Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO EX-MINISTRO RENATO ARCHER. REFLEXÃO DO PAPEL DO ESTADO BRASILEIRO EM BENEFICIO DA POPULAÇÃO, A PROPOSITO DO DIA NACIONAL DE GREVE.

Autor
José Roberto Arruda (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/DF)
Nome completo: José Roberto Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO EX-MINISTRO RENATO ARCHER. REFLEXÃO DO PAPEL DO ESTADO BRASILEIRO EM BENEFICIO DA POPULAÇÃO, A PROPOSITO DO DIA NACIONAL DE GREVE.
Aparteantes
Josaphat Marinho, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 22/06/1996 - Página 10614
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, RENATO ARCHER, ESTADO DO MARANHÃO (MA), EX-DEPUTADO, EX MINISTRO, MINISTERIO DA PREVIDENCIA SOCIAL (MPS), MINISTERIO DA CIENCIA E TECNOLOGIA (MCT).
  • ANALISE, ATUAÇÃO, ESTADO, ESTABILIZAÇÃO, ESTADO DEMOCRATICO, NECESSIDADE, MANUTENÇÃO, AUTORIDADE, GOVERNO FEDERAL, IMPLEMENTAÇÃO, MODELO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO.
  • CRITICA, ILEGITIMIDADE, VIOLENCIA, TRABALHADOR, SEM-TERRA.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB-DF. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, depois deste pronunciamento importante do Presidente desta Casa, que mostra a vitória da elegância, do espírito público, das amizades pessoais sobre as eventuais e legítimas divergências políticas, gostaria de, em meu nome pessoal e do Senador Elcio Alvares, juntar-me às homenagens que esta Casa presta ao grande brasileiro Renato Archer. Também gostaria de dizer que se pode tirar da vida pública de Renato Archer algumas lições e algumas reflexões para o momento que vivemos no Brasil.

Temos de reconhecer que há liberdade neste País e que vivemos em um regime democrático; portanto, há legitimidade, exatamente aquela que nasce da liberdade, da democracia, de todas as manifestações de brasileiros e de conjunto de brasileiros. Daí todos termos, com humildade, que refletir sobre o movimento que está acontecendo hoje no País.

Por outro lado, do que pudemos acompanhar pelos noticiários de rádio e televisão durante esta manhã, fica claro que outros mecanismos de diálogo e de entendimento podem ter resultados muito mais eficazes do que o movimento de greve, que, na verdade, se restringe a um movimento de greve de ônibus - que não está acontecendo em todas as cidades brasileiras - e, obviamente, às conseqüências da paralisação do transporte coletivo, notadamente nas grandes cidades brasileiras.

Penso que é comum o sentimento de todas as lideranças políticas de que a violência usada para conter aqueles que desejavam ir ao trabalho não condiz com o momento de liberdade e de democracia que vivemos no País. Ao mesmo tempo, é necessário reconhecer as dificuldades por que passa o nosso País, dificuldades que nascem e fomentam exatamente o desejo de mudanças.

Um ponto de convergência que consigo recolher é que aqueles que estão convencidos de que um dia nacional de greve, ainda que parcial, deve ser um alerta à sociedade brasileira de que existem problemas - e eles existem, não vamos tapar o sol com a peneira -, que pedem mudanças, e nós, no Congresso Nacional, nada mais temos feito do que pedir mudanças também. Podemos divergir em um ponto ou em outro sobre as mudanças que devem ser efetuadas, mas todos estamos convencidos de que essa quadra da vida brasileira exige um repensar do papel do Estado na sociedade.

Poucas vezes, nesses 500 anos de história do Brasil, tivemos, ao mesmo tempo, liberdade, democracia e estabilidade econômica. E quando todos estávamos preparados para comemorar esses três ganhos, sentimos que eles, em si, não são o fim da sociedade, ao contrário, são meios para um processo de mudança. Há uma frase de que gosto muito, que diz o seguinte: "Quando a nossa geração encontrou todas as respostas, sentiu que haviam mudado as perguntas."

A grande realidade, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que, embora o País viva um clima de liberdade, de democracia e um momento de estabilidade econômica, temos de reconhecer que esta estabilidade econômica está calcada em bases provisórias e âncoras transitórias, muitas vezes cruéis, porque freiam um modelo de desenvolvimento econômico. Precisamos ser capazes, todos nós, a classe política brasileira, as lideranças dos segmentos organizados da sociedade, de buscar as nossas convergências, seguindo, aliás, o exemplo de Renato Archer nos momentos de dificuldades da vida brasileira e tomando como lição o pronunciamento feito pelo Presidente José Sarney sobre o passamento desse grande brasileiro. Temos que ser capazes de nos juntar pelas nossas convergências, convencidos de que esse é um momento de transição, de mudanças pela via democrática, e substituirmos essas âncoras transitórias e cruéis do Plano Real por âncoras permanentes que permitam efetivamente a diminuição do déficit público a partir do reordenamento do Estado; que permitam um novo modelo de desenvolvimento econômico, sustentado por uma economia estável, com uma distribuição de resultados mais justa e menos desigual; que o Estado brasileiro possa não mais ser dono do Grande Hotel do Araxá - como é -, ou dono de supermercados na Capital do País, mas possa, ao contrário, dar a toda a sociedade brasileira uma educação básica de boa qualidade e uma saúde pública com um mínimo de dignidade.

