Discurso no Senado Federal

LAMENTANDO INGERENCIA DO PRESIDENTE DA REPUBLICA NA DISCUSSÃO DA NOVA LEI ELEITORAL PARA 1998.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO ELEITORAL.:
  • LAMENTANDO INGERENCIA DO PRESIDENTE DA REPUBLICA NA DISCUSSÃO DA NOVA LEI ELEITORAL PARA 1998.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 19/08/1997 - Página 16692
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
Indexação
  • CRITICA, INTERFERENCIA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DISCUSSÃO, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO ELEITORAL, REUNIÃO, LIDER, PARTIDO POLITICO, DEBATE, NORMAS, ELEIÇÕES.
  • CRITICA, PROPOSTA, REDUÇÃO, TEMPO, CAMPANHA ELEITORAL, ELEIÇÕES.
  • DEFESA, ESTABELECIMENTO, TEMPO, TELEVISÃO, PARTIDO POLITICO, PERIODO, ELEIÇÕES, PROPORCIONALIDADE, NUMERO, CONGRESSISTA, BANCADA, EPOCA.
  • DEFESA, PROIBIÇÃO, INAUGURAÇÃO, OBRA PUBLICA, PERIODO, ELEIÇÕES.
  • APOIO, EMPRESTIMO PUBLICO, FINANCIAMENTO, CAMPANHA ELEITORAL, PROIBIÇÃO, CONTRIBUIÇÃO, PESSOA FISICA, PESSOA JURIDICA, CANDIDATO, FORMA, EXTINÇÃO, CORRUPÇÃO, ELEIÇÕES.
  • DEFESA, EXTINÇÃO, VALIDADE, VOTO EM BRANCO, OBJETIVO, CONTAGEM, VOTO, ELEIÇÕES, GARANTIA, PROPORCIONALIDADE, ELEIÇÃO.
  • DEFESA, MANUTENÇÃO, SEGUNDO TURNO, ELEIÇÕES, GOVERNADOR, BRASIL.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (BLOCO/PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, está em debate hoje, na Câmara dos Deputados - e muito brevemente deverá chegar ao Senado -, a questão da Lei Eleitoral para 1998.

Não tenho a mínima dúvida de que, quando essa matéria estiver pautada nesta Casa, vários Senadores, inclusive eu, teremos de dizer que é necessário votar uma lei eleitoral permanente no Brasil, pois é um absurdo que, para cada eleição, continuemos votando uma lei diferente, estabelecendo os humores daquele momento ou as vontades desse ou daquele governante, desse ou daquele agrupamento político.

Isso ocorrerá, mas tenho certeza de que votaremos uma lei para 1998, assim como, em 1999, votaremos outra para o ano 2000 e, em 2001, outra para 2002. Infelizmente essa é a andança normal de nossa democracia, que ainda não conseguiu ficar imune aos casuísmos.

Em relação a esse projeto de lei que está em discussão, em primeiro lugar gostaria de estranhar e lamentar certa ingerência do Presidente da República na discussão da matéria. É um absurdo que haja uma reunião de líderes de partidos do Governo no Palácio do Planalto a fim de discutir as regras da eleição, principalmente no momento em que haverá, pela primeira vez, no Brasil, o instituto da reeleição. Ou seja, será discutida com um dos principais interessados a regra eleitoral, quando, em tese, esta deveria ser o mais neutra possível. Naturalmente, é impossível neutralidade em política, mas, pelo menos, que se resguardassem direitos e não se procurasse fazer uma lei específica para facilitar a recondução do Presidente Fernando Henrique Cardoso ao cargo de Presidente da República.

Estamos vendo algumas questões que nos preocupam e que, a prosperarem, terão de obter da Oposição uma denúncia muito forte. Não aceitaremos participar de uma farsa; não aceitaremos submeter-nos a regras que, na verdade, são formadas exclusivamente com o objetivo de garantir a continuidade dos atuais governantes.

Entre esses mecanismos propostos está a chamada redução do tempo da campanha eleitoral. Sobre isso, sempre se dá o argumento de que, na Europa, a campanha eleitoral é de um mês. Entretanto, não se diz que, em quase todo o continente europeu, há o parlamentarismo e a possibilidade de o governo cair antes do término do seu mandato. Enfim, trata-se de uma cultura política profundamente diferente da nossa, em que não há essa tradição de utilização da máquina pública nas eleições.

