Discurso no Senado Federal

CRITICAS A ALGUMAS DECLARAÇÕES DO SR. GUSTAVO FRANCO, AO SER SABATINADO HOJE PELA MANHÃ NA COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, DE QUE NÃO SE PREOCUPA COM A SITUAÇÃO DOS MENINOS DE RUA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • CRITICAS A ALGUMAS DECLARAÇÕES DO SR. GUSTAVO FRANCO, AO SER SABATINADO HOJE PELA MANHÃ NA COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, DE QUE NÃO SE PREOCUPA COM A SITUAÇÃO DOS MENINOS DE RUA.
Publicação
Publicação no DSF de 08/08/1997 - Página 15907
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, DECLARAÇÃO, GUSTAVO FRANCO, ECONOMISTA, ARGUIÇÃO, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, SENADO, FALTA, COMPETENCIA, PRESIDENCIA, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), ATENÇÃO, SITUAÇÃO SOCIAL, CRIANÇA, MENOR ABANDONADO, BRASIL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, ouvimos hoje, desde as 11h até praticamente as 13h30min, quando se iniciava a Ordem do Dia, o depoimento do novo indicado à Presidência do Banco Central, o Diretor Gustavo Franco, um dos nomes indicados para ser Presidente daquele Banco, um dos economistas ilustres que participaram da elaboração do Plano Real e que tem sido, segundo a imprensa, um dos principais elaboradores da continuidade da política econômica do Governo Fernando Henrique Cardoso.

Gustavo Franco estava muito tranqüilo, procurou ser manso ao longo das quatro horas e meia de argüição. Usou a tática de não responder longamente às críticas e às perguntas, sobretudo dos Senadores da Oposição. Surpreendemo-nos diante de uma pessoa que, conhecida por ser o "D´Artagnan", o esgrimista da equipe econômica, procurou se poupar de desenvolver uma polêmica.

Tivemos a oportunidade de argüi-lo em alguns dos aspectos mais críticos da política econômica, sobretudo a questão relativa à política cambial. Temos percebido que Gustavo Franco tem sido uma das pessoas menos flexíveis na condução e na definição do que fazer com a taxa cambial, levando o real a ter uma situação de sobrevalorização, reconhecida quase que consensualmente por economistas no mais largo espectro, como Paulo Nogueira Batista Júnior, Antônio Delfim Netto, Maria da Conceição Tavares e tantos outros.

Perguntamos em que medida ele estava de acordo com a avaliação que seu colega de diretoria, Francisco Lopes, tinha de que, de fato, o real está sobrevalorizado. Embora tivesse dito que estava de acordo com a análise de Chico Lopes, no que diz respeito a esse ponto especificamente, ele procurou não aprofundar-se.

Chico Lopes propõe que haja uma gradual flexibilização da taxa de câmbio como uma forma de se manterem as desvalorizações em níveis de 0,5% a 0,6% ao mês. De fato, em havendo a diminuição da taxa de inflação gradualmente, será possível desvalorizar o real de tal forma, se der continuidade a essa política por mais quatro anos, a acabar com essa sobrevalorização, o que pode levar, se houver uma insistência em direção contrária, a uma situação crítica.

Perguntávamos ao Sr. Gustavo Franco em que medida continuava a avaliar a situação da economia brasileira como tão boa, assim como estavam, na sua avaliação, as economias do Sudeste Asiático, da Tailândia, da Coréia, da Malásia e de outros, como as da Colômbia, porque, em que pese sua avaliação positiva sobre a Tailândia e estas outras economias, agora - diante do furacão que caracterizou a vida dessas economias, sobretudo no que diz respeito ao desequilíbrio externo e aos movimentos de capital especulativo -, aconteceu que o Sr. Gustavo Franco resolveu dizer hoje que não é um especialista nas economias do Sudeste Asiático.

Seria importante que ele examinasse com cuidado que, com respeito a alguns dados, como a relação de reservas sobre o déficit em contas correntes, e déficit em conta corrente em relação ao valor das exportações do Brasil, os indicadores mostram que a situação da economia brasileira é mais crítica por tais indicadores do que a daqueles países, pouco antes do estouro da crise. Então, Gustavo Franco, sobretudo agora, como responsável pela Presidência do Banco Central - uma vez que por 21 a 6 foi votado favoravelmente o seu nome - deveria ter a preocupação de estudar o assunto ainda melhor.

