A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é com pesar que também somo a minha voz aos dos colegas que me antecederam, registrando o falecimento do sociólogo Herbert de Souza, nosso Betinho.

Tive a oportunidade de conhecê-lo e de encontrar-me com ele várias vezes. Participei de um programa de entrevistas no qual ele era o entrevistador. Betinho fez-me uma pergunta muito interessante, a qual guardo em minha memória. Também, fez-me perguntas de cunho mais teórico com relação ao desenvolvimento da Amazônia; perguntou-me o que eu achava do desenvolvimento sustentável; qual era a saída para as populações tradicionais e, finalmente, o que significava a terra para mim. Como fui apanhada de surpresa, respondi-lhe que a terra, para mim, era uma grande barriga que nutria todos os viventes que ela comportava.

Betinho disse que a resposta tinha tocado o seu coração porque era assim que ele também via a terra: como uma grande mãe para todos aqueles que ela comporta.

Mas também tive a felicidade de receber por parte de Betinho a proposta para elaboração de uma cartilha em conjunto, para popularizar a lei de acesso aos recursos da biodiversidade, cujo Relator é o Senador Osmar Dias, quando fosse aprovada pelo Senado da República. Ele disse que gostaria muito que, uma vez aprovada essa lei, houvesse um mecanismo para que todas as pessoas, as comunidades, os caiçaras, os caboclos, os ribeirinhos, os seringueiros, os índios, os babaçueiros, enfim todos aqueles que lidam diretamente com os recursos da nossa biodiversidade pudessem entender do que a lei tratava. Ele queria fazer a cartilha de forma simples, mas sem simplificar a questão, que é polêmica, complexa. Entendia ele que era possível mostrar isso de modo que as pessoas pudessem ter a lei como um instrumento para evitar a exploração indevida de nossos recursos genéticos e biológicos.

Acredito que as pessoas que darão continuidade ao trabalho de Betinho continuarão com esse propósito. Eu continuarei com o propósito de fazer valer essa sugestão maravilhosa de Betinho.

Em algumas oportunidades, tenho repetido a frase do poeta Leo Buscaglia:

      "Somos todos anjos com uma só asa e só voamos quando estamos abraçados".

Espero que Chico Mendes, Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro, Paulo Freire estendam suas asas para abraçar Betinho num grande vôo e nos permitam seguir o exemplo de vida dessas pessoas, para continuarmos sua obra aqui na terra para o povo brasileiro, como bem dizia Darcy Ribeiro. Precisamos desses exemplos de pessoas com defeitos, paixões, medos e muitos problemas para enfrentar, mas que têm coragem para dedicar sua vida ao interesse do Brasil e a uma causa nobre. Isso nos dá um grande incentivo para praticar em nossas vidas o que eles foram capazes de fazer. Se pessoas de carne e osso fizeram isso, nós, seus iguais, poderemos dar continuidade a seus trabalhos.

Este é um momento de tristeza para mim e para milhares de brasileiros. Acredito que as pessoas passam por esta vida e, depois, de alguma forma, continuam em algum plano que Deus lhes concede.

Sabemos todos que estamos sem uma referência do trabalho de solidariedade que vinha sendo feito e que nos fazia partir de exemplos concretos, não apenas para apresentar um diagnóstico ou denúncia dos problemas existentes, mas para buscar solução para eles. A vida dessas pessoas nos encantou, porque foram capazes de identificar e de denunciar os problemas e, sobretudo, de apresentar soluções para eles.

Paulo Freire criou um método para a educação dos excluídos.

Darcy Ribeiro criou um sistema para valorizar a cultura do povo brasileiro, as suas entranhas, mostrando como fazer a junção da casa grande com a senzala, a junção da tradição com a modernidade. É por isto que a sua obra é grandiosa: a sua obra é a sua vida.

Chico Mendes, mesmo sendo uma pessoa simples, foi capaz de mostrar para o mundo todo o desafio de desenvolver e de promover justiça social preservando e respeitando a natureza, respeitando o meio ambiente.

O Professor Florestan Fernandes foi, acima de tudo, um teórico, um filósofo que soube mostrar para o mundo o pensar e o agir nas páginas do mesmo livro, unindo prática e teoria, unindo o desejo de liberdade com o ato de exercitar a liberdade no seu próprio ato de viver. E assim por diante.

Betinho foi o exemplo que uniu os problemas e o sofrimento deste País com o remédio para suas chagas, que se chama solidariedade.

Com essas palavras, eu me somo a todos aqueles que hoje lamentam a morte de Herbert de Souza, nosso querido Betinho, que nos deixou, como os outros que acabei de mencionar, a sua maior obra: o seu exemplo de vida.

Muito obrigada.