Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A REFORMA DA PREVIDENCIA SOCIAL.

Autor
Emília Fernandes (S/PARTIDO - Sem Partido/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A REFORMA DA PREVIDENCIA SOCIAL.
Publicação
Publicação no DSF de 19/08/1997 - Página 16643
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, IMPUTAÇÃO, TRABALHADOR, APOSENTADO, RESPONSABILIDADE, CRISE, SISTEMA, PREVIDENCIA SOCIAL, JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, REFORMULAÇÃO, ASSISTENCIA PREVIDENCIARIA.
  • NECESSIDADE, DEBATE, ESTUDO, SITUAÇÃO, SISTEMA, PREVIDENCIA SOCIAL, BRASIL, MOTIVO, CONTRADIÇÃO, INFORMAÇÃO, DADOS, DIVULGAÇÃO, MINISTERIO DA PREVIDENCIA E ASSISTENCIA SOCIAL (MPAS), COMPARAÇÃO, RESPOSTA, ENTIDADE, REPRESENTANTE, CATEGORIA PROFISSIONAL, ESPECIALISTA, AREA.
  • DEFESA, AUMENTO, FISCALIZAÇÃO, ARRECADAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA, IMPEDIMENTO, DESVIO, VERBA, GOVERNO, PREVIDENCIA SOCIAL, PARTICIPAÇÃO, SOCIEDADE, TRABALHADOR, ADMINISTRAÇÃO, ASSISTENCIA PREVIDENCIARIA, COMBATE, SONEGAÇÃO, FRAUDE, SETOR.
  • APREENSÃO, POSSIBILIDADE, PRIVATIZAÇÃO, SISTEMA, PREVIDENCIA SOCIAL, PROPOSTA, SUPLEMENTAÇÃO, TRANSFERENCIA, ACIDENTE DO TRABALHO, INICIATIVA PRIVADA.

A SRª EMILIA FERNANDES (-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago hoje algumas considerações sobre a reforma da Previdência Social, pois as mudanças propostas interferem na vida de milhões de trabalhadores da ativa ou aposentados - imediatamente e nos próximos cinqüenta anos.

A reforma da Previdência Social, como tem ocorrido com o conjunto das reformas já realizadas ou em curso no Congresso Nacional, partiu de um pressuposto equivocado.

Até o momento, sob o argumento da ineficiência do Estado, da redução de seu papel ou da necessidade de economia de gastos, aprovaram-se reformas que ferem interesses estratégicos do País, especialmente nos setores de telefonia e do petróleo.

A ordem é não enfrentar os problemas, não buscar corrigir as distorções, e atalhar pela saída aparentemente mais fácil, como a privatização das estatais, o ataque aos funcionários públicos e a desmoralização do papel do Estado no processo econômico.

No entanto, a proposta de reforma mais importante - a reforma tributária -, que poderia dotar a economia e as empresas nacionais de maior competitividade e também reorganizar as finanças públicas, as relações fiscais e tributárias entre os Municípios, Estados e a União, não tem merecido a necessária atenção do Governo Federal. 

A mesma situação verifica-se no debate da Previdência Social, que, sem que estudos mais detalhados sobre a sua situação tenham sido apresentados e submetidos à sociedade, está voltando-se contra os cidadãos, sejam aposentados ou trabalhadores da ativa, como se fossem eles os responsáveis pela alegada crise do sistema.

Antes de tudo, as informações a respeito da real situação da Previdência Social são contraditórias. Há, de um lado, os dados divulgados pelo Ministério da Previdência Social e, de outro, a réplica fornecida por instituições, entidades de classe e especialistas dando conta da realidade e de situações distintas. Essa divergência por si só mereceria um debate maior envolvendo todos os setores interessados no tema.

O Governo tem sustentado a necessidade de reforma na tese da inviabilidade do sistema. Acusa um rombo nos cofres da Previdência, ainda sem dados oficiais concretos, objetivos e claros que o comprovem e a decorrente impossibilidade de fazer frente aos benefícios já adquiridos pelos trabalhadores ao longo das últimas décadas.

Uma das alegadas causas para a falta de recursos é a de que o modelo previdenciário está sob o impacto do número de pessoas que entraram no sistema há 20 ou 25 anos - período em que os trabalhadores foram motivados a entrar no mercado formal de trabalho - e que hoje soma um custo muito alto aos cofres da instituição, com dificuldades de arrecadação.

