Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRESCIMENTO ECONOMICO CAOTICO E DESORDENADO, QUE TRAZ A DETERIORAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA. NECESSIDADE DO GOVERNO FEDERAL FORMULAR AÇÕES CONCRETAS QUE POSSAM DEFINIR UMA POLITICA INDUSTRIAL QUE VALORIZE OS SEGMENTOS MAIS PRODUTIVOS E MAIS COMPETITIVOS DO PAIS. ANALISE DO FUTURO DA INDUSTRIA AUTOMOBILISTICA NO BRASIL, NO MOMENTO EM QUE ACONTECE UMA DISPUTA ENTRE ALGUNS ESTADOS DA FEDERAÇÃO EM BUSCA DE ATRAIR PARA SEUS TERRITORIOS NOVAS FABRICAS DE AUTOMOVEIS, OFERECENDO FINANCIAMENTOS VANTAJOSOS E INCENTIVOS FISCAIS, SEM PROCEDEREM UMA AVALIAÇÃO REALISTA DA RELAÇÃO CUSTO-BENEFICIO. PRIORIZANDO POLITICAS ECONOMICAS DE DESENVOLVIMENTO DE ACORDO COM A REALIDADE BRASILEIRA. COBRANDO SOLUÇÕES DO GOVERNO FEDERAL EM BENEFICIO DOS MUTUARIOS DA CONSTRUTORA ENCOL.

Autor
João Rocha (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: João da Rocha Ribeiro Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDUSTRIAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRESCIMENTO ECONOMICO CAOTICO E DESORDENADO, QUE TRAZ A DETERIORAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA. NECESSIDADE DO GOVERNO FEDERAL FORMULAR AÇÕES CONCRETAS QUE POSSAM DEFINIR UMA POLITICA INDUSTRIAL QUE VALORIZE OS SEGMENTOS MAIS PRODUTIVOS E MAIS COMPETITIVOS DO PAIS. ANALISE DO FUTURO DA INDUSTRIA AUTOMOBILISTICA NO BRASIL, NO MOMENTO EM QUE ACONTECE UMA DISPUTA ENTRE ALGUNS ESTADOS DA FEDERAÇÃO EM BUSCA DE ATRAIR PARA SEUS TERRITORIOS NOVAS FABRICAS DE AUTOMOVEIS, OFERECENDO FINANCIAMENTOS VANTAJOSOS E INCENTIVOS FISCAIS, SEM PROCEDEREM UMA AVALIAÇÃO REALISTA DA RELAÇÃO CUSTO-BENEFICIO. PRIORIZANDO POLITICAS ECONOMICAS DE DESENVOLVIMENTO DE ACORDO COM A REALIDADE BRASILEIRA. COBRANDO SOLUÇÕES DO GOVERNO FEDERAL EM BENEFICIO DOS MUTUARIOS DA CONSTRUTORA ENCOL.
Aparteantes
Jefferson Peres, José Alves, Lauro Campos, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 09/08/1997 - Página 15940
Assunto
Outros > POLITICA INDUSTRIAL.
Indexação
  • DEFESA, ADOÇÃO, GOVERNO, POLITICA INDUSTRIAL, DEFINIÇÃO, PRIORIDADE, APLICAÇÃO, RECURSOS, ATRAÇÃO, INVESTIMENTO, OBJETIVO, IMPEDIMENTO, LUTA, ESTADOS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), ESTADO DO PARANA (PR), ESTADO DE GOIAS (GO), IMPLEMENTAÇÃO, INDUSTRIA AUTOMOTIVA, SIMULTANEIDADE, FALTA, CRITERIOS, NATUREZA ECONOMICA, VIABILIDADE, EFICACIA, INSTALAÇÃO, INDUSTRIA AUTOMOBILISTICA.
  • CRITICA, CRIAÇÃO, REGIÃO SUL, REGIÃO SUDESTE, PROJETO, INCENTIVO FISCAL, DOAÇÃO, TERRENO, CONCESSÃO, EMPRESTIMO, SUBSIDIOS, FORMA, ATRAÇÃO, INDUSTRIA AUTOMOTIVA, PROCEDENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, MOTIVO, DISPARIDADE, VOLUME, INVESTIMENTO, PROPORCIONALIDADE, BENEFICIO, POPULAÇÃO, OFERECIMENTO, EMPREGO, REGIÃO.

