Discurso no Senado Federal

SIGNIFICADO SOCIAL DA ATIVIDADE CIENTIFICA NO BRASIL, A PROPOSITO DA REALIZAÇÃO DA 49 REUNIÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIENCIA - SBPC, EM JULHO PASSADO, EM BELO HORIZONTE - MG.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • SIGNIFICADO SOCIAL DA ATIVIDADE CIENTIFICA NO BRASIL, A PROPOSITO DA REALIZAÇÃO DA 49 REUNIÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIENCIA - SBPC, EM JULHO PASSADO, EM BELO HORIZONTE - MG.
Publicação
Publicação no DSF de 21/08/1997 - Página 16977
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • REGISTRO, REUNIÃO, SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIENCIA (SBPC), CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), DEBATE, FUNÇÃO, ATIVIDADE CIENTIFICA, BRASIL, VALORIZAÇÃO, RESPONSABILIDADE, CIENTISTA, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, DEMOCRACIA.
  • REGISTRO, CRIAÇÃO, UNIÃO, CONGRESSISTA, CIENTISTA, DEFESA, MELHORIA, POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA CIENCIA E TECNOLOGIA (MCT), INVESTIMENTO, GOVERNO, SETOR.

              O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a realização da 49ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência -- SBPC --, em julho passado, em Belo Horizonte, oferece--nos a oportunidade de meditar sobre o lugar e o significado social da atividade científica em nosso País.

              Como se sabe, a SBPC tem desempenhado um papel central na história brasileira recente. Criada no período de redemocratização, com a queda do Estado Novo e com o final da Segunda Grande Guerra, congregou, progressivamente, profissionais de diferentes áreas científicas, preocupados não só com a ciência propriamente dita, mas com a situação geral do País, valorizando a responsabilidade social dos cientistas.

              Essa atitude ganhou especial estatura durante os 20 anos de regime militar, quando a SBPC foi um dos principais bastiões da defesa da democracia. Enfrentou ameaças, hostilidade, censura e truculência, mas manteve suas reuniões anuais, mesmo em condições precárias, nas quais pesquisadores, professores, alunos e diferentes setores da sociedade civil congregavam-se para o trabalho científico e para a mobilização contra o autoritarismo e seus desmandos. As reuniões cresceram, assumiram fortes dimensões políticas e tornaram-se eventos de grande repercussão, ainda que prejudicados pela censura vigente.

              Houve quem lamentasse a perda do seu caráter estritamente científico, mas, na realidade, desde os seus primórdios, a SBPC sempre estimulou uma dimensão de crítica social e preocupação política. Creio ser impossível dissociar, nos encontros da SBPC, essas vertentes, que, de algum modo, se complementam.

              Seguindo essa tradição, a 49ª Reunião, anunciou a criação de um "braço político" para a entidade. O braço político da SBPC começou a surgir há alguns meses, com a criação da Frente Parlamentar de Defesa do Sistema de Ciência e Tecnologia no Congresso. A partir daí, iniciaram--se os contatos dos parlamentares com cientistas, o que culminou no lançamento de uma frente nacional, em Belo Horizonte.

              A primeira iniciativa do "braço político" será a criação de uma comissão de cientistas para avaliar os investimentos do Governo Federal em ciência e tecnologia. A partir daí, será feita uma proposta de orçamento para o setor científico no próximo ano.

              Este ano, a SBPC registrou 9 mil inscrições, a segunda maior participação de sua história. O recorde aconteceu há dois anos, em São Luís (MA), com 13 mil 727 inscritos. A Feira de Exposições Científicas teve cerca de 10 mil e 100 visitantes, quatro vezes mais do que em 96, em São Paulo. A Tech Negócios, que reuniu interessados em tecnologia brasileira, realizou 125 negócios, no valor de 18 milhões de reais.

              Além das atividades políticas e científicas, a SBPC é uma ocasião privilegiada para a socialização dos estudantes de vários níveis e para estabelecer pontes e diálogos com a sociedade como um todo, não só por meio da divulgação explicitamente voltada para esses objetivos, mas pela oportunidade oferecida de conhecer cientistas e o seu trabalho em várias áreas e especialidades. É inevitável, no entanto, que a reunião também mantenha sua dimensão crítica. Os problemas do País certamente continuam merecendo toda a atenção da comunidade científica. Faz parte de sua responsabilidade social debatê--los, sugerindo propostas e encaminhamentos.

              A própria situação da atividade científica no Brasil foi alvo de críticas e questionamentos. As condições de trabalho consideradas extremamente precárias nas universidades públicas e instituições de pesquisa foram apontadas como componentes de um quadro preocupante. Salários congelados, contigenciamento de recursos fundamentais, atrasos na liberação dos recursos são fatores que ainda persistem, produzindo um cenário de desânimo e ceticismo.

              As exposições ressaltaram, também, ao lado da precariedade, o isolamento dos cientistas, o pequeno alcance da pesquisa brasileira e a sua concentração em algumas instituições da região Sudeste. Segundo o Presidente do CNPq, José Galísia Tundisi, 19 instituições em São Paulo, Rio e Minas concentram 90% dos US$ 60 milhões gastos por ano na formação de doutores no exterior. A concentração é consolidada pelo Programa de Apoio aos Núcleos de Excelência: 62 dos 77 projetos financiados estão nos três Estados.