Tal fato, que pode ser até verdadeiro, amplia a necessidade de um debate sobre a questão que evidencie as verdadeiras razões para as dificuldades de caixa, que não são os direitos adquiridos pelos trabalhadores, mas, sim, a informalidade, o desemprego e a falência de vastos setores, que resultam na redução das contribuições efetivas aos cofres da Presidência Social.

Cito uma afirmação da Srª Rosa Maria Marques, da Fundação de Desenvolvimento Administrativo - Fundap, e chefe do Departamento de Economia da PUC, de São Paulo: "Se tivéssemos uma política de criação de empregos, estaríamos incrementando essa fatia de arrecadação, criando superávit e uma reserva para o futuro".

Enquanto isso não acontece, são fechados postos de trabalhos cada vez com mais freqüência.

Complementa essa avaliação o advogado Vladimir Novaes Martinez, um dos maiores especialistas no assunto: "Se a população economicamente ativa conta hoje com 60 milhões de trabalhadores, cerca de 28 milhões não contribuem para a Previdência".

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, do Ministério do Planejamento - IPEA, nas seis principais regiões metropolitanas do País, somente 41% dos trabalhores que têm carteira assinada são contribuintes.

Enquanto isso, o Governo procura elevar a receita aumentando as alíquotas, estratégia que não tem demonstrado resultados positivos.

No início do sistema, o empregado pagava 3% e a empresa outros 3%. Hoje, o trabalhador recolhe de 8% a 11% e a empresa 22%. Com alíquotas tão altas, os trabalhadores submetem-se a trabalhos sem carteira assinada, sem recolhimento da contribuição devida. Os cálculos apontam para uma evasão de cerca de 25% do que deveria ser arrecadado. Apenas no ano passado, a arredadação, que deveria ter sido de R$50 bilhões, ficou em R$39,5 bilhões.

Além do mais, não parece justo, e muito menos ético, que se pretenda punir os trabalhadores em geral pelo fato de que, em determinado momento da história do País, uma parcela importante deles deu sua vida na construção do País, desenvolvendo suas atividades nos mais variados setores dentro de um correto regime formal de trabalho, com o respeito às leis e aos cidadãos.

Por outro lado, instituições de classe e renomados economistas, como o Dr. Dércio Garcia Munhóz, da Universidade Federal de Brasília, por exemplo, afirma que o volume das contribuições é suficiente para cobrir as despesas com os benefícios.

Se existem recursos, para onde está indo esse dinheiro?

Todos sabemos que, em outros tempos, os recursos da Previdência Social sustentaram obras como a construção de Brasília, Itaipu, a Transamazônica, entre outras - algumas delas até do interesse do País e outras bastante discutíveis.

Além do desvio de recursos para outros fins, que continua ocorrendo, a Previdência Social tem sido alvo do calote generalizado, que atualmente totaliza uma dívida acumulada de cerca de R$34 bilhões.

Esse, a meu ver, é outro grande problema, que até tem contado com o esforço do Ministério, esforço ainda insuficiente diante do grau de corrupção, do volume de recursos desviados e da sensação de impunidade que se faz presente entre um grande número de sonegadores.

Diante desse quadro, vejamos algumas outras informações divulgadas por organismos do próprio setor, que flagram a falta de critério, coerência e profundidade no enfrentamento da alegada crise da Previdência Social.

A sonegação é evidente e volumosa. E a Previdência Social tinha, até o ano de 1996, apenas 3,7 mil fiscais para acompanhar 4 milhões de empresas no Brasil.

É também óbvio que tal número deveria ser aumentado, e bastante. Mas opta-se por atacar realmente a sonegação e o desvio, mas busca-se atacar o tamanho do Estado e demitir funcionários públicos.

Segundo dados da Associação Nacional dos Procuradores da Previdência Social, o valor da cobrança judicial chega a R$40 bilhões, resultado de meio milhão de processos em andamento na Justiça. Aqui, repete-se o mesmo caso, com o registro de apenas 800 procuradores, quando seriam necessários mais.

Ainda como ilustração dessa realidade, vejamos os seguintes dados: em apenas oito meses de 1995, os fiscais da Previdência Social fiscalizaram 77,8 mil empresas, emitindo 43 mil notificações de lançamento de débito e obtendo 37 mil confissões de dívidas.

O resultado desse trabalho representou R$5,6 bilhões a serem recebidos ou inscritos como dívida ativa para cobrar na Justiça. Esse valor, diga-se de passagem, cobriria dois meses de todos os pagamentos da Previdência. No entanto, as 160 mil empresas visitadas e fiscalizadas representam apenas 4% do universo das quatro milhões de firmas existentes no País.

