Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES ACERCA DO INCIDENTE DIPLOMATICO ENTRE O BRASIL E A ARGENTINA, CRIADO A PARTIR DE DECLARAÇÕES DO PRESIDENTE CARLOS MENEM A RESPEITO DA PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA NO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU, E DENUNCIANDO MANOBRA DO GOVERNO NORTE-AMERICANO NO SENTIDO DE DESESTABILIZAR O MERCOSUL.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • CONSIDERAÇÕES ACERCA DO INCIDENTE DIPLOMATICO ENTRE O BRASIL E A ARGENTINA, CRIADO A PARTIR DE DECLARAÇÕES DO PRESIDENTE CARLOS MENEM A RESPEITO DA PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA NO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU, E DENUNCIANDO MANOBRA DO GOVERNO NORTE-AMERICANO NO SENTIDO DE DESESTABILIZAR O MERCOSUL.
Aparteantes
Hugo Napoleão, Jader Barbalho, José Serra, Pedro Simon, Roberto Requião, Sebastião Bala Rocha.
Publicação
Publicação no DSF de 21/08/1997 - Página 16952
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • CRITICA, CARLOS MENEM, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, ARGENTINA, DECLARAÇÃO, PRETENSÃO, VOTO FAVORAVEL, IMPEDIMENTO, PRESENÇA, BRASIL, INTEGRAÇÃO, CONSELHO DE SEGURANÇA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU).
  • CRITICA, GOVERNO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CONVITE, PAIS, AMERICA DO SUL, PARTICIPAÇÃO, ACORDO DE LIVRE COMERCIO DA AMERICA DO NORTE (NAFTA), INTEGRAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLANTICO NORTE (OTAN), EXCLUSÃO, BRASIL, OBJETIVO, PROVOCAÇÃO, DESTRUIÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB-AP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, cumpro um dever de consciência, nesta tarde, ao vir à tribuna do Senado para tratar de um assunto que considero da maior importância para o nosso País. Trata-se do problema criado a partir das manifestações do Sr. Presidente da Argentina a respeito da presença do Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas; mais ainda, das ações que estão sendo desenvolvidas no sentido de desestabilizar o Mercosul.

Todo o País sabe o quanto lutamos para acabar com as divergências históricas com a Argentina e, como Presidente da República, o quanto fiz para que iniciássemos um projeto de crescer juntos, projeto esse iniciado com a Ata de Foz de Iguaçu, em 1985, que se desdobra até hoje no Tratado sobre o Mercosul.

No dia 10 de abril deste ano, tive oportunidade de escrever, no jornal O Globo, o seguinte:

      "Acredito que vamos entrar numa área de turbulência e pressões ao Mercosul. Estamos ameaçados de investidas sérias para dividir-nos. Estas vão desde o aliciamento de nossos parceiros, para participar do Nafta, sem o Brasil, até convites para figurar no bloco militar da OTAN. Tal status assegura acesso a tecnologias de ponta em matéria de equipamento militar e treinamento.

      Ora, aqui, na América do Sul temos, certamente, uma das áreas mais pacíficas da face da terra. Não existe nenhuma hipótese de guerra, as Forças Armadas estão submetidas ao poder civil, participando do processo de consolidação das instituições democráticas. Por que deflagrar uma pressão para novos gastos militares quando todo o nosso esforço deve estar concentrado na estruturação do Mercosul, no fortalecimento da amizade entre nossos países, no combate ao desemprego, na superação dos graves desequilíbrios e na questão social?

      Ninguém entende que sejam tão fortes os interesses econômicos para se utilizar essa via com o objetivo de desestruturar um esforço pioneiro e notável que é o Mercosul, criando competições hegemônicas."

Eu estava em Buenos Aires quando o economista Rudger Dornbush fez uma conferência, com a presença do encarregado de negócios da Embaixada dos Estados Unidos, dizendo que a Argentina estava a encontrar o leito do desenvolvimento extraordinário, mas que, no caminho da Argentina havia apenas um perigo ameaçador: o Brasil.

Fiquei, Sr. Presidente, Srs. Senadores, e fico profundamente indignado quando vejo levantarem-se questões inteiramente superadas com o objetivo de dividir o esforço que fazemos no nosso continente. No dia 15 de maio deste ano, quando se realizava em Belo Horizonte a reunião sobre a ALCA, voltei ao tema e escrevi:

      "O maior acontecimento da história do subcontinente, depois da criação dos estados nacionais, foi a fundação do Mercado Comum do Cone Sul. É uma realidade, mas foi uma idéia-força cuja importância transcende os limites de uma simples área de livre comércio, na medida em que resultou do ideal político que contempla a formação de uma comunidade de nações unidas para forjar um destino histórico comum no processo político e econômico mundial."

Enquanto estivemos separados, e apenas unidos pela retórica, ninguém pensou na América do Sul em termos de uma integração verdadeira. A visão da América sempre foi retalhada em três Américas: a América do Norte, saxônica, rica, cuja aventura mundial era acompanhada pelo México, não pelos problemas mexicanos, mas por interesses particulares dos Estados Unidos, que se constituem na fronteira e nos imigrantes mexicanos; a América Central, onde os Estados nacionais ainda não estão perfeitamente definidos; e a América do Sul, onde iniciamos um processo de desenvolvimento e de unidade, quando ela era tida apenas como uma reserva de mercado dos países ricos.

Invoquei, naquele instante, em maio, o depoimento de Henry Kissinger, insuspeito, em que ele dizia que também tinha uma revelação a fazer da qual nós não tínhamos conhecimento. Dizia: "Se os Estados Unidos não tivessem falhado em promover o acesso do Chile ao Nafta e tivessem sido receptivos à insinuação da Argentina nessa direção (Nafta), as posições relativas de barganha do Mercosul e do Nafta não seriam as que hoje são e ambas as instituições estariam a caminho de transformar-se em elementos complementares de uma área de livre comércio hemisférica." Ora, as informações que Kissinger, com sua autoridade, divulgava eram sobre um fato que estava escondido, mas que, honestamente, ele soube revelar. Toda essa movimentação que vem sendo feita é justamente no interesse de isolar o Brasil, porque consideram que a criação do Mercosul é um ato que entra em confronto com o interesse econômico dos Estados Unidos na organização da Aliança de Livre Comércio das Américas.

Toda essa movimentação que tem sido feita é justamente - repito - para isolar o Brasil!

Atraem-se o Chile e a Argentina para o Nafta e o Brasil fica na berlinda, porque é o gigante que faz medo. No mesmo sentido opinaram Richard Feinberg, ex-assessor do Conselho de Segurança dos Estados Unidos, e Fred Bergsten, do Instituto de Assuntos Econômicos Internacionais. Dizem ambos que o Brasil é uma ameaça à ALCA.

Quando começou o que hoje é o Mercosul, em 1985, com a assinatura da Ata de Iguaçu, ninguém acreditava no pacto acordado nem no seu sucesso. A verdade é que, naquele tempo, o Brasil e a Argentina viviam problemas tão sérios em suas economias - uma inflação muito alta, problemas internos de natureza política e dívida externa muita alta -, que eles não acreditaram que fôssemos capazes de lançar as sementes de um projeto que tivesse tão bons resultados quanto o Mercosul.

Mas acredito que nunca foi tão necessária a união entre Brasil e Argentina. O Brasil entrou para o Mercosul com a visão da unidade, concordando em fazer grandes concessões. E as fez. A Argentina reconheceu a necessidade de acabarmos com nossas divergências históricas, superá-las e juntos aceitarmos o desafio de crescer como aliados. Hoje, o maior parceiro da Argentina é o Brasil, e a Argentina tornou-se um dos maiores parceiros do Brasil.

O Sr. Hugo Napoleão (PFL-PI) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB-AP) - Darei, em seguida, o aparte a V. Exª.

Quero dizer ao Senado Federal e à Nação que nunca na minha vida tive nenhum problema em relação aos Estados Unidos; pelo contrário, a minha formação de político e a minha formação humanista sempre foram baseadas naqueles valores eternos que a nação americana construiu. E, como Presidente da República, evitei de todos os modos que a temática antiamericana figurasse no nosso debate político interno, procurando relações diplomáticas maduras entre países, como dois países que têm que ter responsabilidades hemisféricas em relação ao mundo.

