Discurso no Senado Federal

ALASTRAMENTO, ATRAVES DE DIVERSOS SEGMENTOS DA SOCIEDADE, DA FALTA DE RESPEITO PARA COM A VIDA HUMANA. INCONSISTENCIA DO SIGNIFICADO DO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO, QUE FAZ DO PAIS PRESA DO FMI. CRITICA A POLITICA ECONOMICA E MONETARIA DO GOVERNO, EM PARTICULAR A CRIAÇÃO DO PROER. PREGAÇÃO DE AUSTERIDADE ECONOMICA PELO MINISTRO KANDIR E CONFISSÃO DO PRESIDENTE DA REPUBLICA DO EXAGERO DA ABERTURA ECONOMICA. DESUMANISMO DO JUDICIARIO E TENTATIVAS DE DESMORALIZAÇÃO DO LEGISLATIVO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. PODERES CONSTITUCIONAIS.:
  • ALASTRAMENTO, ATRAVES DE DIVERSOS SEGMENTOS DA SOCIEDADE, DA FALTA DE RESPEITO PARA COM A VIDA HUMANA. INCONSISTENCIA DO SIGNIFICADO DO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO, QUE FAZ DO PAIS PRESA DO FMI. CRITICA A POLITICA ECONOMICA E MONETARIA DO GOVERNO, EM PARTICULAR A CRIAÇÃO DO PROER. PREGAÇÃO DE AUSTERIDADE ECONOMICA PELO MINISTRO KANDIR E CONFISSÃO DO PRESIDENTE DA REPUBLICA DO EXAGERO DA ABERTURA ECONOMICA. DESUMANISMO DO JUDICIARIO E TENTATIVAS DE DESMORALIZAÇÃO DO LEGISLATIVO.
Publicação
Publicação no DSF de 16/08/1997 - Página 16527
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. PODERES CONSTITUCIONAIS.
Indexação
  • REPUDIO, ATUAÇÃO, GOVERNO, DESRESPEITO, ORDEM JURIDICA, DIREITO ADQUIRIDO, DIREITOS E GARANTIAS TRABALHISTAS, CUMPRIMENTO, IDEOLOGIA, GLOBALIZAÇÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI).
  • CRITICA, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, CRIAÇÃO, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER), DENUNCIA, IRREGULARIDADE, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, REDUÇÃO, RECURSOS, POLITICA SOCIAL.
  • COMENTARIO, INSUCESSO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, EXCESSO, ABERTURA, IMPORTAÇÃO, FALENCIA, SETOR, PRODUÇÃO, BRASIL, DESEMPREGO.
  • ANALISE, CRITICA, ATUAÇÃO, JUDICIARIO, IMPUNIDADE, CRIME DE RESPONSABILIDADE, OCUPANTE, CLASSE SOCIAL, RIQUEZAS.
  • CRITICA, LEGISLATIVO, IRREGULARIDADE, DEPUTADO FEDERAL, UTILIZAÇÃO, MANDATO PARLAMENTAR, OBTENÇÃO, REMUNERAÇÃO, SUPLENTE.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não tenho dúvida alguma de que as patologias sociais que pesam sobre a sociedade brasileira têm se agravado ao longo do tempo.

Na nossa juventude, esperávamos poder alcançar níveis de relacionamento humano, níveis de cultura, níveis de respeito à vida e à realização de todos nós. Infelizmente, foram previsões que se demonstraram otimistas e que se esboroaram diante da realidade cada vez mais adusta, cada vez mais estéril, cada vez mais esterilizante e desumana.

Hoje gostaria apenas de lembrar como se alastram, dentro dos diversos segmentos da sociedade, esse nosso desamor, essa nossa falta de respeito para com a vida e suas manifestações. As nossas relações de exclusão se mostram cada vez mais desumanas.

Projetos são abraçados por governos desesperados, que vêem os antigos instrumentos de ação sobre a economia e sobre a sociedade se apodrecerem, e que recorrem, então, a modelos importados, a esquemas impostos não pela força dos argumentos, mas pelo argumento da força.

