Discurso no Senado Federal

DEFENDENDO A INTERIORIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO NO BRASIL.

Autor
Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
Nome completo: Casildo João Maldaner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • DEFENDENDO A INTERIORIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 08/08/1997 - Página 15902
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, EXODO RURAL, MIGRAÇÃO, BRASIL, MUNDO, COMENTARIO, ESTATISTICA, URBANIZAÇÃO, POPULAÇÃO, REGISTRO, POLITICA, PAIS ESTRANGEIRO, FIXAÇÃO, HOMEM, CAMPO.
  • CRITICA, FALTA, INICIATIVA, GOVERNO FEDERAL, PROGRAMA DE INTERIORIZAÇÃO, DEFESA, POLITICA DE EMPREGO, VALORIZAÇÃO, ZONA RURAL, URGENCIA, DEFINIÇÃO, POLITICA AGRICOLA, POLITICA FUNDIARIA.

O SR. CASILDO MALDANER (PMDB-SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, nobres Colegas, o assunto que me traz a esta tribuna inscreve-se entre os temas globais, que atingem diferentes nações em distintos momentos históricos. Refiro-me ao fenômeno conhecido como "êxodo rural", a respeito do qual me pronuncio, movido pela convicção de que se trata de questão cuja importância estratégica para nosso País ainda não foi devidamente dimensionada.

Sem pretensão de proceder a uma reconstituição histórica, descabida e despropositada para os objetivos e dimensões deste pronunciamento, reporto-me a algumas datas e fatos, imprescindíveis à contextualização da questão no âmbito das preocupações que nos afetam.

Entre 1946 e 1996, aconteceu o maior movimento de massas da história universal. Mais de 2 bilhões de pessoas, no mundo inteiro, migraram do campo para as cidades. Hoje, pela primeira vez na história da humanidade, mais da metade da população do Planeta é urbana. Com exceção da Índia e da China, na maioria dos países, o fenômeno migratório possivelmente já se encerrou e as cidades atingiram seu nível máximo de saturação.

Nosso País acompanhou o fluxo dos acontecimentos mundiais. Em 1950, o Brasil era realmente "um país rural": 64% de sua população estava no campo. Hoje, 75% dos habitantes do País moram em cidades. As razões da escassez dos contingentes humanos no interior são de diferentes matizes e conteúdos, a começar pela força centrípeta demográfica desatada pelo processo de industrialização. Desponta, todavia, como matriz exponencial do êxodo, a inadequação das políticas agrícolas, as melhores condições de emprego e de infra-estrutura social nas cidades e a falta de investimentos em educação, saúde e habitação no meio rural. A extensão das leis trabalhistas aos campos teve forte impacto negativo na decisão dos proprietários de preferir os trabalhadores de residência urbana. A melhoria dos meios de transporte e de comunicação facilitou esse arranjo.

As conseqüências nefastas do fluxo migratório de mão--única são idênticas em todo o mundo: saturação das cidades, favelização, desemprego, decadência dos serviços públicos básicos, desagregação familiar, marginalização, mendicância, etc.

Contudo, alguns países estavam mais atentos aos desdobramentos do fenômeno. Quando os Estados Unidos atravessaram as dificuldades recessivas dos anos 30, Roosevelt adotou providências para o encaminhamento de jovens solteiros e desempregados para 3,6 milhões de hectares de terra inculta em 43 Estados, ali instalando 208 colônias agrícolas. Assim, em janeiro de 1935, 20 milhões de americanos haviam sido transferidos para a zona rural, e a taxa de desocupados nas capitais caiu verticalmente.

Em 1960, o Presidente Charles de Gaulle deu início a projeto semelhante. Impressionado com o congestionamento de Paris e os efeitos desumanos de seu agigantamento, que exauria as energias do país, o grande estadista francês criou um programa para industrializar e desenvolver as regiões de forte migração.

Essas experiências demonstraram que políticas sociais são de mais fácil aplicação nas comunidades do interior. Nos campos, mais facilmente que na cidade, pode-se combinar política de sobrevivência com auto-suficiência, integração social com sociedade do lazer.

Não é por outra razão, Srªs e Srs. Senadores, que a Conferência Habitat 2, realizada em Istambul, Turquia, no ano passado, apresentou entre suas recomendações a advertência de que "o êxodo rural não pode ser aceito como algo divino, inevitável, pois, além de contribuir para o caos urbano, incapacita pequenas e médias cidades".

Independentemente das políticas de estímulo, no entanto, já é possível identificar, em escala mundial, um movimento, ainda que tímido, de volta ao campo. É evidente que um programa de retorno ao meio rural, inspirado no modelo tradicional de atividades, pode parecer um movimento na contramão da história. Entretanto, existem experiências alternativas. O meio rural, pode, por exemplo, possibilitar atividades econômicas não agrícolas. A China fez um programa que aumentou, em 10 anos, de 20 milhões para 100 milhões o número de empregos não rurais no campo.