Se estou abordando este problema com esta clareza é porque sei perfeitamente que o Governo brasileiro não pode fazê-lo, mas tenho a obrigação de fazer, para advertir o nosso País e, mais ainda, para advertir o Governo dos Estados Unidos que ele não pode e não deve prosseguir nessa política, porque é um desserviço que faz à sua história e à história que ele tem representado em face da humanidade e para o nosso continente.

A Secretária de Estado dos Estados Unidos, Madeleine Albright, há alguns dias, anunciou que seu país aceitará a Argentina como "sócio militar íntimo", membro aliado, não-integrante da OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte, que sobreviveu à Guerra Fria e é um pacto militar de segurança mundial.

Acredito que nada há neste continente que justifique o oferecimento a qualquer país - não só à Argentina, como a qualquer outro país desta área, nem mesmo ao Brasil - do "guarda-chuva nuclear" dos Estados Unidos em matéria de segurança mundial.

Esta posição anunciada pela Secretária de Estado assegura à Argentina o acesso a tecnologias de ponta, a treinamento militar e a armamentos sofisticados.

A esse respeito, vale a pena lembrar que o Chanceler da Argentina, Guido Di Tella, confessou - numa frase que considero de certo modo infeliz - que é desejo de seu país "ter relações carnais com os Estados Unidos". De sua parte, o Governo dos Estados Unidos justifica o "status" privilegiado com que distingue a Argentina em reconhecimento aos serviços prestados como integrante das forças de paz da ONU na Croácia, no Chipre e no Haiti e por ter criado o Ministério da Defesa.

O Chile, pelo seu Ministro das Relações Exteriores, Chanceler Miguel Insulza, condenou também a decisão norte-americana, sublinhando que ela "altera o equilíbrio estratégico da nossa região."

A verdade é que, há seis meses, tive oportunidade de denunciar esses fatos com toda essa clareza e algumas pessoas julgaram que eu estava vendo fantasmas onde eles não existiam. Agora, é com extremo pesar que verifico que meus temores foram totalmente confirmados.

Ao justificar a decisão do seu país, a Srª Albraith sustenta que se trata de um gesto simbólico. Ora, todos nós sabemos que, em política - e principalmente em política externa -, os símbolos carregam decisões e sinalizam procedimentos. Basta lembrar que, quando os Estados Unidos aceitaram Israel na mesma condição em que estão aceitando a Argentina, o gesto simbólico que eles adiantaram é que eles sustentariam a posição de soberania do Estado de Israel na guerra do Oriente Médio, numa área profundamente conflagrada e onde até hoje o mundo inteiro deseja que se restabeleça a paz.

Nessa condição, os Estados Unidos deram a Israel essa participação de não-aliada e não-integrante, embora participante do Tratado do NAFTA. Da mesma maneira, outro participante, também nesta condição que agora é oferecida à Argentina, é a Coréia do Sul, que se debate no problema de segurança em relação à Coréia do Norte, área de um conflito permanente.

Então, a nossa indagação é esta: por que, no continente mais pacífico da face da Terra, que é a América do Sul, onde não temos guerra nem perspectiva de conflitos, oferece-se uma condição dessa natureza? O que está por trás disso? Não temos respostas racionais para responder as essas indagações.

O Sr. Hugo Napoleão (PFL-PI) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB-AP) - Ouço o Senador Hugo Napoleão.

