Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM POSTUMA AO SOCIOLOGO HERBERT DE SOUZA, O BETINHO.

Autor
Hugo Napoleão (PFL - Partido da Frente Liberal/PI)
Nome completo: Hugo Napoleão do Rego Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM POSTUMA AO SOCIOLOGO HERBERT DE SOUZA, O BETINHO.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 15/08/1997 - Página 16418
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, HERBERT DE SOUZA, SOCIOLOGO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

O SR. HUGO NAPOLEÃO (PFL-PI. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há muitos anos, o companheiro que também atendia na situação de motorista do ex-Presidente Juscelino Kubitscheck, Geraldo Ribeiro, homem de extrema simplicidade, mas de muita profundidade, a mim me disse: "Os entes queridos não morrem, e não morrem porque vivos permanecem em nossos corações". Creio que é esse o sentimento, não diria nem da Pátria, mas o sentimento da nacionalidade com relação ao Betinho, ao sociólogo e humanista Herbert de Souza, porque toda a sua vida foi marcada, pontilhada, pela devoção ao próximo, pelo serviço permanente à causa dos desafortunados, daqueles que, não tendo meios para defender seus próprios direitos, encontraram uma luz em seu caminho, uma luz de esperança, a esperança de melhores dias. Eis que Betinho, Sr. Presidente, era, em última análise e instância, essa chama de esperança daqueles cuja sorte não bafejou. Esse sentimento percorreu o País inteiro, percorreu todas as instituições da Nação brasileira, passou pelos poderes da República, pelo Poder Legislativo, evidentemente que pelo nosso Senado Federal, pelos partidos políticos e pelo Partido da Frente Liberal, que tenho a honra de representar no Senado e em cujo nome falo nesta homenagem.

Betinho era, sem dúvida, a síntese da cidadania, da cidadania naquela percepção que ainda não temos de maneira exata e precisa, a cidadania no sentido de que reconheço e sei dos meus direitos, mas sou necessariamente obrigado a entender a existência dos direitos do próximo e a respeitá-los.

Uma ocasião, conversando com o ex-Senador pelo Estado do Pará, Jarbas Passarinho, ele me dizia do receio que tinha de que o sentimento de cidadania no nosso País ainda demorasse a frutificar. Eis que vemos, evidentemente como em qualquer sociedade, os abusos, as arbitrariedades, as torturas. Mas não é nem nesse sentido; falamos no sentido diário, no sentido do uso de bens coletivos, no sentido do respeito que se deve ter pelo próximo. E era essa noção que sobrava em Betinho, era exatamente esse sentimento de cidadania que ele fazia transparecer, que ele passava para o próximo e que deixou como marca indelével na sua irrepreensível conduta.

Aqui mesmo, ouvi as palavras do Senador, ex-Ministro e ex-Deputado José Serra, e o testemunho que deu sobre o exílio que ambos passaram, com outros tantos, em Santiago do Chile, após 1964. Devem ter sido difíceis aqueles dias. Viver fora da Pátria só pode ser uma grande angústia, mas ele foi obrigado, e, mesmo lá, criou o centro de estudos e, mesmo lá, procurou servir. E eu posso, Sr. Presidente, de voz elevada, falar a respeito desse período, porque fui advogado de preso político durante o período da revolução. E como era difícil advogar naqueles tempos, in illo tempore, como diriam os romanos. Eu imagino o sofrimento de Betinho, mas creio que ele tenha deitado sementes ao chão para, numa nova jornada, ou numa virada de página da sua vida e da sua vida de servir, lançar os fundamentos do trabalho que a seguir faria, como fez e o fez de maneira brilhante.

Aproveito para dizer que, nas homenagens aqui prestadas, o eminente Senador Eduardo Matarazzo Suplicy, por quem nutro grande respeito e admiração, fez referência ao meu nome e ao nome do meu Partido a respeito de uma oportuna comissão, que ele requereu, para examinar a questão da fome e da miséria no Brasil, no momento exato em que, tendo falecido Betinho, apresenta-se o problema mais ainda de forma latente pela ausência e pelo vácuo que ele deixou. O Senador a mim me telefonou pedindo a aposição da minha assinatura em solidariedade ao seu requerimento. Manifestei total simpatia desde o início, dizendo a ele que era realmente favorável à idéia. Depois, conversando com Vice-Líderes, com o Colégio de Líderes do meu Partido, dentre eles os Senadores Edison Lobão, Francelino Pereira, Romero Jucá, Romeu Tuma e Júlio Campos, eles disseram que a idéia era tão boa que devíamos discuti-la no seio da nossa Bancada, no seio da Bancada do Partido da Frente Liberal.