O SR. JOÃO ROCHA (PFL-TO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no Brasil, talvez mais do que em qualquer outro país do mundo, a noção de desenvolvimento adquiriu o status de ideologia. A palavra "progresso" está inscrita no pavilhão nacional. O "desenvolvimentismo", particularmente a partir dos anos 50, tornou-se autêntica pedra de toque do debate político.

A razão dessa quase-obsessão pátria reside, provavelmente, no paradoxo entre o invulgar potencial do País e a incapacidade que até hoje temos demonstrado para realizá-lo; obsessão que, aliás, deve ser considerada saudável. Absurdo seria que nos conformássemos com o secular subdesenvolvimento de uma terra e de um povo notavelmente dotados para o progresso.

Acerca das extraordinárias condições de que a natureza dotou o Brasil, no sentido de permitir a seu povo viver na fartura e na abundância, tudo já foi dito e repetido inúmeras vezes, não sendo necessário repisar, uma vez mais, essas verdades tão conhecidas e tão evidentes. O que desejamos apontar é o amadurecimento de uma compreensão mais aprofundada da questão do desenvolvimento.

Hoje, embora mantida a preocupação com o crescimento econômico, tem-se a clara percepção de que, além da vontade de trabalhar, de fazer uso das potencialidades naturais do País para superar o subdesenvolvimento, é da maior importância definir rumos, estratégias, planejar criteriosamente o desenvolvimento nacional. Releva, a partir de uma visão integral da realidade brasileira, pensar as necessidades do País a médio e longo prazo. Urge - para que o desenvolvimento nacional seja consistente, pleno e harmônico - levar em conta as verdadeiras vocações do Brasil.

Não é suficiente, de forma alguma, pretender estimular a atividade econômica de forma geral e indiscriminada. Planejar, priorizar, selecionar, orientar investimentos é a palavra de ordem. O investimento sem critério pode trazer pouco ou nenhum benefício social. O crescimento caótico e desordenado pode ser tão deletério para a qualidade de vida quanto a pobreza, ou até mais. A modernização desenfreada e não planejada pode trazer novos e graves problemas econômicos e sociais.

Um exemplo muito eloqüente do que estamos afirmando é o processo de urbanização vivido pelo País a partir dos anos 50. No Brasil, esse processo - comum a todas as sociedades modernas - caracterizou-se pela enorme celeridade. Em 1950, a zona rural abrigava quase 70% dos habitantes do País e, hoje, tem pouco mais de 20%.

Os resultados dessa migração em massa para os grandes centros urbanos são bem conhecidos de todos nós. Sem que se tenha conseguido dotar as cidades de toda a infra-estrutura necessária ao acolhimento desses contingentes populacionais, a deterioração da qualidade de vida em nossas metrópoles atingiu níveis alarmantes, com o desemprego, a violência e as carências de toda ordem grassando descontrolados. Justamente aquelas cidades com maior renda per capita, como Brasília e São Paulo, por exercerem maior atração sobre os migrantes, apresentam os mais altos índices de desemprego.

Hoje, as demandas sociais nas áreas de educação, saúde, segurança pública e moradia estão muito acima da capacidade de atendimento dos governos locais, e nossas grandes cidades tornaram-se praticamente inabitáveis. Os recentes movimentos grevistas dos profissionais da segurança pública em vários Estados, deixando suas Capitais e outras importantes cidades entregues à sanha dos criminosos, dão bem uma medida da gravidade das conseqüências que podem advir da falência do Poder Público no atendimento de suas obrigações mais elementares.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a experiência é uma professora com métodos de ensino às vezes cruéis, porém praticamente infalíveis. Aprender com os erros não é prazeroso, porém é muito eficaz. Os equívocos do passado deram-nos claras lições acerca da importância de planejar criteriosamente o crescimento econômico, tendo em mente as verdadeiras vocações do País, seus objetivos de longo prazo e a imperiosa necessidade de interiorizar o processo de desenvolvimento.

No que tange ao setor secundário da economia, em particular, o Governo Federal lançou o Projeto Brasil em Ação, tentando definir uma política industrial para o País. Com efeito, é imprescindível que possamos dispor de uma política industrial que valorize os segmentos mais produtivos, mais competitivos e com possibilidade de assegurar maior oferta de emprego. Esse esforço do Governo central, porém, precisa traduzir-se em ação mais concreta e ágil, a fim de evitar que Estados e Municípios, na ausência de uma definição mais clara das prioridades para o setor industrial, atirem-se numa corrida desenfreada e irracional para atrair investimentos.

