Pronunciamento de Gilvam Borges em 14/08/1997
Discurso no Senado Federal
INTERESSE DO EXECUTIVO FEDERAL EM ESTIMULAR A CAMPANHA ENCETADA POR PARTE DA MIDIA, DE DESCREDITO DO SERVIDOR PUBLICO, APONTADO COMO BODE EXPIATORIO DAS MAZELAS DA MAQUINA PUBLICA DO BRASIL. NECESSIDADE DE ALTERAÇÕES NA REFORMA ADMINISTRATIVA.
- Autor
- Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
- Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
REFORMA ADMINISTRATIVA.:
- INTERESSE DO EXECUTIVO FEDERAL EM ESTIMULAR A CAMPANHA ENCETADA POR PARTE DA MIDIA, DE DESCREDITO DO SERVIDOR PUBLICO, APONTADO COMO BODE EXPIATORIO DAS MAZELAS DA MAQUINA PUBLICA DO BRASIL. NECESSIDADE DE ALTERAÇÕES NA REFORMA ADMINISTRATIVA.
- Publicação
- Publicação no DSF de 15/08/1997 - Página 16441
- Assunto
- Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. REFORMA ADMINISTRATIVA.
- Indexação
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- CRITICA, GOVERNO FEDERAL, IMPUTAÇÃO, FUNCIONARIO PUBLICO, RESPONSABILIDADE, INEFICACIA, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, BRASIL.
- DEFESA, MANUTENÇÃO, IRREDUTIBILIDADE, VENCIMENTOS, FUNCIONARIO PUBLICO.
- CRITICA, PROPOSTA, GOVERNO, EMENDA CONSTITUCIONAL, REFORMA ADMINISTRATIVA, PRETENSÃO, CRIAÇÃO, ALTERNATIVA, CONCURSO PUBLICO, FORMA, INGRESSO, SERVIÇO PUBLICO, PREVALENCIA, SUBJETIVIDADE, SELEÇÃO, CANDIDATO, INTERESSE, ADMISSÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
O SR. Gilvam Borges (PMDB-AP) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, chegam ao nosso conhecimento, através de matéria publicada n'O Correio Braziliense de hoje, sob o título "Depressão ataca o Funcionalismo", notícias preocupantes acerca da situação aflitiva vivida pelo funcionalismo público do País, que já se traduz em termos de manifestações clínicas de doença física e mental.
Dados estatísticos da Organização Mundial de Saúde e do próprio Ministério da Saúde revelam a magnitude da incidência de sintomas depressivos nos agentes públicos em atividade no País.
A tal ponto que o médico Carlos Alberto Machado e a psicóloga Maria Clara Sá Ribeiro, que respondem pela Divisão de Desenvolvimento de Recursos Humanos daquele Ministério, tiveram de elaborar um programa específico de ressocialização dos servidores afetados pelo problema.
Depois de acuradas análises e pesquisas a respeito do assunto, chegou-se a conclusão de que a depressão já é a principal causa de incapacitação para o trabalho, sendo responsável por 8 em cada 10 casos de funcionários tidos como inadaptados para o serviço.
A pesquisa mostrou, ainda, a íntima conexão entre o quadro depressivo e a baixa auto-estima dos servidores públicos acometidos pela moléstia, devida, conforme se apurou, à excessiva divulgação de uma imagem negativa da profissão, à falta de perspectiva de promoção profissional e aos baixos salários percebidos.
E o problema vem tendo um rápido crescimento nos últimos anos.
Coincidência ou não, é impossível não associar estas constatações sobre a morbidade apresentada pelos servidores públicos ativos, com uma política de governo deliberada e voltada, de forma mal disfarçada, à depreciação dos ocupantes de cargos públicos na burocracia estatal.
A frase, algo enigmática, do Presidente Fernando Henrique, em seu discurso de posse, onde afirmou a prioridade de sua Administração em "pôr fim a era Vargas" começa a tornar-se mais compreensível ao se examinar a Reforma Administrativa encaminhada à apreciação do Congresso Nacional, tramitando, no momento, na Câmara dos Deputados.