Então, no momento em que ocorrerá a primeira eleição sob a égide do novo princípio constitucional da reeleição, vem-se com a cantilena de reduzir a campanha eleitoral, quando estamos vendo que, na prática, ela já começou para os partidos do Governo, uma vez que tem aparecido um grande rolo compressor de propagandas dos feitos do Governo, que, como sabemos, tem um objetivo claramente eleitoral. Dessa forma, a campanha para a Situação começa um ano antes da eleição e para a Oposição, 30 ou 45 dias antes.

Consideramos inadmissível essa chamada redução do tempo de campanha. Julgamos que o mínimo que deve ser garantido são exatamente os 60 dias de campanha na televisão, até porque sabemos muito bem que vivemos num país em que há monopólio dos meios de comunicação e não há acesso irrestrito a todas as correntes de opinião, principalmente, considerando-se o poder da máquina pública.

Então, o mínimo que se exige para um tratamento razoavelmente igualitário entre aqueles que concorrerão às eleições é que haja pelo menos 60 dias de campanha eleitoral.

Outro aspecto que está em discussão é a distribuição do tempo na televisão entre os Partidos. Deve-se levar em consideração a Bancada no início da legislatura, ou seja, 1º de fevereiro de 1995, ou deve-se levar em consideração a Bancada no dia 3 de outubro de 1997, quer dizer, um ano antes das eleições?

Quero dizer que, para nós do PT, do ponto de vista aritmético, essa questão é indiferente. Elegemos 49 Deputados, depois conseguimos mais uma vaga, no Maranhão, por meio do critério de recontagem, e outra, depois das eleições de 1996, em que dois Prefeitos do PSB, na Bahia, elegeram-se, mas assumiram dois suplentes do PT.

O que está por trás disso, na verdade, é um princípio de respeito à vontade da população. Se é justo que cada partido tenha um tempo de televisão proporcional à sua Bancada, para estabelecer essa proporcionalidade, o juiz tem de ser o povo, o voto, não o fisiologismo, a "dança das cadeiras" ou a "troca de camisas". Por isso acreditamos que o justo é estabelecer a proporcionalidade de acordo com a Bancada que o Partido elegeu. Isso, inclusive, evitaria escândalos, como o que aconteceu em 1994. Todos estamos lembrados da cassação do Sr. Onaireves Moura, se não me engano, naquele processo de compra de Deputados para o PSB, exatamente para poder viabilizar o aumento do tempo eleitoral.

Não tenham dúvidas de que, neste ano, acontecerá o mesmo, se se estabelecer a Bancada como referência para definir o tempo de televisão. Faltando 10 ou 15 dias para o prazo fatal de mudança de partido, haverá a famosa "dança das cadeiras"; imperará o fisiologismo e a pressão dos partidos governistas, para atrair mais Parlamentares, porque isso influenciará no tempo de televisão durante a campanha eleitoral.

Neste momento em que se fala tanto em respeitar e fortalecer os partidos, bem como em acatar a vontade do eleitor, mais correto é que o tamanho da Bancada que definirá o tempo de televisão seja o tamanho da bancada que o partido tinha quando da eleição. Desde então, houve mudanças, e todas, obviamente, serviram a interesses geralmente fisiológicos, que, em nosso entendimento, não podem influenciar na definição do tempo na televisão.

Outro aspecto polêmico que merece discussão é a questão das inaugurações. Dizem alguns que se trata de hipocrisia, que não há diferença entre o fato de o Presidente realizar a inauguração ou, dois ou três dias após, visitar a obra inaugurada.

Em primeiro lugar, temos de ter em mente que, se há inauguração de uma obra pública, a sua construção se deu com o dinheiro da população. Infelizmente, a prática no Brasil é a de transformar inaugurações - que são o resultado de promessas de campanha eleitoral - em verdadeiros atos político-eleitorais, sem contar que, muitas vezes - vide recentemente a duplicação da Rodovia Fernão Dias -, a obra começou em governos anteriores. Não faz sentido, então, que o Governador que a terminou queira capitalizar eleitoralmente o que foi iniciado em governos anteriores e que, em última instância, como já dissemos, foi financiada com o dinheiro do povo.