Isso é o que vem ocorrendo, Srªs e Srs. Senadores, em relação à indústria automotiva, com Estados como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraná e Goiás travando uma luta sem tréguas para levar para seus territórios novas fábricas de automóveis.

Acossados pelo agravamento do desequilíbrio fiscal - em conseqüência da estabilização monetária - e pela pressão social por mais empregos, os governadores oferecem financiamentos mais do que vantajosos e intermináveis subsídios na tentativa de atrair montadoras ainda não estabelecidas no País ou novas plantas industriais das montadoras que aqui já operam. Sem proceder a uma avaliação realista da relação custo-benefício dos favorecimentos que colocam à disposição desses empreendimentos, os Governadores parecem mais preocupados em fazer seu marketing político, utilizando a instalação das novas fábricas como instrumento para dar prova à opinião pública de seu empenho em favor da geração de empregos.

A análise mais criteriosa do presente e do futuro da indústria automobilística no Brasil e no mundo, contudo, levará a recomendar cautela muito maior na concessão desses benefícios. Em primeiro lugar, o que cumpre destacar é a flagrante desnecessidade de conceder tanta proteção a esse ramo industrial, com o fito de atraí-lo para o Brasil. Isso, porque o Brasil já seria destino natural para essas indústrias, no atual momento, independentemente de qualquer incentivo ou benefício fiscal.

O fato é que os mercados automobilísticos dos países ricos já estão saturados, não havendo mais espaço para a expansão das vendas. Por esse motivo, buscar os mercados emergentes para se instalar é a única alternativa das montadoras se pretendem continuar crescendo. Tanto isso é verdade que os 50 milhões de automóveis produzidos no mundo em 1996 representam não mais que 73% da capacidade produtiva instalada na indústria automobilística. Na América do Norte, a capacidade ociosa do setor é de 21%; na Europa Ocidental, de 33%; e, no Japão, chega a 50%. Esses mercados encontram-se em retração. As vendas de carros novos representam apenas a substituição dos usados que já esgotaram sua vida útil. Não há crescimento líquido nas vendas.

Já no Brasil, a situação, em termos de mercado, é oposta. É o próprio Presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores - Anfavea, quem admite, em matéria publicada na Gazeta Mercantil do dia 3 de julho: "O mercado de automóveis é o grande patrimônio do Brasil na atração de investimentos". Segundo dados da entidade, a demanda nacional cresceu de 960 mil veículos em 1991 para quase 1,1 milhão em 1992, quase 1,6 milhão em 1994, 1,8 milhão em 1996 e 2 milhões em 1997. Esse crescimento vertiginoso, de quase 100% em apenas cinco anos, foi impulsionado, entre outros fatores, pela estabilidade monetária, pelas maiores facilidades na obtenção de financiamentos para aquisição de carros novos e pelo desenvolvimento da chamada linha popular, constituída pelos carros de mil cilindradas.

Essas alterações conjunturais vieram permitir o desenvolvimento do potencial que o mercado brasileiro já encerrava, expresso na alta relação habitante por veículo, atualmente situada em torno de nove habitantes por veículo. Essa relação é muito elevada não apenas em comparação com as existentes na Europa, nos Estados Unidos e no Japão - onde se encontram taxas que oscilam entre 1,5 e 2 habitantes por veículo -, mas até mesmo em comparação com países de realidade sócio-econômica mais próxima à nossa. No México, o índice é de um veículo para cada 7,5 habitantes, e na Argentina, de um para cada 5,5 habitantes. Na avaliação da Anfavea, consideradas as "características do mercado brasileiro, essa relação tende a melhorar muito e rapidamente".

Não é à toa que alguns analistas qualificam o potencial brasileiro, em termos de mercado, como "fantástico", chegando a apontar o País como um dos mais promissores, em todo o mundo, para a venda de automóveis, tal como ocorre em relação à telefonia celular e à televisão por assinatura, constituindo, esses três, setores que terão enorme expansão nos próximos anos. A redistribuição de renda decorrente do Plano Real, por si só, provocou uma verdadeira explosão automobilística. A frota nacional de veículos vem apresentando crescimento de mais de 10% ao ano nos últimos três anos. Apenas nos dois primeiros meses do Plano, em 1994, o tráfego da cidade de São Paulo cresceu uma Campinas em termos de volume de carros. Nada menos do que 300 mil veículos ganharam as ruas.

Além desse cobiçável mercado interno, um outro fator determinante para tornar o Brasil um destino natural para os novos investimentos da indústria automobilística é a inserção do País no Mercosul. A soma das demandas de Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e, no futuro próximo, Chile e Bolívia gera a escala necessária para viabilizar novas instalações e ampliações das instalações fabris já existentes.

Portanto, o Brasil já era, como afirmamos anteriormente, destino natural e obrigatório dos novos investimentos da indústria automotiva, sendo esse apenas o primeiro motivo a comprovar o equívoco representado pelas políticas de polpudos investimentos patrocinadas pelos governos estaduais.

Infelizmente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesses equívocos incorreram numerosas Unidades da Federação. A forma encontrada pelo Governo de um Estado da Região Sul para atrair uma montadora francesa foi a participação societária de 40% no capital e a doação de um terreno no valor de US$12 milhões. O negócio vem rendendo viva polêmica, com ásperas críticas da Oposição a esse Governo. Um Estado da Região Sudeste criou um fundo denominado Fundo de Desenvolvimento das Indústrias Estratégicas - Fundiest, com o qual conseguiu levar para seu território a nova fábrica da Mercedes-Benz. Uma terceira Unidade da Federação conseguiu uma fábrica de caminhões e ônibus da Volkswagen, oferecendo a postergação por cinco anos no pagamento de 75% do ICMS e a infra-estrutura na porta da fábrica. Outra foi mais longe, criando um programa específico para atrair indústrias automobilísticas, o Proauto. Trata-se de uma linha de crédito baseada no valor devido do ICMS.

Mas, entre todos os negócios, o mais contestado tem sido aquele envolvendo a General Motors. Conforme os termos desse acordo, o Governo do Estado emprestará à empresa todo o dinheiro necessário à sua instalação física, no total de R$335 milhões, representando mais do que o total dos investimentos realizados por muitos Estados em 1996. Desse valor, a GM embolsou uma parcela de R$253 milhões antes mesmo do início das obras de terraplenagem do terreno. O empréstimo deverá ser pago em dez anos, após carência de cinco. Sobre o valor tomado, a empresa pagará juros de 6% ao ano, sem qualquer correção monetária. Para que se faça uma idéia do que isso representa, basta lembrar que os empréstimos mais favoráveis do BNDES cobram correção monetária mais juros, oscilando entre 9,5 a 11% ao ano.

Além de garantir empréstimos supersubsidiados, em alguns Estados o Governo pagará todas as obras de infra-estrutura para a construção das fábricas e mais os acessos rodoviários e portuários. E as vantagens não param por aí. No caso da GM, anteriormente citado, o Estado financiará, durante 15 anos, o capital de giro da empresa, no equivalente a 9% de seu faturamento, o que deverá representar cerca de R$100 milhões por ano, a serem pagos sem juros nem correção. Os incentivos estender-se-ão até o ano 2036.

Um dos contratos entre Estado e montadora redundou não apenas em contestações políticas, mas também em ações judiciais. Um partido da oposição buscou - com sucesso - a Justiça para tornar públicos os termos do negócio, que o Governo do Estado tentava manter em sigilo. Uma outra agremiação promete procurar o Judiciário norte-americano para denunciar o que considera "chantagem" da montadora ianque contra a comunidade local.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como já mencionamos, o móvel principal da ação dos Governos Estaduais no conceder tantos benefícios às montadoras de automóveis é o desejo de favorecer a geração de novos empregos. Mas, como também já tivemos oportunidade de referir, parece não ter havido um mínimo de cuidado com a análise da relação custo-benefício dos favorecimentos oferecidos. Num dos contratos entre Governo Estadual e montadora, considerando-se que a nova fábrica oferecerá 1.300 postos de trabalho e que o custo dos incentivos garantidos pelo Governo ascenderá, na mais conservadora das previsões, a R$500 milhões, aí incluídos os empréstimos com juros negativos, as isenções tributárias e as obras físicas, chegaremos ao absurdo número de R$385 mil por cada posto de trabalho.