Por outro lado, perguntei ao Presidente indicado, Gustavo Franco, que avaliação fazia com respeito ao menino Danilo, que esteve ontem à porta do Congresso Nacional pedindo esmolas. Se porventura havia se interessado em saber a respeito da condição de Danilo, bem como de outras crianças que estão à porta do Congresso Nacional ou nas ruas de quase todas as cidades brasileiras em número extraordinariamente grande. E qual não foi a minha surpresa quando o indicado para ser Presidente do Banco Central afirmou que meninos de rua não são preocupação do Presidente do Banco Central.

Ora, Sr. Presidente Antonio Carlos Magalhães, como Presidente do Banco Central, formulador da política econômica, não deve Gustavo Franco se preocupar com a situação dos meninos e meninas de rua, não deve procurar saber que razões levam tantas crianças hoje a estarem sem freqüentar a escola? Dados do IBGE ontem revelados informam que 2 milhões e 700 mil crianças de 7 a 14 anos, como o menino Danilo, estão fora da escola.

Ainda hoje de manhã, conversei com duas crianças que inclusive conhecem, são amigas de Danilo e que me informaram que Danilo é um menino que chegou com sua mãe, com sua família, há apenas alguns meses a Brasília e está morando ali perto da Academia de Tênis, num bairro popular, assim como essas outras crianças. Uma estava há um ano e a outra há dois anos aqui. Perguntei a eles: "Mas por que vocês estão aqui pedindo ajuda?" E responderam: "Porque precisamos ajudar nossa mãe".

Mas crianças de 10 anos, de 11 anos, de 7 anos, como Danilo, estarão ajudando melhor as suas famílias se estiverem freqüentando a escola, porque essas crianças, ao deixarem de aprender a ler, a escrever, a fazer as contas, quando chegarem à idade adulta, não conseguirão empregos que lhes proporcionem uma melhor remuneração.

Seria próprio que Gustavo Franco dissesse que tinha, sim, preocupação com respeito às crianças de rua, às crianças que, como Danilo, estão em condição de miséria, porque é uma pessoa que teve a oportunidade de fazer doutoramento em Harvard, e ele o fez com brilhantismo, que lá teve a oportunidade de conhecer professores do calibre de John Maynard Keynes ou de John Rawls, que escreveu a "Teoria da Justiça" e que disse de como deveria uma sociedade se organizar de maneira a criar oportunidades para que todas as pessoas pudessem ter meios de pelo menos ter o básico.

Pois bem. Gostaria de transmitir hoje que teremos pela frente no Banco Central uma pessoa com uma preocupação humanista, uma preocupação com a erradicação da pobreza para muito além daquilo que a estabilização dos preços proporciona.

Estou de acordo com Gustavo Franco de que a inflação deve ser zerada. É muito importante, sobretudo para os mais pobres, que não haja a inflação, porque esta constitui um imposto extraordinariamente danoso para eles. Mas avaliar que a estabilização dos preços seja medida suficiente para combater a pobreza, para reverter a situação de quase campeão do mundo que somos pelas desigualdades, para reverter as condições legadas em nosso País por mais de três séculos de escravidão, para reverter tudo aquilo que resultou nas últimas décadas de favorecimento sobretudo às oligarquias, aos poderosos, para reverter situações como aquela de se estar propiciando tantas oportunidades de ganho àqueles que já detêm patrimônio, como foi a maneira como se conduziu a política econômica!

Ora, disse ao Gustavo Franco, porque falo com franqueza e abertamente, que, em virtude dessa discordância, meus colegas de partido e eu votamos contrariamente à sua indicação.

Respeito o seu ponto de vista, mas esta foi a maneira de sinalizarmos a nossa discordância sobre a condução desses aspectos da política econômica e, por outro lado, disse também a Gustavo Franco que sou otimista porque tenciono, no diálogo travado com ele daqui para frente, ainda procurar convencê-lo a modificar o seu ponto de vista, seja sobre a política cambial, seja sobre a política econômica como um todo.

Nosso objetivo é termos, dentre aqueles que estão à frente, os elaboradores da política econômica, pessoas que, realmente, dêem tudo de si, de seu conhecimento, de sua experiência, de sua energia, não apenas para conseguir a estabilização de preços, o equilíbrio externo, a taxa de crescimento de acordo com a potencialidade de crescimento da economia brasileira - e, hoje, estamos caminhando aquém do que poderíamos crescer -, para conseguirmos o crescimento da taxa de empregos e para que a estabilidade de preços não tenha, como outro lado da moeda, tanto desemprego e que o trabalhador não tenha tanta dificuldade em fazer com que seus rendimentos pelo menos acompanhem os ganhos em produtividade; sobretudo, para que seja instaurado de vez, neste País, o princípio segundo o qual todas as pessoas têm o direito de usufruir minimamente da riqueza e para que todas as crianças possam estar, realmente, freqüentando a escola.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/08/1997 - Página 15907