Por meio de tais dados, podemos verificar que não há fiscalização nem combate efetivo à sonegação de divisas.

Apenas para se ter uma idéia da situação, também segundo levantamento recente do próprio Ministério da Previdência, em 1996, a sonegação ficou em cerca de 22%, sendo que os 60 maiores sonegadores localizam-se nos cinco maiores Estados brasileiros, com um prejuízo de cerca de R$100 milhões aos cofres públicos.

Ainda de acordo com os dados oficiais, por meio de cruzamento de informações entre o Cadastro Nacional de Informações Sociais e a guia de recolhimento das contribuições previdenciárias, o INSS constatou que, de 1 milhão e 600 mil empresas pesquisadas, cerca de 400 mil contribuintes recolheram a menos do que deviam à Previdência Social.

Não estamos aqui acusando ninguém. Muito pelo contrário, estamos aqui ressaltando a importância da fiscalização e, ao mesmo tempo, demonstrando que uma fiscalização mais efetiva seria suficiente para ampliar sobremaneira a arrecadação para os cofres públicos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ainda destacamos outros problemas que acreditamos serem da maior gravidade, que são, de forma especial, a ausência de um gerenciamento correto, com plena participação da sociedade e a utilização indevida das verbas arrecadadas.

Não se pode permitir que os recursos da Seguridade Social continuem sendo utilizados ao bel-prazer dos governos, sejam quais forem eles, como já ocorreu no passado e continua ocorrendo, com graves prejuízos para a instituição.

Esses recursos devem ter administração centralizada, com destino claro e único, sob controle dos interessados, ou seja, da sociedade, por intermédio de uma administração colegiada e transparente.

Nesse sentido, é evidente a necessidade de implementar a administração quadripartite, incluindo, além do Governo, os trabalhadores, empresários e representantes dos aposentados, de forma igualitária, deliberativa e com poder de gerir os recursos. Mas, ao contrário, como já advertimos, o que vemos é o debate dirigir-se para o mesmo caminho já trilhado nas reformas anteriores. Antes de adotar medidas que a sociedade tem sugerido, envereda-se novamente pelo ataque à Previdência Social, pelo corte de direitos adquiridos e, em última instância, pela punição dos mais fracos, ou seja, os trabalhadores da ativa, aposentados e pensionistas.

Por que, ao invés de combater a sonegação, a fraude e a má administração, busca-se inviabilizar o direito à aposentadoria por meio da adoção de novos e discutíveis critérios, como a troca, por exemplo, do tempo de serviço pelo tempo de contribuição, e a sistemática da soma da idade mais tempo de contribuição? Será que essas medidas não excluirão milhares de trabalhadores do direito de se aposentarem e penalizarão, sem dúvida, os mais pobres, que começam a trabalhar mais cedo? Portanto, essa Previdência é injusta. Ou ainda, qual a explicação para não se assegurar o direito de todos os professores, inclusive dos professores universitários, de se aposentarem pelo regime especial, bem como de outras categorias expostas a condições de trabalho diferenciadas? Por que não contemplar, por exemplo, com uma aposentadoria especial, as pessoas portadoras de deficiência, que poderiam ter uma aposentadoria ao final de 25 ou 30 anos de serviço, como forma de retribuição e reconhecimento pelo esforço demonstrado e as barreiras vencidas? Afinal, trabalhadores portadores de deficiência também são contribuintes! Por que não se pensar, por exemplo, em gratificação especial para o aposentado com mais de 80 anos de idade como forma de valorizar, de reconhecer o trabalho e os serviços prestados por essas pessoas que estão a desfrutar de uma insignificante aposentadoria? Por que se apostar na complementação previdenciária privada quando se sabe que a ela só aportarão aqueles possuidores de salários altos, enquanto a grande massa de trabalhadores deverá contentar-se em aposentar-se com o teto estabelecido pela previdência pública?

É neste sentido, inclusive, que estamos apresentando e subscrevendo emendas que têm por objetivo propor a correção dessas, entre outras situações, a nosso ver, prejudiciais aos interesses da sociedade, dos trabalhadores e dos aposentados.

Srªs e Srs. Senadores, o fim da paridade entre aposentados e trabalhadores da ativa, na minha avaliação, está entre as propostas mais injustas. As afirmações de que a Previdência está falida pelo número de aposentados que existe no País, isolada das verdadeiras causas, no mínimo, é contestável e demonstra o lado egoísta e desumano com que a solução dos problemas é tratada.