Como nós, no PFL, que é hoje o partido com maior representação no Senado da República, temos o hábito de fazer reuniões quinzenais - a próxima reunião será na terça-feira vindoura -, já incluí, como item nº 1 da Ordem do Dia, a discussão ampla desse assunto.

De maneira lhana e cavalheiresca, o Senador Eduardo Suplicy dirigiu-se a mim, quando estava sentado na cadeira da Liderança do PFL, informando que havia feito menção àquilo a que acabo de me referir. S. Exª fez questão de me dizer porque, no momento, não me encontrava no plenário. Então, eu disse que faria questão de inserir no discurso que faria, como ora faço, de homenagem ao Betinho, a resposta ao Senador, que é exatamente esta: nossa próxima reunião ordinária da Bancada será na terça-feira vindoura.

Quem sabe talvez - uma das propostas por um dos Vice-Líderes foi exatamente esta - possamos até fazer não só aquilo que deseja o Senador Eduardo Suplicy, com o brilhantismo que caracteriza sua ação nesta Casa, mas algo de mais amplo, como um seminário, em que o Senado Federal se engajaria por inteiro, e não apenas uma comissão de sete membros. Com isso, não estou absolutamente diminuindo; ao contrário, quero enaltecer a iniciativa do Senador. Quando falo do Senado como um todo e não apenas de sete membros, estou oferecendo apenas uma alternativa que quero discutir na Bancada, porque na Bancada do PFL temos o hábito de, democraticamente, tomar as decisões em conjunto em horas e momentos importantes, como importante é este momento também.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte, Senador Hugo Napoleão?

O SR. HUGO NAPOLEÃO - Concedo a palavra a V. Exª, nobre Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Agradeço a atenção de V. Exª em responder a questão suscitada. Em meu pronunciamento, li trecho de artigo recente de Betinho, talvez o último, escrito em 20 de junho de 1997 e publicado em O Globo. Afirmava ele que, hoje, há uma certeza de que a tarefa de erradicar a pobreza é do Estado e da sociedade e que ninguém vai resolver a questão sozinho. Parceria, criatividade, propostas, mobilização, iniciativas, inovação e solidariedade são as categorias fundamentais nessa construção democrática. Daí ressaltei o que ele disse: "O que intriga a pessoa comum é por que uma questão tão óbvia e necessária não se transforma na agenda nossa de cada dia, na decisão cotidiana de FH, do Congresso - portanto do Senado -, da Justiça, da mídia e de todos nós, já que é possível"? Fico contente de saber que V. Exª teve o respaldo dos Líderes para considerar a proposição e que, inclusive, aceitando a sugestão do Betinho, considera a possibilidade, inclusive, de melhorar a proposição: realizar-se um seminário em que todos os 81 Senadores se envolvam para examinar a questão de como erradicar a miséria o quanto antes no País. Eu gostaria de estar dialogando com V. Exª e com o seu Partido sobre o que fazer. V. Exª foi um dos Senadores da legislatura passada presente aqui em 16 de dezembro de 1991, quando aprovamos o Projeto de Garantia de Renda Mínima. Fiz menção da carta que o sociólogo Betinho encaminhou ao Deputado Germano Rigotto, relator da matéria, em 6 de dezembro de 1993, quando conclamava o então Vice-Líder do PMDB e, depois, Líder do Governo no Congresso Nacional a que se votasse rapidamente o Programa de Garantia de Renda Mínima. Quem sabe possamos estudar outras proposições além desta e pensarmos em que o Senado Federal e Congresso Nacional podem fazer para agir mais rapidamente e, de fato, priorizar essa questão. Na sexta-feira passada, o Presidente Fernando Henrique Cardoso disse que quer terminar o seu Governo sem nenhuma criança fora da escola. Todavia, há milhões de crianças fora da escola, há um número extraordinário. O que fazer para que esta meta seja cumprida? Quando mencionei o menino Danilo - se o Presidente do Banco Central Gustavo Franco, já aprovado pelo Senado Federal, preocupou-se em saber por que razão estava pedindo esmolas - a minha expectativa era a de que S. Sª pudesse comentar: "não sei bem por que a família de Danilo ainda não recebeu a bolsa-escola do Governador". Houve até quem tivesse sugerido à Mesa - e isso não se realizou - que S. Sª tivesse respondido a mim na ocasião de que a culpa de o menino estar nas ruas seria do Governador Cristovam Buarque. Poderíamos ter averiguado, como fez a revista Veja. Está bem explicado na reportagem de Daniela Pinheiro que o menino e sua família haviam chegado há menos de cinco anos a Brasília e, por esta razão, não tinha direito a bolsa-escola. Será que não seria o caso de ampliar, nacionalmente, o Programa Bolsa-escola ou um programa de garantia de renda mínima para que, de fato, estejamos mais próximos da meta que o Presidente Fernando Henrique disse querer ver alcançada na conclusão do seu Governo? Espero que o seu Governo termine em menos de um ano e meio porque, pelo que sabemos, o seu mandato acaba em dezembro do próximo ano.

