O SR. ROBERTO FREIRE (PPS- PE. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o assunto que trago hoje ao conhecimento de V. Exªs é de extrema importância para o aumento da participação direta da sociedade civil em fóruns de decisão internacionais, que têm-se comportado até o momento de maneira informal e pouco transparente. Trata-se de investigações que cidadãos brasileiros vêm solicitando junto ao Banco Mundial - BIRD, sobre seu comportamento em relação a empréstimo concedido ao País para um Projeto de Reassentamento e Irrigação para famílias atingidas em 1979 pela construção da Hidrelétrica de Itaparica, localizada no rio São Francisco, na divisa entre Pernambuco e Bahia.

A história é curta. Em 1979, com a construção da Hidroelética de Itaparica, mais de 6 mil famílias foram expulsas de suas terras. Em 1986, representados pelo Pólo Sindical do Submédio São Francisco, articulação que reúne diversos sindicatos rurais, associações de produtores e cooperativas, os camponeses conseguiram um acordo com a Companhia Hidrelétrica de Itaparica - CHESF e a Eletrobrás, obrigando a empresa responsável pela Hidrelétrica a reassentar a população deslocada em áreas de irrigação. Foi aprovado um financiamento junto ao Banco Mundial para promover não só a irrigação, mas a implantação de agrovilas com infra-estrutura de educação e saúde.

Entretanto, passados 10 anos, somente 35% dos sistemas de irrigação estão em funcionamento, sendo que grande parte desses sistemas já apresenta problemas técnicos de operação e manutenção. Mais da metade das famílias permanecem sem condições de produzir, sobrevivendo de uma verba de manutenção temporária paga pela CHESF: uma indignidade para cidadãos que querem e que podem produzir, gerando um prejuízo que não é pessoal, mas social.

O Projeto, que tinha a intenção de compensar as irreversíveis perdas culturais, econômicas, sociais e ambientais que essa população sofreu, tem permitido enorme desagregação social. O alcoolismo, os suicídios e o narcotráfico são apenas alguns dos efeitos colaterais dessa desagregação. Por tudo isso, a conclusão do Projeto é algo necessário e inadiável.

Em face dessa realidade, o Pólo Sindical do Submédio São Francisco solicitou ao Painel de Inspeção do Banco Mundial uma investigação sobre as ações e omissões do BIRD nesse processo de financiamento. Cumpre ao BIRD não só conceder o financiamento, mas principalmente acompanhar a aplicação dos recursos. Seu papel, definido pelas políticas e normas internas, inclui o monitoramento e a avaliação dos projetos, auditorias, supervisões etc. São os erros e a omissão do BIRD com relação a esse Projeto que o pedido de investigação quer atingir, se restringindo às responsabilidades do Banco Mundial, e não do Governo.

Deve-se ressaltar que o Painel de Inspeção do Banco Mundial é fórum independente recentemente criado, diante do qual cidadãos que se consideram prejudicados por um Projeto do Banco Mundial possam recorrer. Sentindo-se atingido, o cidadão solicita uma inspeção ao Painel, que avalia e submete aos Diretores-Executivos suas conclusões. A Diretoria terá três opções: rejeitar o relatório; aceitar o conteúdo do relatório ou ordenar ao Painel que continue com a investigação.

É de ressaltar que nunca houve um órgão desse tipo no contexto internacional, que possibilitasse o exercício direto da cidadania e a interpelação imediata de autoridades de instituições financeiras do porte do Banco Mundial. O que vem a ser surpreendente nesse caso é a visão canhestra do Governo brasileiro que, por meio de seu representante junto à Diretoria-Executiva do Banco Mundial em Washington, insiste em se posicionar contra a instalação do Painel de Inspeção, argumentando que seria ingerência em nossos "assuntos internos". É preciso investigar o porquê da ineficácia no assentamento desses camponeses, ineficácia que gera instabilidade e imprevisibilidade na vida de seus cidadãos. Não permitir as investigações é no mínimo um desrespeito ao direito desses indivíduos de questionar as razões de sua atual penúria. É um direito que lhes assiste e o Governo brasileiro, que se diz tão comprometido com a inserção do Brasil no processo de globalização e com a causa democrática, não pode impedir a participação cidadã em nível global.

Reitero: o objetivo da solicitação é apurar as responsabilidades do Banco, suas ações e omissões que resultaram na inconclusão do Projeto. A ação é direcionada ao Banco Mundial e não ao Governo brasileiro, e conta com o apoio da Rede Brasil, articulação que congrega mais de 40 organizações da sociedade civil, bem como o apoio de líderes de atingidos por barragens de diversos países. É preciso promover, também globalmente, a democratização no acesso às informações e a transparência das ações de entidades como o BIRD, de ampla influência na vida dos países do Terceiro Mundo.

Por isso, Sr. Presidente, solicito a V. Exa. a transcrição, nos Anais do Senado, da Carta Aberta anexa, enviada ao Exmo. Sr. Presidente da República, Sr. Fernando Henrique Cardoso, pelo Pólo Sindical do Submédio São Francisco, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG e pela Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais.