Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÕES E QUESTIONAMENTOS CONCERNENTES AO SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO. COMENTANDO AS MUDANÇAS NA ESTRUTURA CURRICULAR ANUNCIADA PELO MINISTERIO DA EDUCAÇÃO. PROJETO DE LEI DO SENADO 201/96, DE SUA AUTORIA, QUE INSTITUI A BOLSA-CIDADÃO.

Autor
Renan Calheiros (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • PREOCUPAÇÕES E QUESTIONAMENTOS CONCERNENTES AO SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO. COMENTANDO AS MUDANÇAS NA ESTRUTURA CURRICULAR ANUNCIADA PELO MINISTERIO DA EDUCAÇÃO. PROJETO DE LEI DO SENADO 201/96, DE SUA AUTORIA, QUE INSTITUI A BOLSA-CIDADÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 22/08/1997 - Página 17078
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • INFERIORIDADE, INDICE, BRASIL, AVALIAÇÃO, EDUCAÇÃO, RELATORIO, PROJETO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD), DESENVOLVIMENTO, HOMEM, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, REGIÃO NORDESTE.
  • ANALISE, PROVIDENCIA, GOVERNO, AMBITO, EDUCAÇÃO, DEFESA, PRIORIDADE, VALORIZAÇÃO, PROFESSOR, COMPARAÇÃO, INVESTIMENTO, INFORMATICA.
  • COMENTARIO, PESQUISA, EDUCAÇÃO, MUNDO, ANALISE, SUGESTÃO, MELHORIA, METODOLOGIA, ENSINO.
  • COMENTARIO, ALTERAÇÃO, ESTRUTURAÇÃO, CURRICULO, ENSINO DE SEGUNDO GRAU, OBJETIVO, CONTINUAÇÃO, ENSINO SUPERIOR, NECESSIDADE, ATENÇÃO, ALUNO, INGRESSO, MERCADO DE TRABALHO.
  • DEFESA, IMPLEMENTAÇÃO, PROGRAMA, RENDA MINIMA, POPULAÇÃO CARENTE, VINCULAÇÃO, ASSIDUIDADE, MENOR, ESCOLA PUBLICA, PARTICIPAÇÃO, PROJETO, COMUNIDADE, TREINAMENTO, MÃO DE OBRA.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB/AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em um mundo cada vez mais globalizado, informatizado e competitivo, o conhecimento, a informação, enfim, aquilo que os especialistas chamam de capital intelectual impõe-se como fator decisivo para a produtividade, a riqueza das nações e a democratização das oportunidades de trabalho e de bem-estar social.

Nesse contexto, Sr. Presidente, a situação educacional brasileira inspira ou deveria inspirar sérias preocupações entre todos nós que detemos alguma parcela de responsabilidade decisória sobre o destino deste nosso País e de nosso povo. De acordo com a última pesquisa sobre desenvolvimento humano patrocinada mundialmente pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (Pinud) e aqui realizada com a colaboração do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), referente a 1996, o Brasil, apesar de ser a 8ª ou 9ª economia do Planeta, ocupa um modestíssimo 68º no conjunto de variáveis formados pela educação, alfabetização, morbidade, mortalidade, segurança e condições de moradia. Quando a educação é avaliada isoladamente, caímos, ainda mais, para o 93º lugar.

Quando afunilamos o foco de análise na região Nordeste, minha região, o panorama se afigura ainda mais problemático. As classificações do desenvolvimento humano nordestino, segundo a escolaridade, são as mais baixas do Brasil, cabendo ao meu Estado, Alagoas, o triste 26º e último lugar nacional.

Não é de admirar, Sr. Presidente, portanto, que o Nordeste detenha a maior parcela (45,1%) da população nacional de pobres, essa última avaliada em 41,919 milhões de pessoas pela Pesquisa Nacional de Amostras Domiciliares do IBGE.

Essas desigualdades mostram-se particularmente gritantes quando comparamos o maior bolsão de pobreza do País, o Nordeste rural, com as duas mais importantes regiões metropolitanas brasileiras, Rio e São Paulo. No Nordeste rural, a proporção de chefes de família analfabetos chega a 67,6% contra 19,2% no Rio e em São Paulo, e as crianças entre 7 e 14 anos que estão fora da escola representam 44,7% contra 16%.

Gostaria, ainda assim, de trazer ao debate alguns questionamentos e observações preliminares que julgo, desde já, relevantes.

O círculo vicioso em que pobreza e insuficiências educacionais se eternizam e se reforçam mutuamente é bastante conhecido: a capacidade de geração de renda do trabalhador é baixa por causa da baixa qualidade do posto de trabalho que ocupa, decorrente, por sua vez, do baixo preço do produto que está sendo gerado, da pequena disponibilidade de capital físico e da utilização ineficiente desses recursos. Tudo porque a baixa escolaridade do trabalhador, no agregado, produz um enorme contingente de desqualificados profissionais, condenados ao desemprego ou no máximo ao subemprego. Como sair dessa terrível encruzilhada?