Governos desesperados adotam planos que transformam o combate à inflação numa idéia-força capaz de justificar todos os desmandos, capaz de violar e violentar a Constituição e a ordem jurídica, capaz de desrespeitar os direitos adquiridos pelos trabalhadores a duras penas diante de sua caminhada secular. Esta é a situação a que chegamos: submetidos, como somos, à ideologia dominante do FMI, abraçamos um processo de globalização em relação ao qual não temos consciência clara do que realmente significa.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso declarou à Esquerda 21, em longa entrevista dada a esse órgão da imprensa, que estamos no caos. E, diante do caos, como é que pode a figura auto-iluminada, narcísica do Presidente da República ter tanta coragem? Sua Excelência ergue o seu braço como se fosse o de um guia encaminhando o seu povo. Mas não se sabe bem para onde, porque estamos, cada vez mais, sendo penetrados por esse caos, por essas trevas que nos cercam.

Parece que, diante do combate à inflação, hoje, a unidade monetária no Brasil é um bilhão de reais. Um montante de R$9,2 bilhões foram imolados para salvar os banqueiros e parentes do Banco Nacional.

A decisão de criar o Proer num sábado à noite foi tomada com toda ousadia e com todo atrevimento, como se essa medida contasse com o respaldo de experiências históricas anteriores, de profundos fundamentos na Teoria Econômica e, sobretudo, na prática, porque a verdade ou a falsidade de uma assertiva só se comprova na prática. Não sabiam nada a respeito do Proer. Prova é que, mais de um ano depois, tiveram de recorrer ao Presidente do BIS, Bank of International Settlement, e a um Professor da London School, com recursos do Banco Central, para que eles viessem aqui explicar e expor os seus pontos de vista a respeito da "proerização".

Os R$9,2 bilhões, no caos da noite e da madrugada, acabaram favorecendo não apenas o Banco Nacional, que agora o inquérito policial demonstra estar muito mais corrompido do que parecia de início, pois falsificou dinheiro. Quando um de seus diretores, o Sr. Santana, criou depósitos fantasmas de mais de 600 depositantes fictícios, pôde o Banco Nacional usar esses recursos para criar moeda escritural, criar poder de compra, completamente idêntica, a não ser na aparência física, à moeda emitida pela autoridade monetária.

Desse modo, o que vemos é que o Governo resolveu beneficiar falsificadores de dinheiro, criadores de meios de pagamento ex nihil, do nada. E aconteceu algo interessante com o Banco Nacional: a partir de 1844, na Inglaterra, os bancos cada vez mais se valeram da faculdade de transformar os antigos depósitos regulares, que eram feitos em espécie - e o banco guardava o dinheiro e cobrava pela sua custódia, não podendo emprestar nada dos depósitos que recebia -, em depósitos irregulares, podendo os bancos emprestar parte dos depósitos recebidos. Uma outra parte, digamos 20%, deveria ser compulsoriamente recolhida ao Banco Central.

Com a política de enxugamento desse Governo, em vez de poder emprestar, do Banco Central, setenta por cento dos depósitos criados pela mente doentia e criminosa do Sr. Santana, os recolhimentos obrigatórios aumentaram para mais de 70%. Então, em vez de o Banco Nacional necessitar de apenas 20% dos depósitos para recolher ao Banco Central, agora ele tinha de ter mais de 70% dos depósitos fictícios. O feitiço virou contra o feiticeiro, ficou caro demais falsificar dinheiro escritural.

Pois bem, esse banco foi o primeiro a ser premiado com o Proer. Isso é uma verdadeira patologia econômico-financeira que se soma agora, por exemplo, ao empréstimo que nós aqui carimbamos, autorizando que R$50,3 bilhões fossem oferecidos para salvar a "grande locomotiva", que gasta a lenha, a energia do Brasil. Enquanto o Governo Federal nega R$1,7 bilhão a Alagoas, oferece, na bandeja das benesses políticas, R$50,3 bilhões para que a "grande locomotiva" não pare.