Entendemos, sim, até porque essa será a primeira eleição no Brasil em que está garantido o princípio da reeleição, ser fundamental a proibição de inaugurações que se transformem em comício eleitorais. Aí, a proposta apresentada pelo Senador José Serra é, na verdade, um eufemismo que não resolve o problema, pois diz que o governante pode participar da inauguração, mas não pode dizer que é candidato, quando sabemos que o que caracteriza um ato eleitoral não é a pessoa dizer que é candidato ou não, todos já sabem que é candidato.

Um outro ponto que consideramos importante e que continua muitas vezes sendo relegado a segundo plano é a discussão do financiamento das campanhas. Acredito que nunca vamos ter uma democracia mais ou menos igualitária enquanto não estabelecermos um mínimo de condições de igualdade no processo de disputa eleitoral. Aí, nessa discussão, necessariamente, tem que estar incluída a questão do financiamento de campanha.

Somos defensores do financiamento público de campanha. É necessário que os defensores dessa posição tenham coragem de mostrar isso para a população, porque, sem dúvida alguma, aqueles que são contra irão dizer que é absurdo usar dinheiro do Orçamento, que já não é suficiente para a saúde, para a educação etc., para financiar campanha eleitoral. Esse discurso fácil acaba impressionando a população, mas aqueles que são favoráveis têm que ter a coragem de debater de forma aberta com o público.

Na verdade, muitas vezes, acaba ficando mais caro para o contribuinte as maracutaias que antecedem as campanhas eleitorais. Está aí o recente exemplo da CPI dos Precatórios, envolvendo alguns milhões de Reais, que, com certeza, em boa parte, retornarão em forma de financiamento de campanha. Isso acaba sendo muito mais caro para o bolso do contribuinte do que o estabelecimento de receitas orçamentárias para viabilizar o financiamento de campanha. E, a partir daí, proibir-se a doação de pessoas físicas e jurídicas.

Quando isso for feito haverá muito mais condições de fiscalização das campanhas, porque a população, os tribunais e os políticos saberão quanto cada partido ou candidato estará recebendo para fazer campanha. Fica, portanto, mais fácil comprovar se o candidato que recebeu, por exemplo, R$100 mil e colocou trezentos outdoors e contratou quinhentos trios elétricos, entre outras coisas, está utilizando dinheiro indevido em sua campanha eleitoral.

Entendemos que o primeiro passo para acabar com a corrupção eleitoral é o estabelecimento do financiamento público de campanha e a proibição de contribuição de pessoas físicas ou jurídicas.

É lógico que essa não é uma questão que se vai resolver de uma hora para outra. Nesse particular, concordamos com o que está escrito no artigo do Senador José Serra, na Folha de S.Paulo de hoje, em que S. Exª diz que se trata de uma coisa que deve ser construída paulatinamente. Contudo, entendemos que tem-se que começar e achamos que poder-se-ia começar já pela eleição de 1998.

Naturalmente, não é possível dizer, de antemão, que a campanha será exclusivamente financiada com recursos orçamentários, mas pode-se introduzir este dispositivo na próxima legislação eleitoral, de forma a contribuir para acabar com a corrupção nas eleições.

Gostaria de abordar outro ponto, que é a questão dos votos em branco, a qual normalmente passa despercebida, quando discute-se a legislação eleitoral.

Ora, temos no segundo turno, ainda inscrito na Constituição, a seguinte disposição: quando o candidato a cargo executivo, na eleição majoritária, não atinge 50% dos votos válidos - entendendo-se votos válidos como os dados ao candidato e à legenda -, há o segundo turno. Ou seja, para eleição majoritária os votos em branco não são computados como votos válidos.

No entanto, nas eleições proporcionais, ao se estabelecer o quociente eleitoral, continua-se considerando os votos em branco como votos válidos.

Entendemos que isso causa uma distorção, geralmente, em prejuízo das agremiações menores, que, muitas vezes, têm representação, mas não consegue atingir o cociente eleitoral justamente porque os números de votos em branco - geralmente bastante altos - acabam sendo considerados como votos válidos para se estabelecer o cociente eleitoral.

Para se estabelecer uma igualdade entre eleições proporcionais e majoritárias é necessário que os votos válidos, para as eleições proporcionais, devam ser, exclusivamente, os votos concedidos aos candidatos e às legendas dos partidos, porque aí, sim, estaremos estabelecendo uma proporção real.

Já temos uma distorção muito grande na nossa representação parlamentar, em virtude da distorção das cadeiras por Estados, que faz com que, por exemplo, o PFL tenha tido em 94 pouco mais de 4% de votos em relação ao PT e, no entanto, elegeu quase o dobro da bancada, exatamente em função dessas distorções da nossa representação proporcional, que, em última instância, acaba indo de encontro à vontade majoritária do povo.