O SR. HUGO NAPOLEÃO - Talvez, neste aspecto, eu tenha uma opinião diferente.

O Sr. Eduardo Suplicy - Este mandato termina em dezembro de 1998.

O SR. HUGO NAPOLEÃO - Este. Quem sabe para a frente...

O Sr. Eduardo Suplicy - O mandato seguinte iremos disputá-lo. A Oposição vai disputar.

O SR. HUGO NAPOLEÃO - Por isso é que estou afirmando, até com uma dose de humildade: quem sabe, mais à frente.

O Sr. Eduardo Suplicy - O povo brasileiro é que dirá qual será o novo Presidente.

O SR. HUGO NAPOLEÃO - É claro.

O Sr. Eduardo Suplicy - Haverá uma chance, sim, para o Presidente Fernando Henrique.

O SR. HUGO NAPOLEÃO - Quero, inicialmente, agradecer a atenção do Senador Eduardo Suplicy e dizer que, quanto à questão da comissão que sugere ou do seminário que proponho, talvez a nossa diferença venha a residir no modus faciendi. Na essência, o objetivo é o mesmo, o destino da nossa ação é realmente idêntico. Quero apenas ter a oportunidade de, como disse antes, discutir no seio da Bancada para, então, na próxima terça-feira, na ocasião do encontro com o Senador, transmitir-lhe o resultado da reunião aqui no Senado.

Quanto à questão da educação, eu, que fui Ministro da Educação, compartilho das preocupações do Presidente Fernando Henrique Cardoso e do desejo que Sua Excelência tem de equacionar, de maneira adequada, a questão tão séria no nosso País, sobretudo em termos de analfabetismo, de repetência e de evasão escolar. Porque a cidadania começa pelo alfabeto e passa pela educação.

Sr. Presidente, caminhando para o final do meu pronunciamento, gostaria, ainda, voltando ao tema, de lembrar que o Betinho, no trato pessoal, era um homem amável, afável e tratável. Assim, nos encontros que tive oportunidade de com ele manter, sempre notei essas três características, essas três delineantes básicas do seu temperamento e da sua postura. Aliás, era uma postura de extrema compostura, haja vista o sofrimento que o destino lhe impôs através da doença que ele, de maneira eu não diria galharda, mas tão corajosa, tão despida, tão altruística, soube enfrentar, continuando o seu trabalho até o momento final em que lhe foram prestadas as mais bonitas homenagens por todas as religiões, todas as crenças, todos os cultos, com cânticos diversos, como que num adeus da Nação, um adeus de saudade, àquele que, sem dúvida, demonstrou o quanto o Brasil é capaz da solidariedade, dessa solidariedade com a qual a Exmª Srª D. Ruth Cardoso tanto se preocupa no seu magnífico e denodado programa.

Com essa saudade, encerro as minhas palavras fazendo os votos, como diria Sêneca, de que Herbert de Souza encontre na morte o porto tranqüilo do eterno repouso.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/08/1997 - Página 16418