O Sr. Ramez Tebet - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOÃO ROCHA - Concedo um aparte a V. Exª, nobre Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet - Nobre Senador João Rocha, mais uma vez V. Exª vem à tribuna do Senado para abordar a questão dos Estados brasileiros. V. Exª continua coerente na defesa de uma das bandeiras, que é de V. Exª no Senado da República, ou seja, a da eliminação das desigualdades regionais. Quanto à questão dos incentivos fiscais referente às montadoras, em função de recente medida provisória que procurou beneficiar os Estados do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste, alguns Estados dessas Regiões ficaram inteiramente incapacitados de obter os benefícios dessa legislação enviada pelo Presidente da República ao Congresso Nacional através de medida provisória. Por quê? Porque alguns Estados, como, por exemplo, o meu, Mato Grosso do Sul, endividados, buscando aqui recursos para pagar o funcionalismo público - que agora começa a se regularizar -, não poderão competir com outros Estados que têm condições de oferecer essas vantagens e esses empréstimos. Positivamente, no meu Estado, ficamos em desvantagem porque não tínhamos condições de oferecer incentivos que competissem com as outras Unidades da Federação que, momentaneamente, estão em posição econômico-financeira mais privilegiada. Tanto Mato Grosso do Sul quanto outros Estados da Federação estão atolados em dívidas e com dificuldades até mesmo para pagar a folha do funcionalismo. Lembro a V. Exª que essa matéria será objeto de uma emenda constitucional, que está tramitando nesta Casa, apresentada pelo Senador Waldeck Ornelas, da Bahia, que procura transferir toda essa matéria para a competência do Senado da República. Essa é uma matéria altamente controvertida, que vai exigir de nós outros um profundo estudo para que possamos encontrar uma solução que realmente atenda aos interesses do País como um todo, a toda a Federação brasileira. Parece-me que o Senado da República, como Casa da Federação, pode, conforme lembra-me o nobre Senador Bernardo Cabral, corrigir os rumos dessas distorções existentes no Brasil. Lanço uma outra tese: a necessidade de retornarmos ao planejamento, que é de fundamental importância. Outro dia, quando homenageávamos a figura do ex-Presidente Ernesto Geisel, dizia que, tanto quanto àquela época, hoje estamos com a moeda estabilizada, o que torna mais fácil termos um planejamento nacional. O Projeto Brasil em Ação está aí. Ainda hoje ocuparei a tribuna para falar a esse respeito. Mas, em verdade, esse planejamento nacional precisa ser efetivamente retomado a fim de ordenarmos a Federação brasileira. No mais, gostaria de cumprimentar V. Exª.

O SR. JOÃO ROCHA - Nobre Senador Ramez Tebet, os apartes de V. Exª aos meus pronunciamentos têm sido importantes na medida em que acrescentam informações. Realmente temos que despertar o nosso País para essas desigualdades gritantes. E V. Exª colocou muito bem: quando existem incentivos - no caso das montadoras, eu, pessoalmente, sou totalmente contra, pois existem outras prioridades para o nosso País -, esses incentivos continuam concentrados nas regiões mais ricas, nas Regiões Sul e Sudeste, exatamente pela incapacidade que temos, devido a esse desequilíbrio gritante, de participar e concorrer com qualquer uma dessas Unidades.

O Sr. Jefferson Péres - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOÃO ROCHA - Pois não. Ouço, com muito prazer, o aparte de V. Exª, nobre Senador Jefferson Péres.

O Sr. Jefferson Péres - Nobre Senador João Rocha, creio que o Senador Ramez Tebet tem razão ao lamentar a falta de alguma forma de planejamento para o País. Refiro-me a um planejamento de cunho orientador de investimentos, de articulações, de ações de governo, para evitar as coisas indesejáveis que estão acontecendo, que V. Exª aponta da tribuna. A guerra fiscal, por exemplo, essa guerra quase suicida entre Estados da Federação, talvez possa ser corrigida com o projeto do Senador Waldeck Ornelas. No caso da indústria automotiva, Senador João Rocha, são altamente preocupantes esses incentivos e vantagens concedidos pelos Estados do Rio Grande do Sul e do Paraná a essas montadoras, alguns dos quais nós nem sabemos, Senador Ramez Tebet, porque até hoje o Governador Jaime Lerner se nega a revelar ao Senado, em termos do protocolo, o acordo secreto feito com uma das montadoras que lá se instala. O que é pior, Senador João Rocha, é que um recente estudo da respeitabilíssima The Economist, do mês passado, revela que a indústria automotiva no mundo caminha para uma superoferta. Dentro de dois anos, a capacidade instalada dessa montadora no mundo será muito superior à demanda do mundo - e isso fatalmente irá acontecer no Brasil, onde já temos mais de vinte montadoras. Amanhã o Presidente irá à Bahia para lançar a pedra fundamental de uma empresa coreana que lá se instalará. No ritmo em que vai, com esse excesso de incentivos e montadoras chegando quase todos os meses, daqui a dois anos vamos ter quebradeiras de montadoras, com todos os efeitos negativos para a economia do País. De forma que me congratulo com V. Exª pelo seu oportuno pronunciamento.