O regime em vigor, além de promover uma competição desigual e desleal entre as empresas, em debate como este, a respeito dos direitos dos aposentados, está mostrando uma face individualista e, cada vez mais, uma grande falta de humanidade. Em muitos países do mundo, temos visto a consideração com que são tratadas as pessoas da terceira idade, merecedoras do respeito da família, da sociedade em geral e, principalmente, do Estado, que cumpre seu papel social, valorizando a história de cada um, dando as condições para o desenvolvimento, amparo e, além disso, criando novas formas de participação, de reconhecimento e até mesmo de oportunidades após a aposentadoria.

É de se perguntar que tipo de país se pretende construir, quando, por um lado, se trata com tanta frieza e tão pouco caso os seus velhos, por outro, se relega as crianças à exploração do trabalho infantil e à prostituição, e reserva-se aos trabalhadores da ativa o desemprego, a informalidade, a ausência de direitos trabalhistas, salários miseráveis, e ainda se aposta no desmonte de suas organizações sindicais.

Também não podemos, neste momento, deixar de registrar a nossa preocupação com a perspectiva de privatização do setor, caminho apontado por alguns segmentos da sociedade, que vemos sinalizada na tentativa de transferência do acidente de trabalho para a iniciativa privada, e na proposta de Previdência complementar, também por conta da previdência privada.

Sr. Presidente, Srªs. Srs. Senadores, para finalizar, reafirmo a necessidade de se buscar uma solução para esse e para outros problemas que desafiam o desempenho dos governos e, principalmente, resultam em prejuízos para os cidadãos.

Volto a destacar que não estou vendo isso de forma clara no projeto de reforma da Previdência social, em debate nesta Casa, apesar dos esforços do seu Relator, que, mediante a avaliação de dados estatísticos e da situação do Brasil e até mesmo de outros países do mundo, apresenta um relatório cuja qualidade e profundidade temos de reconhecer.

Não concordamos com os princípios que norteiam o seu substitutivo e insistimos em que é preciso investir na fiscalização das empresas, nas cobranças judiciais dos devedores, na geração de empregos e no recolhimento à Previdência. No entanto, não estou vendo propostas muito concretas nesse sentido.

É fundamental estancar a fraude e a corrupção, mas isso não tem sido prioridade nos debates, que poderiam sugerir medidas e penalidades mais severas para quem lesa os cofres públicos e os contribuintes do sistema.

Torna-se, ainda, um desrespeito aos aposentados e trabalhadores a apresentação de tantas sugestões de cortes dos seus direitos, enquanto se mantêm privilégios para determinados setores, particularmente para os próprios políticos, que podem acumular aposentadorias e beneficiar-se de instrumentos como o IPC - Instituto de Previdência dos Congressistas, que premia Deputados e Senadores com aposentadorias especiais.

Da mesma forma, não se aprofunda o debate sobre a gestão quadripartite e o fim do caixa único e sem fundo para os recursos da Previdência, que poderiam também, como já afirmei, contribuir decisivamente para a moralização do sistema.

Assistimos, e contra isso nos manifestamos, a busca de um projeto que, em sua essência, tem como preocupação central, assim como em outras reformas, a redução do déficit público. Déficit esse que, apesar das diversas medidas adotadas, cresce a cada dia, como todos podem acompanhar pelos jornais, e já traz preocupação ao próprio Governo.

Como já dissemos por diversas vezes neste Plenário, há outras causas, principalmente as altas taxas de juros praticadas no País, as importações indiscriminadas e a utilização de recursos para tapar rombos alheios, como o exemplo recente do programa de "salvação dos bancos".

Portanto, registro a minha contrariedade com a forma como este debate vem sendo conduzido e também com o seu conteúdo, que resultarão em prejuízos aos trabalhadores e aposentados.

Acredito que ainda é tempo de se encontrar um novo caminho para este debate, que democraticamente busque ouvir a sociedade, por meio de seus legítimos representantes, na certeza de que esta Casa exercerá, em plenitude, o seu direito de construir, aperfeiçoar, modificar o projeto que está em tramitação. Existem, aproximadamente, 40 emendas ao Projeto da Previdência, e isso demonstra o quanto o assunto é complexo e, portanto, merecedor de análise e atenção de cada um de nós.

Por fim, reafirmo a minha convicção de que, além de técnico, este debate em torno da Previdência Social merece ser tratado com a dimensão humana que contém, no sentido do respeito ao trabalho, aos cidadãos, em especial aos idosos, e ao direito a uma vida digna para todos.

Era o que tinha a dizer nesta tarde. Obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/08/1997 - Página 16643