O Sr. Hugo Napoleão (PFL-PI) - Eminente Senador e ex-Presidente José Sarney, estou acompanhando com a maior atenção - atenção diria até de discípulo - o traçar do perfil da atualidade a que faz referência V. Exª, para dizer que, se tivesse que optar por um novo Conselho de Segurança, é claro que defenderia a entrada do nosso País, que, das Américas Central e do Sul, é o que tem maior população e maior Produto Interno Bruto. Agora, fazendo referência à questão da Argentina, mais precípua e especificamente, eu diria que a sua economia depende visceralmente da economia brasileira. Um terço das exportações argentinas destina-se ao Brasil. Se o Nordeste brasileiro fosse um País, seria o quinto importador da Argentina - e o Estado de São Paulo, sozinho, importa mais da Argentina do que os próprios Estados Unidos da América. De sorte que penso que V. Exª, como tecelão desta grande causa, como homem que iniciou esta grande costura, certamente defende, como defendo, a harmonia entre os países e, sobretudo, com nossa vizinha Argentina. Quanto ao contexto que V. Exª insere, das declarações da Secretária de Estado Americano, estou absoluta e rigorosamente de acordo, também não entendo a razão de tal gesto. Obrigado a V. Exª.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB-AP) - Muito obrigado, Senador Hugo Napoleão, por seu aparte, que recolho. O sentimento de V. Exª, Líder de uma grande Bancada nesta Casa, é certamente o sentimento do Congresso Nacional e do povo brasileiro, pois neste instante renovam-se nossos votos e desejos de unidade com a Argentina, de prosseguimento desta aliança, que é indissolúvel. Sem dúvida alguma não podemos deixar que seja fragmentada por interesses outros que aqui possam entrar e dividir-nos.

Muito obrigado a V. Exª.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador José Sarney?

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB-AP) - Pois não, nobre Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Talvez um dos mais importantes pronunciamentos feitos neste Congresso nos últimos tempos seja este de V. Exª, em primeiro lugar, pela autoridade que V. Exª tem não só de ex-Presidente da República, mas basicamente porque em seu Governo iniciaram-se os grandes entendimentos que hoje estão florescendo; em segundo lugar, porque V. Exª, em seus artigos à imprensa brasileira, parecia estar adivinhando, mas disse um por um os fatos que estão acontecendo; e, em terceiro lugar, pela competência, pelas palavras medidas que V. Exª está proferindo, lendo o seu pronunciamento - o que não é do seu estilo. Mas, pela importância de ex-Presidente da República, de Presidente da Comissão de Relações Exteriores, V. Exª faz muito bem em medir as palavras que está dizendo. Quero dizer que V. Exª está sendo extraordinariamente importante neste momento e que o pronunciamento de V. Exª não pode ser um pronunciamento importante e apenas isso. A repercussão na Casa deve acontecer à altura do pronunciamento. Quero dizer a V. Exª, nobre Senador, com muita sinceridade, que nunca vi com muita simpatia essa briga para o Brasil entrar no Conselho de Segurança da ONU. Não sei se isso aumenta em US$10,00 o nosso crédito. O Brasil, inclusive, já fez parte, muitas vezes, do Conselho da ONU, como membro ocasional. Mas, na minha opinião, hoje, o Conselho não tem autoridade, não tem absolutamente nada, nem à época em que tinha, de um lado, os Estados Unidos e, do outro lado, a Rússia. Na verdade, hoje, Rússia não diz nada; França não diz nada; Inglaterra não diz nada; China não diz nada; então, perdoe-me a sinceridade, acho uma vaidade desnecessária essa do Brasil querer pertencer esse Conselho de Segurança. Mas o Brasil tem direito, o Brasil tem condições de aspirar não por esse argumento de ser a maior Nação, mas porque o Brasil tem uma tradição de país pacifista, porque o Brasil tem uma tradição de entendimento, de humanidade, e porque, no Conselho da ONU, daria um sentimento diferente de paz e de conteúdo, que o Brasil representa. Portanto, penso que o Brasil daria uma contribuição no Conselho da ONU. Mas somar para nós, juro por Deus, não vejo vantagem alguma. Agora, de repente os Estados Unidos fazer o que está fazendo! Em primeiro lugar, eles já fizeram, lançando a Alca. A Alca já veio de uma maneira totalmente desproporcional, querendo nos impor, goela abaixo, de hoje para amanhã, numa hora em que não estamos preparados para entrar na Alca. O Brasil teve coragem, este Senado votou moção lá na reunião da Bahia e praticamente o americano recuou. O troco ele está dando agora. Então, vamos tentar rachar. Sinceramente, é uma provocação. Até não estou preocupado com o fato de, a pequeno prazo e a médio prazo, a Argentina entrar. Se, em vez de ser a Argentina, fosse o Brasil a ser convidado para fazer parte do Tratado Militar do Atlântico Norte, eu estaria dizendo agora: o Brasil não deve entrar. E digo isso com a maior sinceridade. Se inverterem a situação, por exemplo, tirando a Argentina e fazendo com que o Brasil faça parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte - não temos nada a ver com as rixas, com as brigas, com as divisões que existem lá -, quais seriam as vantagens que levaríamos com isso? Mas convidar nossos irmãos argentinos, que durante séculos os americanos insuflaram à inevitabilidade - V. Exª sabe, mil vezes mais do que eu; junto com V. Exª participei das reuniões onde se iniciou esse Tratado; todos sabíamos que já era considerada inevitável a guerra do Brasil com a Argentina ao longo do século, insuflada de fora para dentro.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB-AP) - Senador Pedro Simon, V. Exª sabe o quanto me honra seu aparte, mas não quero ser advertido pela Mesa, cumpridor do Regimento que sou, por extrapolar o meu tempo.

