas têm apostado na flexibilização das regras do mercado de trabalho como a melhor estratégia para se gerar empregos. Creio que essa é uma tendência geral que vai prevalecer a longo prazo. Simplificar as regras que regem as relações de trabalho e diminuir os encargos é, provavelmente, um bom caminho para aumentar o número de empregos e os salários. O que não podemos aceitar é que seja pregada a pura e simples desregulamentação do mercado de trabalho, como se isso fosse a forma mais avançada, o dernier cri da relação trabalhista. Passar uma borracha nos direitos trabalhistas, arduamente conquistados ao longo de décadas, pode ser bom para muita gente, mas certamente bom não será para os próprios trabalhadores.

É verdade que a situação nos Estados Unidos, no que se refere ao mercado de trabalho, está bem melhor do que na Europa, que possui uma legislação trabalhista bem mais rígida. Há, contudo, uma série de outras diferenças estruturais entre as economias daquele país e daquele continente. Em nosso País, por sua vez, o mercado de trabalho é bastante flexível, apesar da complexidade da legislação que lhe é relacionada, fato ressaltado pelo economista Celso Pinto em sua coluna do Jornal do Brasil de 10 de julho último. De acordo com estudo recente de Gustavo Gonzaga, professor da PUC do Rio, citado na coluna, a rotatividade brasileira é a mais alta do mundo: 47% dos trabalhadores estão há menos de dois anos em seus empregos, o que contrasta com os 13% da Itália e, mesmo, com os 39% dos Estados Unidos, país que é "paradigma do mercado de trabalho flexível".

Podemos concluir que as medidas que venham a ser tomadas no sentido de flexibilizar a legislação trabalhista devem ser cuidadosamente estudadas e aplicadas com cautela. Afinal de contas, somos também recordistas no que se refere ao valor reduzido do salário mínimo e nos destacamos no desrespeito a diversos direitos do trabalhador. A necessidade de resolver o problema do desemprego não pode fazer-nos regredir a um estágio em que os patrões estabelecem todas as condições, enquanto ao trabalhador só resta vender-lhes sua força de trabalho. Pelo contrário, ainda temos muito o que avançar nesse campo, garantindo, sobretudo, que os direitos trabalhistas já consagrados pela legislação sejam cumpridos.

Não acreditamos, portanto, que a citada flexibilização do mercado de trabalho seja uma fórmula mágica para resolver o problema do aumento do desemprego. Entendemos que o Governo deve pensar mais profundamente e mais ousadamente essa questão. Não é possível atacá-la em uma única frente, pois ela se relaciona a várias outras questões importantes.

Uma delas é a questão educacional. Se há uma mudança seguramente previsível é o aumento do número de postos de trabalho que exigem uma maior qualificação e uma maior capacidade de iniciativa dos trabalhadores. Portanto, qualificar melhor nossa mão-de-obra, tanto dentro como fora das escolas, é uma necessidade imperiosa e inadiável.

É preciso que nossa economia cresça mais, em bases sólidas e em balizas modernas. Esta fase em que se mantém o crescimento econômico sob rédeas curtas deve passar logo, pois só assim poderemos resolver nossos grandes problemas sociais, entre os quais se vem tornando crescentemente visível o problema do desemprego.

Uma verdadeira estabilidade e um verdadeiro desenvolvimento exigem investimentos na criação de empregos. Criar condições favoráveis ao desenvolvimento de micro e pequenas empresas e promover a fixação do homem no campo, por meio da reforma agrária, constituem medidas com grande impacto no combate ao desemprego. Precisamos, enfim, ir além do estágio do Plano Real em que a estabilização da economia é o critério que se sobrepõe a todos os demais, para que a vida digna e o bem-estar de nosso povo seja realmente priorizado.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/08/1997 - Página 15802