O SR. JOÃO ROCHA - Também congratulo-me com V. Exª pelo conhecimento que tem sobre a atividade automotiva no mundo. A capacidade ociosa hoje existente é muito grande, e V. Exª colocou bem que temos que eleger prioridades para este País. Na verdade, já está passando da época, porque o investimento que não é prioritário, que não tem um resultado econômico e social não gera benefícios, gera somente problemas.

O projeto do Senador Waldeck Ornelas, realmente, é muito importante, não para as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, mas para o País como um todo, porque se uma região vai muito bem mas o restante vai mal, isso é ruim para todo o corpo, para toda a unidade, para todas aquelas partículas que formam o todo.

Então, o Senado deve assumir essa responsabilidade criteriosa de gerar incentivo onde for necessário. Talvez V. Exª não saiba, mas a indústria automotiva, esses carros que chamamos de populares, de mil cilindradas, praticamente não pagam imposto hoje, como ICM, IPI; no entanto, os preços não foram reduzidos, continuam subindo, como aconteceu com os tratores. Todos os incentivos dados vão mais para o bolso das montadoras do que para o benefício do cidadão, que seria o beneficiado lá na ponta.

Esse estudo com o Presidente da Comissão de Fiscalização e Controle está sendo feito com muito critério, exatamente para o aliado mostrar ao Governo as falhas, onde está errado, o que precisa ser corrigido, porque esse é o verdadeiro aliado. Aquele que fica querendo só agradar realmente não acrescenta nada aos interesses maiores do nosso País.

O Sr. Lauro Campos - Permite-me um aparte, Senador João Rocha?

O SR. JOÃO ROCHA - Concedo, com muita satisfação, o aparte a V. Exª, nobre Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - Quero congratular-me com V. Exª por tratar desses assuntos tão importantes. Em relação à indústria automotiva, tenho uma preocupação constante e diversas vezes já me manifestei desta tribuna. A última vez que falei sobre isso referi-me também a esses dois artigos da The Economist, que se chamam "O desastre automobilístico". Realmente, são cinquenta milhões de unidades produzidas no mundo, sendo que a capacidade instalada é para 67 milhões de unidades. E a própria The Economist se refere a um fato que não me canso de repetir: é que nos anos 50 aconteceu algo semelhante. Nós não precisávamos dar os incentivos, os estímulos, as doações, as isenções que foram dadas a essas indústrias. E tantas vieram para o Brasil atraídas por esses estímulos excessivos que três delas, no início dos anos 60, abandonaram o Brasil. Não havia mercado para a Hilma, para a DKV e para uma outra indústria, que saíram do Brasil porque perceberam que não havia condição de sobrevida da empresa.

O SR. JOÃO ROCHA - A Chrysler.

O Sr. Lauro Campos - A mesma coisa vai acontecer hoje. E é tão açodada essa mania de instalar no quintal do Governador uma montadora que a Kia está falida lá na Coréia do Sul e está recebendo na Bahia os maiores estímulos, os maiores incentivos. Nós estamos incentivando indústrias falidas. Só isso me parece que é suficiente para mostrar a ultrapassagem do limite da normalidade, o abuso e a falta de seletividade que nossos Governos permitem, a ponto de consentirem que fato dessa ordem esteja ocorrendo. Muito obrigado, Senador.

O SR. JOÃO ROCHA - Agradeço o aparte de V.Exª.

O Sr José Alves - Permite-me V.Exª um aparte?

O SR JOÃO ROCHA - Concedo o aparte ao Senador José Alves. Peço à Presidência mais um pouco de tolerância, pela importância do assunto. Logo após o aparte do Senador, daremos seqüência ao pronunciamento, que não será tão longo. Como tenho usado tão pouco esta tribuna, tenho certeza de que V. Exª será um pouco mais tolerante. Obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Valmir Campelo) - V.Exª terá o tempo necessário para concluir o seu pronunciamento.

O SR. JOÃO ROCHA - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Ouço o Senador José Alves.

O SR. JOSÉ ALVES - Senador João Rocha, o meu aparte será breve. Quero apenas hipotecar minha solidariedade a esse tema tão relevante que V. Exª traz, hoje, para a discussão deste Plenário. Entendemos que, neste momento, o planejamento estratégico do País passa a ter uma fundamental importância porque estamos dentro de um plano de estabilidade econômica em que faltam recursos para a área social, para a saúde, para a educação e para a segurança, e não podemos permitir que se instale uma verdadeira guerra fiscal entre os Estados, com verdadeira lesão à economia e ao desenvolvimento do País. Parabenizo V. Exª e hipoteco minha solidariedade ao seu pronunciamento.