Muito obrigado.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Só digo a V. Exª o seguinte: acredito, do fundo do coração, que o Presidente Fernando Henrique, não pelo jornal, não pela imprensa, deve ter uma conversa aberta e franca com o Sr. Menem, e essa questão deve ser acertada agora e definitivamente. Seja o que for.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB-AP) - Muito obrigado pelo aparte de V. Exª, que honra profundamente o meu discurso.

Não será, portanto, demais eu repetir agora, neste instante, que somos a área mais pacífica do Planeta. Não temos, como eu disse, nenhum conflito nem perspectiva de conflito. Em relação ao Brasil, sem dúvida, podemos nos orgulhar de ser um País que tem fronteira com dez outros países e não tem conflito de fronteira com nenhum deles. Um País que não tem conflito de raças, não tem problemas de etnias, não tem problemas de religião, um país que tem se dedicado, na sua história, à paz, ao diálogo e à convivência.

Portanto, nos preocupa profundamente que os Estados Unidos tenham tomado três decisões, todas elas inexplicáveis neste instante:

Primeira - Levantaram um embargo de armas para a América do Sul, que era uma decisão tomada pelo Presidente Carter, há 20 anos, em vigor quando o mundo vivia um tempo de grandes lutas, de guerras, de ameaças de guerras, e o Presidente Carter, Presidente dos Estados Unidos, proibiu a venda de armas para a América do Sul. Ora, naquele tempo justificou-se essa medida. Mas hoje, quando não temos qualquer perspectiva de conflito no Brasil, na América do Sul, nem no mundo, os Estados Unidos levantam o embargo de venda de armas e abrem o mercado sul-americano! Mais ainda: há cerca de quatro meses foi realizada no Rio de Janeiro uma feira internacional de armas na qual se procurava mostrar ao mercado sul-americano as possibilidades de novos armamentos.

Segunda: autorizam a venda de aviões de última geração para o Chile.

Terceira: consideram a Argentina sócio participante não aliado da Organização do Tratado do Atlântico Norte. 

Ao tomar essas três decisões, o governo americano - não digo os Estados Unidos, nem o povo americano. Devemos falar em governo americano para distinguir o que são os Estados Unidos, o povo americano e o atual governo americano. O governo americano precisa explicar, não somente a nós mas também ao próprio povo americano, por que as tomou. A justificativa que apresentou, pelo menos num caso, foi a de que a Argentina fez parte de missões de paz na ONU.

Ora, o Brasil participou de forças de paz da ONU em Suez, em São Domingo, em El Salvador, em Angola, em Moçambique, na Croácia. Permanentemente em todas as áreas militares em que a ONU tem tomado participação, quase sempre há um observador, um participante de nossas Forças Armadas, que têm um grande e alto prestígio pelas missões desempenhadas pelo Brasil.

Mas a presença brasileira não foi ditada para que tivéssemos qualquer reconhecimento. Ela foi ditada pelas responsabilidades deste País com a paz, com a democracia, nunca para receber títulos e prêmios de qualquer aliança militar. Considero um desrespeito à Argentina. Tem tudo para ser vista essa justificativa como uma hipocrisia diplomática, gerando reservas e muitas outras suspeitas onde antes havia um clima de confiança recíproca.