Seria necessário realmente que se explicasse por que o Estado pujante, o Estado todo-poderoso, o Estado de São Paulo conseguiu ser o campeão de endividamento, elevando a dívida com o Banespa e outras dívidas do Estado a essa quantia fantástica de R$50,3 bilhões.

É interessante que, ao ser federalizada, essa dívida pública federal não aumenta por meio de um jogo contábil. Federalizam-se todas as dívidas sem conhecer a sua origem; sem saber se houve desvios, atos de improbidade pública e administrativa; se foram desviadas em frangos, mordomias, pelas empreiteiras que mamavam nas tetas do Governo; se foram desviadas para compras e importação de equipamentos - sabe-se que as universidades paulistas, principalmente a de Campinas, se beneficiaram com compras suspeitas, até criminosas, de Israel; e assim por diante.

Agora, passa-se a esponja do esquecimento sobre a origem de todas as dívidas, e o que acontece é que se conseguem recursos dessa grandeza, enquanto o Tribunal de Contas da União e os dos Estados têm sido acusados de uma propensão a apoiar e a ocultar os desvios praticados pelo Executivo, que nomeia os seus membros. Portanto, o Tribunal de Contas da União é completamente insuspeito quando afirma que recursos para atender aos itens que se dirigiam a proteger a infância e a saúde foram minimizados. O Governo Federal não usou também os recursos orçamentários totais que o Orçamento dedicava à reforma agrária.

No afã de enxugar, esses cortes foram feitos na "carne magra" do social. Enxugar, enxugar, enxugar, esse é o primeiro mandamento. E enxugar onde? Restringindo o consumo por meio do arrocho salarial. São 67% de inflação não-reposta, que vem emagrecer a cesta de consumo de todos os funcionários públicos; 67% de inflação ao longo do Plano Real I, com uma taxa de juros que permaneceu elevada, a fim de reduzir o consumo e fazer com que a aparente vitória sobre a inflação fosse alcançada.

O que é pior: uma inflação de 60% ou de 70% ao mês que é reposta mensal ou bimestralmente, ou uma perda de 67% jamais reposta? Nunca o Governo permitiu qualquer tipo de reposição, nessa sua forma de combate à inflação e de destruição da vida.

As empreiteiras passaram mais de três anos de esgotamento e de falência, mas, de repente, há R$30 bilhões, anunciados ontem, apenas para as estradas.

O Ministro Kandir, ao tomar posse, fez a oração e a peroração à austeridade. Austeridade, austeridade, austeridade, disse S. Exª ao tomar posse. E agora anuncia: gastança, gastança, gastança! Quarenta e dois setores serão salvos do Real I, agora sob a égide do Real II.

Aquilo que era crime virou virtude. Tudo que foi enxugado será alagado. A globalização abriu e escancarou o mercado brasileiro para a entrada de artigos de luxo, de carros, da linha branca, de perfumes, de chocolates, de bebidas finas, que entraram a preços subsidiados por essa taxa de câmbio altamente sobrevalorizada, beneficiando os compradores desses produtos.

Disse o Presidente Fernando Henrique Cardoso em entrevista à Gazeta Mercantil, publicada na página 10 do dia 19 de junho: "Agora, realmente exageramos na abertura".

Depois de ter destruído o parque nacional, de ter desempregado milhões de trabalhadores, de ter colocado as crianças pedindo esmola ao Presidente do Banco Central - que diz que não tem nada com isso -, depois de arrasar e desestruturar a Administração Pública, depois de tanto desestruturar, agora vem com um programa chamado Reestruturação.

Se o programa Brasil em Ação é de reestruturação, é lógico que houve, antes da reestruturação, uma desestruturação durante o Real. Agora, o Senhor Presidente da República afirma que "exageramos na abertura", mas os que morreram já foram enterrados, os que faliram já foram entregues ao desespero. Não se pode recuperar e ressuscitar o passado. Pois bem. O otimista Presidente da República afirma que são três os setores que serão salvos por meio de medidas protecionistas. Sua Excelência se referiu aos sapatos, tecidos e autopeças. O Ministério da Indústria e Comércio afirma que são quinze os setores que poderão ainda ser reestruturados, ressuscitados, e o plano Brasil em Ação afirma que são 42 os setores que serão protegidos, que receberão injeção de recursos que, obviamente, alargará a base monetária e fará voltar, com o aumento de demanda, a inflação.