O SR. JOÃO ROCHA - Muito obrigado, Senador.

Continuando, Sr. Presidente:

Se é que isto serve de algum consolo, podemos reconhecer que a generosidade de nossos governos estaduais não é uma exclusividade, em termos mundiais. Unidades da federação estadunidense andaram trilhando o mesmo caminho. Nenhuma delas, contudo, foi tão longe. O Estado do Alabama pagou US$170 mil por cada emprego gerado pela Mercedez-Benz. A Carolina do Sul atraiu a BMW, concedendo-lhe US$79 mil por posto de trabalho criado. O Tennessee desembolsou US$11 mil por cada empregado que a Nissan viria a contratar. O Estado de Ohio deu incentivos à Honda no valor de US$16 milhões, e o Kentucky, à Toyota, no valor de US$125 milhões. Entretanto, vale ressaltar que, embora tenham ficado muito aquém do recorde brasileiro de R$500 milhões - ou R$385 mil por posto de trabalho -, essas iniciativas dos governos estaduais norte-americanos redundaram em escândalos e no encerramento de algumas carreiras políticas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se de fato a gravíssima questão do desemprego deve estar no centro das preocupações dos homens públicos, não devemos esquecer que as modernas fábricas de automóveis, com muitos robôs e índices altíssimos de produtividade, oferecem cada vez menos empregos. Os porta-vozes do segmento costumam alegar em seu favor os empregos indiretos gerados nos setores de autopeças, venda e pós-venda. Mesmo esse argumento, no entanto, é questionável. Uma pesquisa que mediu a capacidade multiplicadora de mão-de-obra de 41 setores da economia nacional classificou a indústria automobilística em 10º lugar. Na primeira colocação - o que para nós não constituiu surpresa - ficou a agricultura. Em segundo, terceiro e quarto lugares classificaram-se os ramos de confecção, mobiliário e construção civil.

A verdade é que a guerra desenfreada por investimentos travada pelas Unidades da Federação possibilita às empresas automobilísticas terem custo zero na instalação de suas fábricas em nosso País.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o próprio fato de o Poder Público conceder tanto incentivo a um segmento industrial já estabelecido e robustecido no País é altamente criticável. Esse fato é ainda mais criticável quando levamos em conta que esse segmento precisaria fazer novos investimentos no País independentemente de qualquer incentivo, tendo em vista sua situação de mercado no resto do mundo. No entanto, críticas ainda mais severas devem ser feitas à ausência de cautelas na concessão desses benefícios.

Refiro-me ao fato de que, ao negociarem com as montadoras, os Governos Estaduais não cuidam de se precaver contra a possibilidade de encerramento das atividades das empresas, garantindo os incentivos sem exigir, em contrapartida, o compromisso de produção de uma determinada quantidade de carros por determinado período de tempo. Levando-se em conta os antecedentes das empresas do setor, essa cautela seria de fundamental importância e totalmente recomendável.

A General Motors, por exemplo, abandonou a cidade de Flint, no Michigan, na década passada, provocando devastadoras conseqüências sociais e econômicas. Poder-se-ia até argumentar que a tradicional planta de Flint estava obsoleta, mas a unidade da Volkswagen na Pensilvânia não estava, e, mesmo assim, a empresa fechou suas portas, depois de ter recebido milhões de dólares em incentivos. A unidade da GM em Ypsilanti, no Michigan, recebeu benefícios fiscais por mais de dez anos, até que, sem aviso prévio, resolveu mudar-se para outro local. Como se pode ver, não faltam motivos para que nos preocupemos com a incúria dos Governos Estaduais em acautelarem seus interesses, em face da possibilidade de as montadoras auferirem todas as vantagens oferecidas e, então, simplesmente encerrarem, sem nenhum compromisso, suas atividades.

Lamentável, outrossim, é verificar que o Governo Federal, além de omitir-se na coordenação geral da política industrial para o País, iniciativa que evitaria o enfrentamento fratricida entre os Estados, engrossa, ele próprio, o cabedal de favorecimentos injustificados à indústria automobilística. A Folha de S. Paulo, em editorial publicado no dia 4 de junho, faz duro questionamento da criação de nova linha de crédito do BNDES para beneficiar o setor automobilístico. Segundo o prestigioso diário, aprove-se ou não o regime automotivo definido pelo Executivo, "a última decisão do BNDES parece ir além do que é razoável e mesmo legítimo em termos de privilégios a setores considerados prioritários pelo Governo".