Antes de quaisquer considerações, é bom deixar claro que não nos anima, ao fazê-las, nem mesmo o mais leve sentimento oposicionista, uma vez que temos aplaudido o Presidente da República sempre que toma iniciativas de conteúdo racionalizador e progressista, e não foram poucas as vezes em que mereceu nosso apoio.
Assim, sua condução da política monetária é irrepreensível, com repercussões óbvias e positivas no plano social, com o controle do imposto inflacionário, que alongava o mês e encurtava os salários do contingente mais expressivo de nossa população.
Medidas modernizadoras na área de educação começam a ser notadas com a ameaça concreta de descredenciamento das chamadas "Faculdades de fim-de-semana", hoje submetidas ao crivo do chamado "Provão", índice de controle de um padrão mínimo de eficácia educacional das Instituições Privadas de Ensino Superior.
Sua política de direitos humanos é a de maior conteúdo, alcance e seriedade entre todas as congêneres praticadas no País desde a implantação da República.
Enfim, é um Governo do qual pode-se discordar, é evidente, mas não se pode condenar sumariamente, por ter atraiçoado seus compromissos básicos com a cidadania brasileira.
No entanto, se há um setor em que o Governo merece reparos, este é o da sua política para a administração pública.
Assim, é visível o interesse do Executivo Federal em estimular a campanha encetada por parte da mídia, de descrédito do servidor público, apontado à execração pública, como bode expiatório das mazelas da máquina pública no Brasil.
A preocupação governamental com o déficit público, embora justa, pelas suas potenciais repercussões na estabilidade da moeda, não pode dar lugar a uma solução simplista de sanear as contas públicas à custa da reputação e dos empregos de seus servidores.
Este simples fato, que retórica alguma consegue camuflar, de pôr sobre os ombros do funcionalismo o descalabro fiscal do Estado, resultado de décadas de mau gerenciamento, para não dizer dilapidação do patrimônio público, remontando, no mínimo, ao regime militar, já não recomendaria, por incompatível com o interesse público, a tão decantada reforma administrativa.
Sim, por que, viciada na sua origem por uma falsa motivação (eficiência operacional), quando, de fato, se destina a meramente enxugar folha de pagamento, a dita reforma não atende ao princípio constitucional da legalidade dos atos administrativos, já que frauda elemento essencial a esses atos, que é o princípio da legalidade.
Como é sabido, não basta que o ato administrativo seja formalmente lícito, é mister que razões gerais e específicas de interesse público presidam à sua formação, isto é , é preciso que tenha formulação e finalidade idôneas e coerentes, sem o que resta eivado de defeito insanável, que o reduz à nulidade, passível de ser assim declarada pelo Poder Judiciário.
A lei, e a emenda à Constituição, também espécie normativa, não são imunes a esse controle de legalidade finalístico, a que se sujeita, de resto, todo o nosso ordenamento jurídico.
Nem a Constituição, nem a Lei, nem o Ato Administrativo "stricto sensu" podem vigorar em detrimento da boa-fé e da moralidade pública, declarando, por um lado perseguir determinado fim, e pretendendo, de fato, atingir outro bem diferente.
É, pois, altamente discutível a juridicidade de norma, ainda que de sede constitucional, como a emenda a que nos referimos, que simula desígnio racionalizador em prol da eficiência administrativa, como pretexto para realizar seu verdadeiro propósito, de ordem econômico financeira, de contenção fiscal.
Neste ponto, é necessário abordar o tema mais candente, o próprio nó górdio da pretendida reforma administrativa, qual seja, o da estabilidade do serviço público.
Quebrar a estabilidade dos funcionários eqüivale a romper a estabilidade do serviço público, pois, esta garantia não é uma benesse concedida ao ocupante do cargo, mas constitui instrumento voltada à segurança da própria administração, que, com isso, fica a salvo de descontinuidades administrativas, provocadas por simples injunções políticas, ou, como dizia, a propósito, Aliomar Baleeiro, praticadas por razões de mero expediente.
