Discurso no Senado Federal

ESTRATEGIAS DA POLITICA EXTERNA NORTE-AMERICANA, ADOTADAS PARA A AMERICA LATINA E SEUS DESDOBRAMENTOS, NOTADAMENTE AS DECLARAÇÕES DO PRESIDENTE ARGENTINO CARLOS MENEM. SOLIDARIZANDO-SE COM O DISCURSO DO SENADOR JOSE SARNEY, PRONUNCIADO ONTEM NO SENADO SOBRE O TEMA ABORDADO POR S.EXA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • ESTRATEGIAS DA POLITICA EXTERNA NORTE-AMERICANA, ADOTADAS PARA A AMERICA LATINA E SEUS DESDOBRAMENTOS, NOTADAMENTE AS DECLARAÇÕES DO PRESIDENTE ARGENTINO CARLOS MENEM. SOLIDARIZANDO-SE COM O DISCURSO DO SENADOR JOSE SARNEY, PRONUNCIADO ONTEM NO SENADO SOBRE O TEMA ABORDADO POR S.EXA.
Publicação
Publicação no DSF de 22/08/1997 - Página 17060
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • APOIO, PRONUNCIAMENTO, JOSE SARNEY, SENADOR, OPOSIÇÃO, POLITICA EXTERNA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), PROVOCAÇÃO, CONFLITO, ESTADOS MEMBROS, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), ESPECIFICAÇÃO, BRASIL, ARGENTINA.
  • CRITICA, POLITICA EXTERNA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), INCENTIVO, ARMAMENTO, AMERICA DO SUL, DENUNCIA, DESCUMPRIMENTO, ACORDO INTERNACIONAL, PAZ.
  • DEFESA, MANUTENÇÃO, PARCERIA, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, AMBITO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ - Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em reunião com a minha Bancada na tarde de ontem, não tive a oportunidade de pronunciar-me com relação a um assunto de extrema importância e que está a merecer a preocupação de todos nós: as estratégias da política externa norte-americana adotadas para a América Latina e seus desdobramentos, notadamente as declarações do Presidente argentino Carlos Menem.

Neste instante, quero manifestar-me para além das diferentes questões e posições partidárias e ideológicas que certamente enriquecem o debate e o processo democrático do nosso País para irmanar-me com o discurso do Senador Sarney e com os apartes de alguns Senadores feitos ontem neste plenário.

Na qualidade de membro da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional desta Casa, e também titular da Comissão do Mercosul e de cidadã brasileira, compartilho as preocupações colocadas, as quais expressaram, com clareza e precisão, o pensamento de todos nós.

Quero unir a minha voz e dizer que eu também já havia manifestado preocupação num discurso feito recentemente, quando o governo norte-americano suspendeu o embargo à venda de armamento para a América Latina. Nessa oportunidade, ressaltei que os países latinos não deveriam ceder ao canto de sereia e que precisávamos permanecer firmes no compromisso com a paz e o desenvolvimento. Podia-se perceber, nessa decisão norte-americana, um céu de nuvens densas e baixas, prenunciando uma zona de grande turbulência. Infelizmente, nossos temores não eram infundados.

O que pretende o governo norte-americano com o sedutor convite, minimizando como "simbólico" o status de "aliado militar íntimo", oferecido à Argentina? Tal sutileza de propósito remete-me à imagem de um elefante numa loja de porcelanas. Penso que a pergunta feita: "por que, numa área de paz, os Estados Unidos oferecem uma condição dessa natureza? O que está por trás disso?" tem respostas, sim, embora sejam talvez amargas demais. Todavia, faz-se necessário que sejam ditas e refletidas a contento, porque, na delicada e complexa relação que envolve questões de política externa, o melhor caminho é nos colocarmos à frente dos problemas para buscar soluções.

A resposta está no fato óbvio, já percebido mas pouco denunciado, de que o governo norte-americano empenha todos os seus esforços no sentido de desmantelar, de infectar - com o vírus da discórdia diplomática, a partir da pressão política e econômica que exercem com ferocidade - o longo e difícil processo de unificação e fortalecimento das economias dos países do Cone Sul, em vista do fenômeno da globalização. Está feita a avaliação da estratégia rasteira utilizada, da qual o povo norte-americano talvez até se envergonhe.