E continua o editorial do periódico:

      "Além das vantagens já oferecidas às montadoras, o banco de fomento estatal coloca agora à disposição das multinacionais do setor uma generosa linha de crédito, com taxas de juros menores que as de outras linhas oferecidas pela instituição".

Acerca da justificativa utilizada pela instituição de que, por ser considerado de inserção internacional, o setor automotivo pode pagar financiamentos segundo a taxa obtida a partir do custo da captação, pelo BNDES, de recursos no exterior, a Folha questiona com consistência lógica irrefutável:

      "Ora, se as empresas do setor são consideradas de "inserção internacional", por que não deixar então que elas captem por si mesmas recursos no mercado global?"

E prossegue, com a pergunta mais relevante:

      "Se a justificativa para tantas benesses federais e outras tantas oferecidas por Estados é a atração de investimentos, como explicar que o Governo se antecipe e ofereça justamente os recursos que sua política industrial seria capaz de, por si mesma, trazer à economia do País?"

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com efeito, esse questionamento é da maior relevância. Sob o pretexto de atrair investimentos, o Poder Público acaba, ele próprio, investindo para as empresas privadas, quando sua preocupação deveria ser a definição de uma política industrial coerente, capaz de, por si mesma, trazer recursos novos para dinamizar a economia nacional.

Quanto a esse aspecto da importância de incluir-se o regime automotivo no bojo de uma política industrial de cunho geral, é muito esclarecedor fazer-se uma comparação entre a conduta do Governo Federal, quando da primeira grande onda de investimentos das montadoras no País, na década de 50, e sua conduta hoje. Essa comparação é o objeto principal do livro De JK a FHC. A Reinvenção dos Carros, uma coletânea de artigos organizada pelos professores Glauco Arbix e Mauro Zilbovicius, do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.

Para os professores, essa comparação é da maior pertinência, no sentido de melhor avaliar-se o atual regime automotivo, implantado a partir do início da presente década. Na década de 50, quando da primeira onda de migração de investimentos das indústrias automobilísticas, foram negociadas entre o Estado e as multinacionais questões como formação de mão-de-obra, que tipos de veículos seriam produzidos, locais de produção e outras. Para o Professor Arbix, também docente no Departamento de Ciência Política da Universidade de Campinas, "houve, nos anos 50, uma visão sistêmica da indústria automobilística no desenvolvimento do País, ao contrário do que acontece atualmente".

Um dos ensaios constantes da obra, de autoria da brasilianista Helen Shapiro, professora da Universidade Santa Cruz, na Califórnia, mostra que:

      "a partir das disposições estratégicas do Estado brasileiro, a implantação da indústria nos anos 50 foi fruto de uma verdadeira negociação entre as montadoras e o Governo, que alterou planos de ambos os lados, redefiniu ritmos, prazos e o espectro das empresas que finalmente aqui se instalaram."

Na segunda grande onda de investimentos, ora em curso, o que se observa é que o País está perdendo a preciosa oportunidade de negociá-la de forma eficiente. Ao abrir mão de uma política de desenvolvimento, o Governo Federal obtém como resultado a guerra fiscal entre os Estados, o enfraquecimento do setor de autopeças e a falta de compromissos das montadoras na difusão de tecnologias e na geração de empregos. Os professores Arbix e Zilbovicius lembram que o Estado não pode abrir mão de seu papel de indutor do desenvolvimento, e argumentam que as negociações com as montadoras poderiam ter melhores efeitos para o desenvolvimento do País caso fossem coordenadas pelo Governo Federal e demais agentes econômicos.

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - Nobre Senador João Rocha, embora entendendo a importância do pronunciamento de V. Exª, a Mesa adverte que V. Exª já usou o dobro do seu tempo.

O SR. JOÃO ROCHA - Já estou terminando, Sr. Presidente. Contando os apartes, eu pediria mais um pouco de tempo, pela importância do pronunciamento.

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - V. Exª tem o tempo para concluir.

O SR. JOÃO ROCHA - Muito obrigado.

Sr. Presidente, agradeço a compreensão de V. Exª, permitindo que eu ultrapassasse um pouco o tempo do meu pronunciamento.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/08/1997 - Página 15940