Discurso no Senado Federal

ASPECTOS DO ANTEPROJETO PROPOSTO PELO MINISTRO EXTRAORDINARIO DOS ESPORTES, EDSON ARANTES DO NASCIMENTO, QUE VISA A TRANSFORMAÇÃO DOS CLUBES DE FUTEBOL EM EMPRESAS, DENTRE OUTRAS MODIFICAÇÕES.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESPORTE.:
  • ASPECTOS DO ANTEPROJETO PROPOSTO PELO MINISTRO EXTRAORDINARIO DOS ESPORTES, EDSON ARANTES DO NASCIMENTO, QUE VISA A TRANSFORMAÇÃO DOS CLUBES DE FUTEBOL EM EMPRESAS, DENTRE OUTRAS MODIFICAÇÕES.
Aparteantes
Benedita da Silva, Casildo Maldaner, Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 08/08/1997 - Página 15904
Assunto
Outros > ESPORTE.
Indexação
  • CRITICA, PRESIDENTE, FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DE FUTEBOL ASSOCIATION (FIFA), LOBBY, OPOSIÇÃO, ANTEPROJETO, AUTORIA, MINISTRO, MINISTERIO EXTRAORDINARIO, ESPORTE, MODERNIZAÇÃO, FUTEBOL, BRASIL.
  • APREENSÃO, CONTRADIÇÃO, IMPRENSA, POSIÇÃO, GOVERNO FEDERAL, RELAÇÃO, ANTEPROJETO.
  • APROVAÇÃO, ANTEPROJETO, ESPECIFICAÇÃO, ALTERAÇÃO, JUSTIÇA DESPORTIVA, PASSE DE ATLETA, TRANSFORMAÇÃO, CLUBE, EMPRESA, EXPECTATIVA, APOIO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, falarei, hoje, sobre futebol, assunto do qual nunca tratei na tribuna do Senado, embora o aprecie muito. Sempre me preocupei em não falar sobre o tema aqui, porque vejo com muito desconfiança essa mistura de política com futebol. A História do Brasil, inclusive, não é muito favorável a isso desde a utilização da Seleção Brasileira, em 1970, pelo então Presidente Médici, com a finalidade de desviar a atenção da opinião pública para o que vinha acontecendo no País. Alguns exemplos de dirigentes de futebol que ingressaram na vida pública também não são muito recomendáveis, haja vista a CPI do Bingo na Câmara dos Deputados, que acabou quase gerando a necessidade de uma CPI da CPI.

No entanto, como hoje dois jornais do Rio de Janeiro, ambos dignos de credibilidade, publicaram manchetes contraditórias sobre a posição do Governo em relação ao chamado Projeto Ministro Pelé, abordarei esse tema.

Em primeiro lugar, surpreendi-me com uma manchete de há dois dias na qual o Presidente da FIFA, Sr. João Havelange, de maneira chantagista com o Congresso Nacional, disse que se o chamado Projeto Pelé fosse aprovado, o Brasil seria excluído da FIFA e, conseqüentemente, não poderia disputar a Copa do Mundo.

O próprio Presidente do Senado já se manifestou em relação a essa declaração. Entretanto, o que me deixa preocupado é que a edição de hoje do Jornal do Brasil traz uma manchete dizendo que o Governo recuaria em relação ao projeto, enquanto que O Globo publica, também em manchete, afirmação em sentido totalmente contrário. Como se tratam de dois jornais de grande prestígio, ou um deles caiu numa "barriga" tremenda, ou a posição do Governo foi de tal forma dúbia que permitiu a veiculação de manchetes tão díspares.

Não conheço o projeto na íntegra, mas gostei do que vi. Inclusive, alguns de seus aspectos justificam tamanha reação contrária por parte de determinados setores esportivos, como o que se refere à Justiça Desportiva.

Lembro-me que recentemente, quando houve uma polêmica a respeito do futebol do Rio de Janeiro e o Flamengo ameaçava entrar na Justiça contra o encaminhamento do campeonato carioca, ouvi literalmente a seguinte declaração do Presidente da Federação Carioca de Futebol - até nem me lembro de seu nome -, conhecido como "Caixa D´água": "Se o Cleber Leite acha que vai conseguir alguma coisa no meu tribunal, ele está muito enganado." Mais adiante, disse o seguinte: "Sou um homem daqueles capazes de bater à noite na casa de juiz para conseguir o que querem."

Fatos como esse demonstram a necessidade de modificação da chamada Justiça Desportiva no Brasil, também contemplada, pelo que vi, no projeto do Ministro Pelé.

Um outro aspecto seu que considero bem-vindo é o fim da famigerada lei do passe, autêntica escravidão ainda existente no Brasil. O jogador de futebol profissional, brasileiro, na verdade ainda é submetido a leis que remontam à época da escravidão.

Em função disso, ou seja, por ser inovador, ocorre manifestação tão contrária por parte de dirigentes esportivos.