Por último, abordo um outro ponto que não está sendo discutido na legislação eleitoral em si, mas que é objeto de uma emenda constitucional em tramitação no Senado. Já se encontra na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, com o parecer favorável do Senador Francelino Pereira, a proposta de emenda constitucional, do Senador Júlio Campos, que acaba com o segundo turno para Governadores.

Considero isto, mais uma vez, como a criatividade do nosso casuísmo, mas considero a introdução do segundo turno, na Constituição de 1988, um avanço. Esta instituição ainda não está devidamente testada na cultura política brasileira, uma vez que tivemos apenas duas eleições em cada instância, onde houve um segundo turno, isto é, duas para Presidente, duas para Prefeito, duas para Governador e não dá para, nesse momento, apenas, em função de um interesse casuístico ou pessoal, ou porque é mais fácil derrotar o Governador sem o segundo turno, acabarmos com o esse instituto.

Quero registrar que, do ponto de vista partidário, se fizermos as contas, o segundo turno poderia até ser bom para o meu partido. Observamos em várias capitais e em Governos de Estado, quando o PT chegou ao segundo turno, que houve uma "santa aliança" entre todos os partidos conservadores e de direita para derrotar o Partido dos Trabalhadores, o que acabou acontecendo.

Raciocinando do mero ponto de vista partidário, talvez devêssemos ser a favor da extinção do segundo turno. Mas, volto a dizer, a legislação política brasileira não pode ser entendida como um terno que se faz de acordo com as medidas. Ela tem que ser entendida como de interesse coletivo e que não pode ser mudada à luz dos casuísmos, à luz das vontades desse ou daquele governante, à luz dos interesses partidários ou particulares desse ou daquele candidato.

Por isso, quero aqui, mais uma vez, reafirmar que quando esta PEC estiver sendo votada, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, vou votar contra esta matéria que acaba com o segundo turno para governadores, por entender que essa proposta se insere, entre outras, na nossa cultura casuística, que não mais deve prevalecer.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Ouço o aparte do nobre Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senador José Eduardo Dutra, estou de pleno acordo com os pontos que V. Exª levantou e saliento que, com respeito à eleição em dois turnos e conforme informa V. Exª, trata-se de um aperfeiçoamento do processo democrático brasileiro, em que pese alguns municípios terem tido até adversidades nas últimas eleições municipais, como em Maceió e em outras localidades nordestinas.

Avalio que devemos prosseguir com esse procedimento que concede à população de cada município, de cada Estado e à Nação a oportunidade de melhor decidir quando do enfrentamento das duas opções mais votadas pela população.

Todavia, gostaria de ressaltar um dos pontos que me parece extremamente grave e que vem da parte do Palácio do Planalto. O Presidente Fernando Henrique Cardoso, após obter o direito à reeleição, tem o interesse de diminuir o tempo de exposição entre todos aqueles que estarão competindo, ou seja, o tempo de campanha eleitoral. O Palácio do Planalto quer diminuir a campanha para apenas 30 dias. Ora, depois de ter realizado esse empenho extraordinário para a conquista do direito de reeleição - e levando-se em conta que o Governo tem obviamente muito maior presença na mídia em função de ser Governo - diminuir o tempo de exposição mais equitativo dos seus adversários é algo que deveria deixar o Presidente rubro. Não é possível que esteja o Governo se utilizando de seu poder de influência, inclusive aqui junto ao Congresso Nacional, com a intenção de diminuir tão drasticamente o tempo de campanha eleitoral. Assim, considero da maior importância esse item da reforma eleitoral; penso que deve se assegurar um tempo razoável de eqüidade para a exposição de todos que estejam competindo, não só para a sucessão presidencial, mas também para a sucessão de Governos estaduais e de Prefeitos.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy. Incorporo, com muito prazer, o aparte de V. Exª.

A respeito dessa questão de redução do tempo de campanha, a impressão é que para o Governo seria muito interessante que a lei eleitoral dissesse apenas o seguinte: "Art. 1º: Está garantida a reeleição do candidato Fernando Henrique Cardoso. Art. 2º: Revogam-se as disposições em contrário." Espero que o Congresso Nacional não se submeta a isso.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/08/1997 - Página 16692