Quando nós, das esquerdas populares, denunciamos, reiteradamente e de todas as formas possíveis, a linha político-econômica intervencionista e unilateral do governo norte-americano, não o fazemos, como alguns crêem, meramente por diletantismo, meramente pelo exercício do contraditório, meramente por infantilismo político ou por uma postura de puro enfrentamento. Fazemos, sim, porque assumimos um compromisso sagrado perante a Nação brasileira, que é o de defendê-la dos interesses alienígenas, historicamente prejudiciais ao nosso desenvolvimento e aos esforços que, a suor e sangue, mas com grande dignidade, fazemos para atingi-los.

A propósito, recentemente a imprensa americana obteve documento altamente sigiloso que prova que os Estados Unidos permanecem com suas pesquisas de armas nucleares, inclusive no desenvolvimento de uma nova bomba de hidrogênio. Enquanto o mundo busca o desarmamento nuclear, a partir de um acordo internacional, os Estados Unidos, desrespeitando esse acordo do qual é signatário, inclusive intervindo diretamente em vários países para que o mesmo seja cumprido, o descumpre.

Quem está ameaçando, verdadeiramente, a Argentina, o Chile, o Paraguai, o Brasil? O que estamos, lamentavelmente, mais uma vez verificando? O gigante abrir seus braços, desta vez sem qualquer pudor, entoar sua cantilena com ferocidade, atirar-se, como de costume, sobre nós, para sufocar-nos. Sorrateiramente busca jogar Argentina e Brasil um contra o outro para enfraquecer e desmantelar o Mercosul, isolar-nos, separar-nos e manter sua hegemonia.

Alimento a mais profunda esperança de que o Presidente Fernando Henrique Cardoso e o Presidente Presidente Menem busquem, diretamente, um entendimento. Que não se deixem influenciar por esse maquiavelismo escancarado. Que reconheçam urgentemente o essencial: dar continuidade ao processo de fortalecimento da economia sul-americana, que só será concretizada a partir da plena implantação do Mercado Comum do Cone Sul.

As manifestações que tivemos ontem neste Plenário, que se iniciaram com o pronunciamento do ex-Presidente da República e hoje Senador José Sarney, foram muito pertinentes, necessárias, contundentes. É preciso muita coragem para defendermos os interesses do nosso País e também os interesses da América Latina.

O Brasil não é um país qualquer; o papel que ele está exercendo na América Latina não foi uma dádiva. Sabemos quanto nos custou e quanto nos custa sermos considerados a oitava economia; e para que o Brasil desse passos, como demos - e o esforço maior partiu do Brasil -, para, junto à Argentina pleitearmos uma parceria que consolidasse o processo da criação do Mercosul.

Sem xenofobia, estamos aqui procurando cumprir o que entendemos ser o papel do Senado da República, quando temos um Governo que, neste momento, está defendendo os interesses do povo brasileiro, mas também se confrontando, no mínimo, com o discurso contraditório do Presidente da Argentina. Somos e sempre fomos parceiros desse país; já foi dito aqui desta tribuna, hoje, que o Brasil esteve presente em vários momentos da história da Argentina. Temos declarado, não apenas em discursos, mas também em gestos, que temos na Argentina o nosso grande parceiro da América Latina. Por que, então, se levanta uma voz da Presidência da República, que não acredito ser ingenuidade ou apenas um tropeço em sua argumentação, com relação à posição do Brasil?

Cabe a nós fazer o julgamento do Brasil? Não temos ingerência nas questões que não nos dizem respeito, que acontecem também na Argentina; pelo contrário, temos tentado, de toda forma, respaldar a Argentina, para fortalecê-la dentro do Mercosul. Então, não cabe fazer essa manifestação sem que não houvesse nossas vozes se contrapondo às argumentações do Presidente. Mas se contrapondo no sentido de dizer ao Presidente da Argentina que não estamos, de forma alguma, interferindo em suas decisões políticas, mas apenas alertando-o para o fato de que quem deseja semear discórdia ou impedir o fortalecimento da integração do Mercosul, por interesses que o próprio Menem conhece, são evidentemente os Estados Unidos.

Nós temos a coragem de defender aqui, sem xenofobia, como já disse, o interesse do Brasil, mas também damos a nossa contribuição ao Mercosul, ao anunciar que o País deseja que a Argentina continue como parceira. Não aceitamos, de forma alguma, essa manifestação do Presidente, que está a serviço, só pode ser, dos interesses dos Estados Unidos, e não do Mercosul, da América Latina e deste parceiro fiel e constante da Argentina que é o nosso País, o nosso querido Brasil.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/08/1997 - Página 17060