Em nada aproveita também à eficiência da máquina estatal a abolição da atual garantia de irredutibilidade de vencimentos dos servidores, medida que só atende aos interesses financeiros e contábil do Governo que, ao propô-la, age, não como administrador moderno que pretende ser, mas como o mais tacanho guarda-livros.
Isso sem falar do risco que ruptura simultânea da estabilidade e da irredutibilidade salarial trarão ao princípio constitucional da moralidade administrativa.
Ninguém ignora que, rompida a barreira da estabilidade, estarão os servidores federais, estaduais e municipais à mercê de vinganças e revanchismos políticos dos governantes de plantão.
Quem garante que as demissões efetuadas sob o pálio de uma obscura "necessidade administrativa, como reza a emenda constitucional nº 173/95, não serão feitas, na realidade, para punir servidores que, não obstante concursados, sejam simpáticos a outras lideranças políticas, e, por isso, se tornem indesejáveis?
É evidente o risco de colocar-se a ocupação e desocupação de cargos públicos ao sabor de picuinhas políticas locais, regionais ou mesmo nacionais.
Com isso, outro princípio básico da administração pública é posto em questão, qual seja, o da impessoalidade, haja vista que critérios da mais suspeita subjetividade passarão a reger o provimento e o desprovimento de cargos públicos.
Incluímos também o provimento de cargos públicos ou, pelo menos de empregos públicos, na margem de discricionariedade que se pretende atribuir ao administrador, porque, não por acaso, a atual PEC pretende também flexibilizar a forma de acesso ao serviço público.
Assim, pela proposta do Governo, serão agora duas as portas de entradas da Administração Pública, isto é, além da representada pela via objetiva, transparente e republicana do concurso, haverá também a mal iluminada vereda de um suspeito e misterioso "processo seletivo" cujo conteúdo e abrangência deixa-se para lei ordinária disciplinar.
Outro argumento falacioso, mas comumente esgrimido pela maioria da mídia do Brasil é o da hipertrofia da máquina administrativa em todos os níveis de Governo.
Mas, porque alegar-se o gigantismo de nossa máquina estatal se o próprio ministro Bresser Pereira reconhece não chegar o contingente total de servidores federais, estaduais e municipais, sequer a 6,5 milhões de pessoas ou 10% da população economicamente ativa, quando na França e Inglaterra por exemplo, os servidores somam, respectivamente, 25 e 20 % de suas populações em condições de trabalho?
É, portanto, uma falsa questão a do tamanho excessivo de nossa burocracia, como falso é o entendimento de ser a estabilidade a origem de uma eventual ineficiência do setor público.
Pelo contrário, da profissionalização da qualificação e de um mínimo de segurança na permanência dos quadros administrativos é que depende o sucesso de qualquer governo sério, com projetos estratégicos que exijam continuidade e não se esgotem numa só gestão.
Isto é o de que precisamos: uma burocracia estável, competente e bem remunerada!
Cabe, portanto, a nós, Parlamentares que iremos votar a Reforma Administrativa, um exame desapaixonado desta questão, procurando apreciá-la no seu âmbito próprio, como conjunto de medidas de valorização do serviço público e, em conseqüência do servidor público, com programas de treinamento adequado e a devida recompensa salarial, vislumbrando, até mesmo, neste particular, critérios de remuneração por produtividade com vistas a prestigiar a eficiência dos mais dedicados e competentes.
O maior equívoco, que devemos a todo custo evitar, é tratar a reforma administrativa como um capítulo, um anexo da reforma fiscal do estado brasileiro, porque seria dar significado exclusivamente financeiro e contábil àquilo que, por definição não tem preço, isto é, o atendimento, como responsabilidade pública por excelência, das necessidades sociais das parcelas mais carentes de nosso povo.
É o que tínhamos a dizer Senhor Presidente.