Outra coisa importante nele é a possibilidade de transformação dos clubes em empresas, com a perspectiva de os dirigentes esportivos virem a ser responsabilizados criminalmente por atos que pratiquem à frente desses clubes, o que não acontece hoje, como atestam os escândalos, publicados em manchetes de jornais.

Vem sendo também criticada a possibilidade de criação de associações de juízes, que seriam responsáveis pela indicação de árbitros para as partidas de futebol. Isso contribuiria para evitar fatos como o recente escândalo envolvendo dirigentes da Comissão de Arbitragem da CBF, que parece ser mais um a ser "varrido" para baixo do tapete.

Espero sinceramente que o Senhor Presidente da República não se submeta à chantagem do Sr. João Havelange e que apoie o projeto, pois, como já disse anteriormente, este aponta para a modernização do futebol brasileiro e para que se evite uma série de escândalos, como os que temos visto ao longo da história da CBF.

O Senador Carlos Wilson estava coletando assinaturas para a criação de uma CPI da CBF no Senado; e já assinei o requerimento porque penso ser importante que o Congresso Nacional se debruce sobre o assunto, para que possamos abrir essa verdadeira caixa de assuntos nebulosos relacionados ao futebol brasileiro.

Por se tratar de um assunto tão arraigado à cultura de nosso povo e que lhe interessa de maneira tão fundamental, o Congresso Nacional não pode continuar lavando as mãos quando aborda esse tema e, principalmente, não pode continuar submetendo-se aos lobbies de dirigentes esportivos e de clubes de futebol.

Acho necessário que o Governo Federal esclareça, de uma vez por todas, essa dúvida que surgiu, hoje, em duas manchetes de jornais tão importantes.

Pode até parecer estranho que um Líder da Oposição defenda um projeto do Governo, mas, como sempre fazemos questão de registrar, não nos opomos a todo e qualquer projeto que tenha origem no Palácio do Planalto ou em algum Ministério. Conforme as informações que possuo até o momento, esse é um projeto que, com o devido aperfeiçoamento que vier a ser feito pelo Congresso Nacional, deverá merecer o voto da Oposição.

A Srª Benedita da Silva - Permite V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Concedo um aparte à Senadora Benedita da Silva.

A Srª Benedita da Silva - Senador José Eduardo Dutra, gostaria de apoiar seu pronunciamento porque tenho algum conhecimento sobre a iniciativa do Ministro Edson Arantes do Nascimento, o nosso Pelé. Já conhecia a sua intenção por ser uma perseguidora contumaz do trabalho que S. Exª está desenvolvendo nessa área, principalmente porque apresenta investimento nas áreas carentes e tem prestado serviço de recuperação, dando um outro caráter ao esporte do País. É claro que não se trata de um Ministério cuja política possa ser envolvida constantemente pela mídia, mas tenho acompanhado de perto esse trabalho. Como V. Exª, não tenho conhecimento do conteúdo total do projeto. Eu iria fazer um pronunciamento a respeito, mas não o fiz, porque não tenho o projeto em mãos. Solicitei que o Ministério o enviasse porque, como V. Exª, penso que o tema é altamente relevante. Quanto ao fato de o Ministro ter entregue um anteprojeto para ser examinado, creio que está havendo um certo terrorismo em relação à iniciativa do Ministro Pelé. Nobre Senador, como V. Exª bem ressalta, todos que temos esse espírito esportivo, que acompanhamos essa arte - porque o esporte é uma arte, é uma cultura do povo brasileiro - concordamos que é fundamental a questão do passe. É importantíssimo! Se o projeto tivesse apenas esse item, ele já mereceria apoio. V. Exª diz que poderá parecer estranho que a Oposição esteja defendendo um projeto do Governo. Eu não concordo. V. Exª faz, neste momento, um pronunciamento relevante. O projeto deve extrapolar siglas partidárias, porque ele trata da arte, da cultura do povo brasileiro. Não há oposição a qualquer iniciativa que dê apoio à arte e à cultura do povo brasileiro. Por isso quero somar-me ao pronunciamento de V. Exª, muito mais à vontade por ser V. Exª Líder. Desejo, agora com mais ênfase, dar meu apoio declarado e contundente. Peço ao Governo Federal que não recue e que deixe as decisões serem tomadas, a fim de que o Congresso possa fazer parte do processo.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Muito obrigado, Senadora Benedita da Silva.

Os opositores do projeto estão se utilizando do argumento mais mesquinho possível. Dizem que o projeto existe apenas porque há uma briga pessoal do Ministro Pelé com João Havelange e com Ricardo Teixeira, que é genro, se não me engano, do presidente da FIFA. Tentam, assim, reduzir a importância do projeto. Não me interessa saber se há briga pessoal do Ministro Pelé com João Havelange e Ricardo Teixeira.

Pelo que sei, o projeto é importante e pretende modernizar as relações. Por isso mesmo está havendo uma reação tão grande de lobbies importantes que preferem que o futebol brasileiro continue neste grau de arcaísmo, possibilitando, assim, a sua utilização eleitoral, a sua utilização até para a corrupção, além de sua vinculação com a contravenção, coisas que sabemos muito bem precisam ser extintas do nosso País.

O Sr. Casildo Maldaner - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Casildo Maldaner - V. Exª, Senador José Eduardo Dutra, analisa o tema com coragem, a mesma coragem com que está sendo apresentado o projeto. A iniciativa do Ministro dos Esportes é corajosa. A idéia que se tem é de que se trata de um feudo que existe há muitos anos. Para romper, para modificar, para oxigenar esse controle todo de tantos anos não é fácil. O Ministro dos Esportes demonstrou coragem ao levar a proposta ao Governo, para que este envie a matéria ao Congresso Nacional com o fim de ser analisada, para que se rompam essas teias tecidas durante esse tempo todo. Pelo que tenho visto pela imprensa, a prestação de contas - e isso vem sendo analisado apenas internamente, no âmbito da CBF - pela nova legislação, terá que submeter-se a um acompanhamento externo. Órgãos externos como o Ministério Público, por exemplo, deverão ter acesso às contas, para analisar o que é do povo brasileiro. Quanto à participar ou não da Copa na França no ano que vem, julgo que devem ser ouvidos também outros membros da FIFA, porque uma só pessoa não pode dizer que o Brasil não terá condições de participar. Acredito que essa não é a essência do problema. Existem outros entraves em função dos quais criou-se um lobby para espalhar a notícia de que diz que o Brasil não poderá participar da Copa do Mundo no ano que vem. Creio que foi um ato de coragem do Ministro, que abriu a discussão desse tema no momento propício. Cumprimento V. Exª.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Obrigado, Senador Casildo Maldaner. Incorporo, com muito prazer, seu aparte ao meu pronunciamento.

A ameaça de o Brasil não participar da Copa do Mundo cheira à chantagem mais barata possível. Na verdade, trata-se de tentar jogar a opinião pública brasileira contra o projeto, sob a alegação de que, se ele for aprovado, o Brasil não poderá participar da Copa do Mundo.

A questão não é tão simples assim, até porque o Michel Platini, coordenador da equipe organizadora da Copa do Mundo, já disse que, sem o Brasil, talvez até nem haja o campeonato internacional de futebol.

Sendo assim, faz-se necessário pedir ao Sr. João Havelange para literalmente "baixar a bola" e respeitar o Congresso Nacional. Faço também um apelo ao Governo Federal para que não recue e dê apoio ao Ministro, para que o projeto venha a ser efetivamente aprovado no Congresso Nacional.

O Sr. Eduardo Suplicy - V. Exª me concede um aparte?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senador José Eduardo Dutra, V. Exª está fazendo a análise correta do tema. Parece-me que o Ministro Edson Arantes do Nascimento, ao fazer a sua proposição, toca em pontos de grande relevância, ainda mais se levarmos em conta o extraordinário craque que foi, o maior jogador de futebol da história do Brasil e do mundo. O Ministro, sobretudo, soube tocar nos principais problemas que ocorrem na história do futebol desde o tempo em que S. Exª ingressou nessa atividade. Primeiro foi amador, mas logo cedo, já aos 16 ou 17 anos, tornou-se profissional. Como torcedor do Santos Futebol Clube, acompanhei muito de perto toda a sua trajetória. Avalio que foi uma decisão acertada do Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso de escolhê-lo Ministro Extraordinário dos Esportes. Fosse Lula o Presidente da República, eu teria feito recomendação semelhante, ou seja, de convidar Pelé para ser Ministro. Pelé, nessa área e também em outros campos, é um dos brasileiros mais ilustres. E tem demonstrado sensibilidade para os problemas da prática do futebol.

Ontem, quando a Rede Bandeirantes tratava desse assunto no jornal da noite, tive a oportunidade de ouvir o comentário de um dos maiores conhecedores da crônica esportiva brasileira: o jornalista Armando Nogueira. Afirmou ele que estudou profundamente o projeto apresentado pelo Pelé e - dizendo-se conhecedor do regulamento da FIFA - que não viu, em nenhum momento, algo que ferisse as regras dessa Federação. Não compreendeu, portanto, a reação do Presidente da FIFA, João Havelange.

Avalio que possa até haver um aperfeiçoamento. Não conheço ainda os detalhes do projeto do Ministro Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, mas penso que será muito importante que o examinemos, certos de que se trata de um projeto de alguém que conhece em profundidade o assunto e que tem mostrado para os seus colegas jogadores de futebol o desejo de que as coisas possam caminhar da melhor maneira. Acredito também que o Pelé tenha a vontade de que o futebol seja organizado de maneira a respeitar o povo brasileiro, que tanto ama esse esporte. Gostaria de cumprimentar V. Exª pela análise e por ter levantado este tema, como Líder do PT.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy, pelo aparte. Com ele encerro o meu pronunciamento.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/08/1997 - Página 15904