O programa francês "Viver a Terra" defende um estilo de vida rural ligado à preservação ecológica da vida no campo e ao respeito à vida cultural local, configurando condições demográficas, estéticas e econômicas absolutamente novas.

Iniciativa congênere está em curso na Irlanda, onde o programa "Rural Reseltlement" oferece às famílias que se dispõem a ocupar o campo as casas abandonadas da zona rural, particularmente as do oeste daquele país, onde a crise do êxodo foi mais aguda e que, há muito, funciona como uma espécie de "reserva" para as favelas de Dublin, de Londres, de Nova York e de Boston.

Como se vê, Srªs e Srs. Senadores, a praga da decadência da zona rural não é uma prerrogativa brasileira. Lamentavelmente, o que nos distingue é a falta de iniciativas para contê-la. Para se ter uma idéia da importância que alguns países atribuem à permanência do homem no campo, basta dizer que nações, como os Estados Unidos, a França e a Bélgica, entre outras, mantêm, até hoje, uma forte política de subsídios à produção rural.

O Brasil não conhece uma política de interiorização do desenvolvimento, mas apenas a retórica dessa política. A prosperidade de certas regiões interioranas tem dependido basicamente de condições favoráveis que lhes são próprias.

Essa imobilidade é mais espantosa quando se pensa nas características do País e na sua dimensão, que, naturalmente, o vocacionam para a atividade rural. Inegavelmente, o fortalecimento do nosso interior tem um papel decisivo no progresso econômico e social do País. A redução das desigualdades regionais, a mais justa distribuição de renda, a melhoria dos padrões de vida da população e outros avanços qualitativos resultarão, necessariamente, de um processo de ampla revisão do Brasil rural.

O Governo precisa criar enérgicos e eficientes mecanismos que reduzam e desestimulem o fluxo de abandono do campo em busca da ilusão das luzes das grandes cidades. É no meio rural que se encontra a solução para os problemas de nosso País, por meio da geração de empregos, do aumento de renda, da descentralização da economia, da interiorização socioeconômica e de uma distribuição mais justa e mais equânime das riquezas da Nação.

É preciso, Srªs e Srs. Senadores, um grande e conjugado esforço nacional para reverter o quadro de analfabetismo, mortalidade infantil e miséria que hoje é a realidade de nossas grandes metrópoles. Quanto maior a cidade, maiores, mais profundos, mais graves e insolúveis seus problemas. As comunidades menores desenvolvem com maior facilidade laços sociais e afetivos -- criando mecanismos próprios para solucionar seus problemas emergenciais --, apresentam mais agilidade e capacidade para combater, com mais eficiência, as grandes chagas sociais, existentes nas grandes metrópoles.

Em outras palavras, Srªs e Srs. Senadores, isso se traduz por bem-estar social e qualidade de vida. O atendimento dessas demandas mencionadas é função precípua do Estado. Quando o inciso IV do art. 7º da Constituição Federal determina que o salário mínimo seja capaz de atender às "necessidades vitais básicas" do cidadão e de sua família não quer se referir, tão-somente, às necessidades da alimentação, mas também à saúde, ao lazer, ao vestuário e à higiene, enfim, a tudo que a vida das grandes metrópoles vem inviabilizando aos seus habitantes, numa demonstração inequívoca da falência do modelo baseado nas grandes aglomerações humanas.

Uma questão inevitável perpassa toda essa reflexão: Como estimular programas sociais capazes de atrair as populações para as zonas agrícolas vazias ou decadentes? Naturalmente, não há uma fórmula mágica para fazê-lo. Entretanto, é possível, por exemplo, aproveitar tendências que já se manifestam.

Segundo dados do último censo do IBGE, as metrópoles brasileiras pararam de crescer, e a população foge para novas fronteiras. O Estado de São Paulo, que chegou a crescer a taxas de 3% na década de 80, aumentou apenas 1,5% entre 91 e 96. Uma das razões é apontada na queda de fluxos migratórios provenientes de outros Estados do Brasil.

O Governo deve aproveitar essa tendência espontânea para consolidar, o quanto antes, uma política de revigoramento do interior, que é, afinal, o espaço maior e inseparável da realidade brasileira. Para tanto, não poderá postergar, por mais tempo, duas definições emergenciais: uma política agrícola e uma política fundiária capaz de resolver os problemas dos sem-terra.

Não pretendo, Srªs e Srs. Senadores, parecer um saudosista, ansioso pelo retorno impossível a um passado idealizado como "paraíso perdido". O que almejo é viabilizar uma melhor distribuição dos benefícios do desenvolvimento para todas as regiões do País, além de criar condições de emprego, alimentação e bem-estar para toda a população, onde quer que se encontre.

Afinal, cidadania não é um atributo exclusivo das cidades.

Muito Obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/08/1997 - Página 15902