              Outro ponto obordado com ênfase foi a necessidade de aprimoramento da pós-graduação propriamente dita, a chamada "stricto sensu" -- para obtenção dos títulos de mestre e doutor e a sua avaliação permanente. Entre os indicadores com que a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -- CAPES -- trabalha na avaliação dos cursos de pós-graduação, está a qualificação do corpo docente. Ora, mesmo nas instituições públicas é ainda baixo o número de docentes titulares: apenas 22,4% têm grau de doutores e 28,2%, de mestres. O restante dos que exercem funções docentes possuem apenas especialização (26,9%), ou nem isso (22,4%). Os percentuais, nas universidades particulares, são respectivamente de 6,8%, 18%, 45,4% e 29,3%.

              Uma conferência de grande repercussão foi proferida pelo presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Simon Schwartzman, utilizando dados de uma pesquisa da Fundação Carnegie com professores universitários de 14 países, entre eles o Brasil, a respeito do significado da internacionalização da profissão acadêmica e seu papel no mundo contemporâneo.

              A pesquisa prova que os países pequenos que possuem sistemas universitários de qualidade, como Holanda, Israel e Suécia, são muito mais internacionalizados do que países de grande porte, como os Estados Unidos, ou com sistemas acadêmicos menos desenvolvidos, como o Brasil.

              Além disso, professores que se dedicam à pesquisa são mais internacionalizados do que os que se dedicam predominantemente ao ensino.

              Nos países pequenos e desenvolvidos, os professores universitários vêem-se como pesquisadores, mais identificados com seu campo de estudo do que com a instituição à qual pertencem. A situação é diferente da do Brasil, que, nesse aspecto, seria idêntica à da Rússia. Schwartzman afirmou que "o processo de internacionalização é inevitável e acentua-se na área científica, mas não podemos esperar que vá definir todo o conjunto, vamo-nos expandir pela diferenciação".

              A nota polêmica do Encontro foi fornecida pelo filósofo Roberto Romano, da Universidade de Campinas -- UNICAMP --, que afirmou que a corrupção já chegou às universidades, que estariam mantendo fundações de direito privado com dinheiro público para escapar à prestação de contas dos recursos recebidos.

              A reunião da SBPC, sendo um lugar de diálogo, apresenta divergências e polêmicas. Nesse sentido, é um espaço democrático por excelência. Hoje, vivemos um período em que, sem dúvida, a vida democrática se revigora. Estamos, felizmente, longe da censura da ditadura e da truculência de anos recentes.

              Foi nesse contexto que também teve voz o Ministro da Ciência e Tecnologia, José Israel Vargas. Em seu pronunciamento, o Ministro afirmou que os gastos nacionais com ciência e tecnologia, este ano, devem superar o patamar de 1% do PIB, com participação das empresas em torno de 30% do total investido em pesquisa e desenvolvimento, valor a comparar-se com os 10% de participação vigente há apenas 4 anos. Considerou, também, o salto dado pelo País quanto aos bens manufaturados -- ou seja, os bens que agregam conhecimento e tecnologia e já representam cerca de 50% da pauta da exportação brasileira.

              Segundo o Ministro Israel Vargas, o efeito da política de ciência e tecnologia pode ser mensurado, ainda, pela crescente presença brasileira no cenário internacional. Pesquisas realizadas mostram que, ao longo dos últimos 15 anos, nossa produção científica foi multiplicada por um fator de 2,8. O número absoluto de artigos em publicações indexadas passou de 1.916 em 1981 para 5 mil 429 em 1995. Nesse período, a participação brasileira passou de 0,43% do total de artigos publicados no mundo, em 81, para 0,82%, em 95. A qualidade da produção científica também é crescente. De 1981 a 1995, o número médio de citações por artigo publicado passou de 1,32 para 1,75. De fato, o crescimento das citações ocorreu na década de 90, à taxa de 7% ao ano. De 92 a 95, o crescimento médio anual foi de 8%.

              Em seguida, o Ministro fez um relato do andamento e dos resultados dos principais programas constantes da política nacional de ciência e tecnologia, consolidada no Plano Plurianual 1996/99.

              Srªs e Srs. Senadores, como se pode constatar, os resultados da 49ª Reunião Anual da SBPC não se referem estritamente aos avanços científicos, mas às perspectivas de contribuições da ciência para o desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida.

              Os avanços da ciência em si não garantirão o desenvolvimento socioeconômico sustentável. O que vai determinar isso é um planejamento do Estado -- em educação, saúde, lazer -- que permita o desenvolvimento pleno da cidadania responsável e estimule o desenvolvimento industrial de ponta.

              Evidenciou-se, Srªs e Srs. Senadores, que inovar no campo da ciência e apropriar-se de tecnologias de ponta passaram a ser prioridades nas estratégias de desenvolvimento em qualquer país do mundo. No entanto, esses resultados só poderão ser obtidos mediante um bem montado sistema de pesquisa e, nesse ponto, a situação brasileira, apesar dos avanços obtidos, ainda é frágil e necessita de um aporte significativo de recursos financeiros e de diretrizes estratégicas.

              Nesse sentido, a reunião da SBPC continua sendo uma ocasião única para o diálogo e o debate entre os diferentes atores da sociedade brasileira, e um momento privilegiado para o dimensionamento da situação da atividade científica. É uma oportunidade preciosa para que Governo, comunidade científica e sociedade civil possam prosseguir, produtivamente, de forma conjunta, na tarefa de aprofundamento de uma reflexão que possa trazer benefícios para todos.

              Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/08/1997 - Página 16977