Nesses outros países onde há essa condição em relação ao Tratado do Atlântico Norte, eles têm que ter o guarda-chuva nuclear americano, porque estão ameaçados, como é o caso de Israel, Coréia do Sul.

Mas quem ameaça a Argentina, meu Deus? Quem ameaça de invasão a Argentina? O Brasil? O Paraguai? A Bolívia? O Chile?

Como explicar que neste momento, em que todos estamos voltados para a paz no mundo inteiro, em que vemos com grande satisfação o mundo atravessar aquele período de confrontação, se possa colocar dentro do nosso Continente, aqui, qualquer germe que diga respeito à utilização de argumentos de força para dirimir algumas ações diplomáticas?

Acredito que o povo brasileiro e o povo argentino tenham a exata noção dos seus interesses históricos e não permitirão que interesses menores fomentem essas corridas aqui, que criem um clima artificial de discórdia entre os países e que semeiem aquilo que os Estados Unidos desejam e que está muito claro: a desestruturação do Mercosul.

Essa é a grande verdade.

O Governo brasileiro não pode dizer isso. Mas eu posso, desta tribuna, fazer essas denúncias, até para ajudar o Governo para que este possa resistir às pressões que, naturalmente, vem sofrendo.

Eu posso, desta tribuna, dizer que o Governo brasileiro tem a solidariedade do povo brasileiro e nossa - acredito que seja de todos nós - para enfrentar essas dificuldades e, com altivez, exercer aquilo que o Brasil é pelo seu destino: uma grande Nação.

Eu posso, desta tribuna, dizer que os Estados Unidos nos devem explicações sobre essas atitudes. Não podemos aceitar esse tipo de conduta sem que haja uma reação do nosso País. Tenho o dever de denunciar essa manobra. E não posso conformar-me em dizer que vamos receber como compensação a participação no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Não acredito que, por trás dessa decisão dos Estados Unidas, exista uma negociação destinada a fazer com que a Argentina renuncie ao seu veto para o Brasil como membro permanente da Organização das Nações Unidas.

Devo lembrar, neste plenário, que a tese da necessidade de reformular o Conselho de Segurança da ONU foi levantada por mim, em nome do Governo brasileiro, em 1989, na Assembléia Geral das Nações Unidas. E nós o fizemos não para defender o nosso interesse de ter uma cadeira no Conselho de Segurança. Ao contrário, levantamos a tese de que o mundo de hoje não é o mundo de depois do encerramento da Segunda Guerra Mundial. A atual configuração da Organização das Nações Unidas reflete, sem dúvida, aquela paisagem de depois da Segunda Guerra Mundial.

Quem pode pensar em segurança mundial hoje sem que esteja presente, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, um país como o Japão, um país como a Alemanha? Qualquer mapa feito sem essa configuração, sem dúvida, não representará uma realidade mundial. Também a nova configuração mundial não será representativa se não estiver, na Organização das Nações Unidas, junto aos que decidem, aos grandes, países como a Índia e o Brasil.

Então, não estamos reivindicando o Conselho de Segurança como uma campanha diplomática. O Conselho de Segurança não é um cargo de honraria; é uma responsabilidade que o Brasil aceita assumir em face de sua grandeza, em face da sua história, em face de sua presença mundial. É o quinto País do mundo; a oitava economia do mundo; com duzentos milhões de habitantes no princípio do outro século.

Um País dessa magnitude tem responsabilidades mundiais e o Brasil tem sempre assumido essas responsabilidades, mesmo quando não tínhamos as condições que temos hoje.

Em 1945, quando a democracia parecia sucumbir no mundo com a liberdade e os direitos do homem, atravessamos o Atlântico para lutar na Europa por esses ideais, porque era um dever nosso, da nossa história, do nosso compromisso como grande País.

Portanto, não é o Conselho de Segurança uma aspiração de status internacional. Acredito que não devamos realizar nenhuma campanha nesse sentido. O Brasil deve aceitar as responsabilidades que tem perante o mundo.