Esse repensar do papel do Estado brasileiro na sociedade moderna é missão que envolve a todos nós. Todos nós aqui, de diferentes Partidos políticos, de diferentes tendências ideológicas, temos alguns pontos de convergência. Primeiro: vivemos um momento de profundas mudanças, num regime democrático. Segundo: apesar de todas as eventuais discordâncias, não podemos perder este momento fértil e importante da vida brasileira para, a partir da liberdade que foi conquistada a partir dos anos 80, do regime democrático pleno, da disposição do diálogo permanente do Presidente da República, do Presidente do Congresso Nacional e de todos os Poderes instituídos, e a partir de um momento de estabilidade econômica, ainda que calçada em bases provisórias, nos juntarmos todos em torno das nossas convergências e de um projeto de mudanças.

O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Com o maior prazer, Senador Josaphat Marinho, se o Presidente permitir.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - V. Exª pode aparteá-lo.

O Sr. Josaphat Marinho - Permita V. Exª que eu faça uma ponderação: se o conjunto de suas observações é correto, cumpre, entretanto, nesse processo de mudança, não enfraquecer o Estado, a ponto de destituí-lo do poder de comando da vida pública, da vida nacional, sobretudo do ponto de vista econômico. No momento em que o Estado não puder ter esse comando, as forças econômicas privadas lutam apenas pela conquista dos seus interesses.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Agradeço e incorporo o aparte de V. Exª.

Discutíamos, momentos atrás nesta Casa, Senador Josaphat Marinho, a partir de um pronunciamento do Senador Bernardo Cabral, exatamente esse ponto. No momento em que o Estado brasileiro retira-se de uma intervenção direta no setor produtivo da economia, ele tem que resguardar o seu papel de regulador. No momento em que o Estado brasileiro, por exemplo, deixar de investir na construção de usinas, para, com esse dinheiro, passar a construir escolas, será preciso que ele tenha, com mais autoridade ainda, o poder regulador. Quem tem o poder concedente de determinado serviço público tem que ter mais do que isso, tem que ter o poder de regulador.

O Sr. Josaphat Marinho - Permita-me V. Exª. Não apenas regulador. Há atividades que são essenciais do ponto de vista econômico e não devem sair do âmbito do Estado, senão não se garantirá um clima de justiça social.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Senador Josaphat Marinho, eu diria a V. Exª que podemos, os dois, até discordar quanto às atividades econômicas que exigem a presença do Estado e as que não exigem. Mas insisto na minha busca de convergência. Vamos pegar aqueles pontos em que convergimos e vamos tentar, todos nós - Governo, Congresso Nacional, segmentos organizados da sociedade -, buscar as mudanças que são possíveis pela via democrática, sem violência.

Recorro aqui a um ensinamento de um grande brasileiro, que, em 1974, se elegeu Senador por Pernambuco, com uma frase fantástica: "Sem medo e sem ódio". Ele que foi um dos grandes líderes na busca pela redemocratização e da luta contra o regime autoritário, o Senador Marcos Freire, de saudosa memória, assume o Ministério da Reforma Agrária, num momento de redemocratização da vida brasileira - e ninguém melhor que o Presidente Sarney conhece as dificuldades daquele momento - e anuncia ao Brasil que quer ser Ministro da Reforma Agrária, mas não admite ser Ministro das invasões. Marcos Freire, com a autoridade política que construiu ao longo de sua vida pública, de incontestável sentido democrático, queria ser Ministro de uma reforma agrária justa, na ordem e na paz, e não admitia ser o Ministro das invasões.

O Sr. Josaphat Marinho - Mas atente V. Exª que, para ser Ministro com este poder, é preciso que o Estado não seja fraco.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Estou absolutamente de acordo, Senador Josaphat Marinho, que o Estado brasileiro, no momento em que diminuir a sua intervenção na economia, tem que se fortalecer, tem que fortalecer a sua autoridade, a sua possibilidade de regulação, o seu papel de atuar - e aqui mais uma concordância com V. Exª - até como atividade econômica, no momento em que tem que fomentar o desenvolvimento em regiões menos desenvolvidas, por exemplo. Eis aí mais uma atitude importante, uma ação importante de políticas públicas.