Há três meses, o esquecido, o "amnésico" Presidente do Banco Central afirmou que a inflação vai voltar um pouco. Agora, ele se esqueceu disso como também se esqueceu de que havia batalhado para que a taxa de câmbio se situasse em R$0,50 por US$1, o que teria sido um verdadeiro cavalo de Átila, destruindo toda a atividade produtiva no Brasil. Agora, ele diz que se esqueceu disso.

Para terminar, digo que eu gostaria de ter demorado menos nessa análise inicial para mostrar que também esse desumanismo contaminou o Judiciário.

O Sr. Carlos Bezerra - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS - Com muito prazer, apenas vou terminar essa parte do meu raciocínio.

Há sentenças como aquela prolatada por uma juíza em Brasília, que afirma que o jovem Klein, ao passar por cima de um marginalizado, de um trabalhador, de um Zé Ninguém, não cometeu o agravante de deixar de socorrer a vítima, porque, segundo ela, a vítima já estava morta. A juíza se investe nas funções do Instituto de Medicina Legal e declara que o atropelado pelo Sr. Klein, filho do então Ministro Odacir Klein, não cometera o agravante de não-prestação de socorro à vítima porque a vítima já estaria morta. E disse mais, ao inocentar praticamente o réu: "ele é muito bonitinho, mas não faz o meu tipo".

Aonde chegamos neste País em que argumentos que deveriam ser avocados para analisar um ato criminoso, um homicídio, se transformam em julgamentos estéticos de uma classe que se pensa branca e privilegiada em relação aos intocados indianos, aos marginalizados da vida e da Justiça, os que não têm acesso à Justiça, e que, quando o têm, é para serem injustiçados?

Agora repete-se a mesma demonstração de doença e de patologia com aquela juíza que julgou os assassinos de Galdino, o Pataxó, incendiado em uma brincadeira de ricos. Ela afirma que os meninos estavam brincando de atirar fogo no Pataxó Galdino, que eles não queriam matá-lo. São jovens iguais a ela socialmente e, portanto, têm os direitos do conquistador sobre o conquistado, do europeu que matou cinco milhões de índios nas Américas e continua a matar impunemente na W-3, no Dia do Índio.

Essa é a nossa Justiça! E não adianta obviamente apenas recorrermos ao argumento de que agilizaríamos a Justiça fazendo com que as sentenças prolatadas pelo Supremo Tribunal Federal fossem aplicadas automaticamente por todas as instâncias. Não adianta apenas esse recurso; a Justiça precisa de um tratamento mais profundo.

Mais um minuto para repetir o que já foi dito aqui: "Querem desmoralizar também o Legislativo". E o Legislativo dá motivos para isso, e não apenas por se ter transformado no carimbador da vontade do príncipe. "Quod princeps voluit legis habet vigorem" - "Aquilo que o príncipe deseja a lei faz vigorar".

Agora, como acabei de falar num aparte ao nobre Senador Jefferson Péres, estão fazendo a multiplicação dos pães: um mandato rendendo quatro remunerações para os Deputados Federais, através de sucessivas posses dadas aos suplentes. Por quatro vezes, repito, é multiplicado o vencimento de um Deputado Federal através dessa forma desavergonhada de utilização do seu mandato.

Assim, teria ainda muito que falar a respeito dessa patologia social que deixamos que ocupasse e tomasse conta de todo o organismo nacional.

É, portanto, necessário não apenas passarmos o Brasil a limpo, mas acendermos o espírito crítico, que fará uma constante intervenção, uma constante operação neste nosso organismo contaminado até as bases pela falta de respeito ao próximo e pelos princípios éticos apodrecidos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/08/1997 - Página 16527