O Sr. Jader Barbalho (PMDB-PA) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB-AP) - Com prazer ouço V. Exª.

O Sr. Jader Barbalho (PMDB-PA) - Senador e ex-Presidente José Sarney, cumprimento V. Exª pelas lúcidas considerações que está a tecer a respeito desse episódio, pela análise que V. Exª faz dos fatos e, acima de tudo, pela sua manifestação em favor da paz e do desenvolvimento, principalmente da América do Sul. Desejo cumprimentá-lo ainda pelo fato de fazê-lo também na condição de ex-Presidente do Brasil, em cuja presidência inaugurou, de forma concreta, uma nova etapa nas relações entre o Brasil e a Argentina com o Mercosul e, também, na condição de Presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado. Creio que esta Casa se orgulha e se expressa por intermédio de V. Exª neste momento. Vossa Excelência, na verdade, manifesta o sentimento de todos nós a respeito deste tema. Os meus cumprimentos.

O Sr. José Serra (PSDB-SP)- Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB-AP) - Ouço o aparte do nobre Senador José Serra.

O Sr. José Serra (PSDB-SP) - Nobre Senador, quero compartilhar da manifestação do Senador Jader Barbalho quanto à propriedade das palavras de V. Exª. Estou certo de que, neste momento, suas palavras expressam, com muita clareza e precisão, o pensamento e a convicção de todos os Senadores.

Creio que, como ex-Presidente, V. Exª tem uma realização muito importante a apresentar. E esta foi precisamente a inversão do nosso processo de relações com a Argentina. Foi no Governo de V. Exª que foram tomadas as primeiras iniciativas que permitiram abrir um marco de cooperação nas relações com aquele país, inclusive eliminando os custos daquela rivalidade histórica que tanto pesavam sobre ambas as nações. Não tenho dúvida de que o Mercosul nasceu dessa tentativa de aproximação. E o Brasil, como soube sublinhar com muita propriedade, fez grandes concessões para a criação desse mercado. Sua criação foi um objetivo essencialmente de natureza política, porque, do ponto de vista econômico, fizemos concessões que permitiram à Argentina enfrentar momentos difíceis do seu desenvolvimento econômico. E mencionaria, Senador José Sarney, um exemplo: em 1995, a expansão das exportações da Argentina para o Brasil representou um aumento do Produto Interno Bruto da Argentina de 4%. Naquele ano, o consumo mais o investimento da Argentina caíram 8%, mas o PIB caiu apenas 4%, por causa das exportações para o Brasil. Creio que, neste momento, o alerta, a análise de V. Exª tem uma característica positiva: a da necessidade de que consolidemos essa relação, de que enfrentemos um ambiente externo hostil a essa relação e a essa unidade, e ela servirá, sem a menor dúvida, a ambos os povos, tanto à Argentina quanto ao Brasil e à América do Sul e, sem dúvida, à paz mundial. Parabéns a V. Exª.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB-AP) - Obrigado, Senador José Serra.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA (BLOCO/PDT-AP) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB-AP) - Ouço o Senador Sebastião Rocha.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA (BLOCO/PDT-AP) - Senador José Sarney, estou convencido de que V. Exª, da tribuna do Senado da República, presta hoje um relevante serviço à Nação brasileira. Com a experiência e a responsabilidade que pesa sobre seus ombros, como ex-Presidente da República, ocupa uma lacuna histórica, deixada pelo Governo Federal que, de uma forma tíbia, respondeu a esse processo da Argentina, que contraria os interesses brasileiros de ocupar uma cadeira no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. Quero, portanto, na condição de Vice-Líder do Bloco no Senado e de Líder do PDT, congratular-me com V. Exª, apoiar na íntegra o seu discurso e a importância que tem, sobretudo quanto à apologia que faz à paz e à unidade na América Latina. Queira receber, portanto, nossas felicitações e o nosso apoio ao discurso de V. Exª.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB-AP) - Muito obrigado a V. Exª.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, zeloso que sempre fui do Regimento, não quero de nenhuma maneira extrapolar o tempo que me é destinado. E quero chegar às conclusões do meu discurso, dizendo à Casa, à minha Casa, o Senado Federal, que senti como meu dever ocupar esta tribuna, sendo absolutamente franco, completamente leal para com a minha consciência, sabendo que é melhor alertar em tempo, em matéria de política internacional, do que depois ter de corrigir os erros das nossas omissões.