Tudo isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Senador Josaphat Marinho, ainda que o Estado brasileiro, nos seus três níveis - União, Estados e Municípios -, tenha eventuais fraquezas, tenha falhas, ainda assim, temos que concordar que vivemos um momento de profundas mudanças no regime democrático. E é aqui, no Congresso Nacional, que se deve discutir essas divergências e construir as mudanças possíveis. O que me preocupa, pessoalmente, é que no campo haja violência: ou a violência dos que desejam terra - e esse é um movimento legítimo de se conseguir terras; ilegítimo é o uso da violência - ou a violência dos que desejam reprimir movimentos populares.

Não se deseja, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que este País viva momentos de conflitos entre brasileiros. O que todos desejamos é que se conclua esse processo de mudanças pela via democrática. Considero um grande paradoxo que determinadas correntes políticas, que estão hoje nas ruas e na imprensa pedindo mudanças, votem, sistematicamente, no Congresso Nacional, contra qualquer tipo de mudança.

Particularmente, penso, Sr. Presidente, que este é um momento de reflexão, calcado, inclusive, na linha que nos trouxe aqui o Presidente José Sarney, mostrando que as suas eventuais divergências com o grande brasileiro Renato Archer ficaram, na construção de uma linha da história, muito menores do que os momentos de convergência que aconteceram notadamente nos momentos de crise da vida brasileira.

O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Com o maior prazer, Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - Parece-me, Senador, que ao contrário da assertiva de V. Exª, nós que nos colocamos contrários a uma série de mudanças que estão sendo propostas pelo Governo assim o fazemos não porque somos contrários a mudanças, mas porque somos contrários a certas mudanças que representam, do nosso ponto de vista, recuos. Estamos perigosamente tendo um discurso de Primeiro Mundo e nos aprofundando no Terceiro Mundo, na africanização e na barbárie. De modo que, em relação às mudanças que representam uma marginalização da população, uma perda de direitos duramente conquistados pelos trabalhadores brasileiros, uma perda de garantias por parte dos funcionários públicos, que se profissionalizaram e, através de concurso e do trabalho de uma vida inteira, conseguiram a sua ascensão na carreira e uma série de mudanças, que, neste simples aparte, não poderiam ser enumeradas, tão longas e entrelaçadas estão.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Recolho o aparte de V. Exª.

Eu gostaria de concluir, Sr. Presidente, dizendo que tenho recorrido a uma figura de linguagem para tentar situar o momento que o Brasil vive.

Imaginem que todos nós, brasileiros, estivéssemos fazendo uma viagem de avião, e que esse avião estivesse passando por grandes turbulências e correndo até risco de queda. Nesse instante, todos os passageiros, nós brasileiros, nervosos, assistimos ao co-piloto, na época Ministro da Fazenda, fazer um plano alternativo de vôo, que nos permitisse pelo menos um pouso de emergência, ainda que num campo de terra. Feito o plano de emergência, o avião pousou e nós brasileiros, na cabine, aplaudimos. Como vencia as horas de vôo do comandante, colocamos esse co-piloto no comando do avião.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso assume a Presidência da República, assume o comando do avião, não sem antes dizer à Nação brasileira e, portanto, dizer a todos nós, passageiros, que na próxima escala terá que trocar uma turbina que apresenta defeitos. Numa segunda escala, precisaria de apoio para trocar o trem de pouso. E, numa outra, precisaria reabastecer o avião. Voltamos ao vôo, no primeiro momento, muito felizes, porque tínhamos evitado a queda anunciada pelos grandes índices de inflação e de desorganização da sociedade brasileira.

Quando se chega à primeira escala, surge dificuldade de trocar a turbina. Aqueles que a construíram tinham determinados interesses individuais, de grupos, ainda que legítimos, contrariavam o interesse de todos que faziam a viagem.

Continuamos e, numa segunda escala, não foi possível trocar o trem de pouso. Numa terceira, foi difícil reabastecer o avião. Ora, continuamos a viagem, só que já está faltando comida para quem está nos bancos de trás; aliás, já faltava antes. O vôo continua numa altitude baixa, o que gera turbulências. Se não há riscos de queda iminente, como o tínhamos antes, porque, afinal de contas, a inflação está sob controle e os grandes indicadores da economia dão condições de um vôo tranqüilo nas próximas horas, há, contudo, dentro dele divergências sobre o rumo da viagem e principalmente sobre a estabilidade do avião.

Se não dermos ao comandante, eleito pelo voto direto pela maioria da população brasileira, condições mínimas de mudar algumas peças que estão avariadas nesse avião, para que durante o vôo tenha menos turbulência e, principalmente, para que tenhamos bússola organizada para um objetivo comum de toda sociedade brasileira, obviamente, daqui a pouco, todos os brasileiros, nós, passageiros desse vôo, já esquecidos de que o atual comandante foi o co-piloto que nos salvou da queda, vamos estar querendo indicadores melhores para esta viagem.

Sr. Presidente, o momento é de reflexão e, principalmente, de nos juntarmos em torno das nossas convergências.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/06/1996 - Página 10614