Este é um assunto que diz respeito ao nosso futuro. Haverá desdobramentos em relação ao futuro e aos destinos deste País e deste continente. Essa é uma luta que temos que enfrentar e não podemos deixar de fazê-lo. Uma luta que vem do nosso esforço para a criação de riqueza nessa área da América do Sul, que, até há bem pouco tempo, era um bolsão por onde não passava nenhuma corrente do poder mundial, nenhuma corrente de natureza política, nem econômica, nem cultural, sendo apenas um ponto de passagem em um oceano.

Pois bem, agora estamos consolidando um processo de independência continental; processo esse que se destina a abrir um espaço econômico; espaço econômico que já está criado, o Mercosul, que, neste momento, está numa fase de consolidação; espaço econômico que nos dará também espaço político em nível mundial para negociar com os outros Blocos, com absoluta independência, com o Mercado Comum Europeu, com o Nafta, com o Bloco Asiático. Enfim, abrindo todas as possibilidades que este continente possui e que antes não existiam.

Neste instante, portanto, inicia-se esse processo de desarticulação do esforço que estamos fazendo. E não se desestrutura pelo lado econômico - este é um dado cruel -, procura-se inocular um sentido de divisão, voltando essa nossa área a ter idéias que são ultrapassadas, como a divisão gratuita que existia entre os nossos países, que a História nos tinha dado como hipoteca e que estávamos sustentando, mas, graças a Deus, de que pudemos nos libertar.

Acredito que o povo argentino e o povo brasileiro estão sintonizados e alertas para essas ameaças, mas é com absoluta tristeza e decepção que nós, brasileiros, o Governo do Brasil, sentimos o Presidente Carlos Menem, da nação argentina, transformar-se, querendo ou não, num instrumento dessa divisão, desunindo aquilo que ele encontrou consolidado.

Falo como representante de um povo irmão, como quem conhece o Presidente Menem, que foi tão estimado, que participou tão decisivamente na consolidação do Mercosul: ele não pode, de nenhuma maneira, se deixar ser instrumento de divisão daquilo que construímos. É com essas palavras que se fala com clareza de relações maduras.

O Sr. Roberto Requião (PMDB-PR) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB-AP) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Roberto Requião (PMDB-PR) - Senador José Sarney, o seu discurso era esperado. Foi este tipo de postura que diferenciou o governo de V. Exª dos últimos governos brasileiros: uma postura positiva de um Presidente que nunca teve medo de ser brasileiro, uma crítica forte no alvo correto, identificando exatamente as forças que querem dividir a unidade latino-americana. Trata-se de discurso de um brasileiro que, sem a menor sombra de dúvida, tem uma noção clara da cidadania latino-americana, respeitando a Argentina e mostrando com clareza o que tenta dividir-nos neste momento. Parabéns, Senador.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB-AP) - Muito obrigado. Não há, em minhas palavras, de nenhuma maneira, um sentimento de restrição com relação aos Estados Unidos.

Ao contrário, como disse, minha formação tudo fez para que eu sempre visse nesse grande país aquele que assegurou o fundamento teórico das liberdades que praticamos no mundo inteiro o criador dos princípios políticos em que nos inspiramos, a terra de Jéfferson e Lincoln, o defensor da democracia e da paz.

Hoje, têm os Estados Unidos a responsabilidade de assegurar a sobrevivência da humanidade por intermédio desses ideais de democracia, de paz e de liberdade.

No entanto, é absolutamente incompreensível que o governo americano venha burlar essa tradição de sua história e faça o que inexplicavelmente está sendo feito em nosso continente.

Mais uma vez, nós, brasileiros e argentinos, temos de reforçar esse sentimento de unidade e de integração e dizer que, como povos irmãos, continuaremos juntos, escrevendo uma página grandiosa de nossa história, que nos está acompanhando e vigiando.

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/08/1997 - Página 16952