Sr. Presidente, temos testemunhado nesses últimos tempos uma série de manifestações governamentais de preocupação com o estado de coisas aqui diagnosticado, bem como algumas iniciativas concretas para a materialização desse desiderato, especialmente por intermédio dos programas federais de informatização das escolas públicas de primeiro grau e de interligação dessas mesmas escolas em uma rede nacional de educação televisiva à distância. Conquanto seja ainda muito cedo para uma avaliação dos resultados dessas ações, em vista das dimensões continentais do País, de suas múltiplas e profundas disparidades regionais e também do retorno naturalmente demorado da maioria dos investimentos em capital humano, gostaria de trazer ao nosso debate alguns questionamentos e observações preliminares que julgo, desde já, relevantes.

De um lado, parece-me que o imperativo louvável da modernização tecnológica das condições de ensino não deve, entretanto, obscurecer jamais a necessidade premente e generalizada de valorização e reciclagem dos professores. Os testes recentemente aplicados em crianças de 41 países dos cinco continentes (o Brasil, infelizmente, não participou) no marco do Terceiro Estudo Internacional de Matemática e Ciências, classificaram as chances que cada um desses povos apresenta, a longo prazo, de inserir-se de forma ativa ou subordinada, ou seja, de forma vantajosa ou desvantajosa no processo de globalização. Naturalmente, Sr. Presidente, dadas as grandes diferenças de nível de desenvolvimento e tradição cultural, não foi possível chegar a uma receita única de sucesso escolar em todo o Planeta. Ainda assim, os resultados convergem para um importantíssimo ponto: governos e sociedades que prestigiam seus mestres mediante remuneração condizente com sua responsabilidade e oportunidades para o permanente aprimoramento de seus métodos didáticos tenderam a registrar escores mais elevados.

Noto, Sr. Presidente, que outras lições específicas dessa experiência comparativa mundial poderiam muito bem servir de alimento à reflexão e à correção de rumos entre os planejadores e executores de nossa política educacional. Assim, por exemplo, o estudo mostra que: 1º - crianças de até 13 anos devem passar mais tempo aprendendo e experimentando os fundamentos da aritmética do que estudando tópicos matemáticos genéricos e abstratos como o manuseio de dados; 2º - os alunos aprendem a somar "de cabeça" antes mesmo de serem ensinados a fazer essas contas no papel; 3º - o uso de calculadoras em sala de aula não deve, portanto, ser incentivado; 4º - recomenda-se o emprego de manuais de ensino padronizados que tenham sido amplamente testados e criticados nas escolas antes de publicados; 5º - o método rotulado de "interação total com a classe", em que o professor se dirige à turma como um todo, colocando perguntas para os alunos e assegurando-se de que eles acompanham a lição, apresenta rendimento superior ao trabalho em pequenos grupos, que obriga o mestre a correr de uma equipe a outra para verificar o que cada grupo está fazendo.

Sr. Presidente, no Japão e na Suíça, esse segundo método é utilizado apenas para níveis mais avançados de artes e ofícios.

Continuando: 6º e último - é preciso envidar esforços para impedir que uma parcela da turma fique muito atrasada em relação ao restante. Esses alunos devem receber atenção extra fora dos horários normais de aula.

De outro lado, Sr. Presidente, voltando à nossa discussão central, a atual ênfase no hardware do processo educativo, que deveria ser feita por meio de microcomputadores, vídeos e antenas parabólicas, precisa estar apoiada em uma eficiente rede nacional de assistência técnica e orientação aos usuários. Não nos esqueçamos de que a reposição de um circuito danificado, o conserto de uma impressora defeituosa ou ainda a manutenção de um aparelho videocassete impõe dificuldades logísticas diferenciadas, caso a escola esteja no ABC paulista ou no sertão alagoano. E a familiaridade do usuário com esses recursos tecnológicos, chave para um retorno educacional bem-sucedido, varia de acordo com o grau de desenvolvimento sócio-econômico de cada área, o que, de certa forma, nos remete à necessidade de educar os educadores a fim de que seu trabalho produza os frutos necessários à promoção social e humana desta e das próximas gerações de brasileiros.

Finalmente, o MEC anuncia profundas mudanças na estrutura curricular do ensino do 2º grau, inclusive a eliminação do exame vestibular e o acesso direto à universidade para aqueles alunos que exibam um desempenho satisfatório aferido por sistema de testes comparativos aplicados ao conjunto do corpo discente na conclusão de cada uma das três séries do secundário.

É preciso, entretanto, que voltemos nossas atenções para aquela considerável parcela de estudantes que não desejam ou, mais provavelmente, não têm condições financeiras de ingressar em um curso superior, devendo dirigir-se imediatamente ao mercado de trabalho para a obtenção do seu primeiro emprego, o que se tornou um desafio cada vez mais angustiante.

Nesse sentido, as experiências acumuladas ao longo desses 26 anos de vigência da Lei nº 5.692/71 (conhecida como "Reforma Passarinho"), recentemente substituída pela nova Lei de Diretrizes e Bases, ou "Lei Darcy Ribeiro" (depois de oito anos e meio de tramitação legislativa), deverão ser cuidadosamente estudadas por nossas autoridades educacionais, se quisermos tomar medidas consistentes, eficazes e duradouras no sentido de valorizar as habilidades e vocações de nossos jovens frente a um mercado de trabalho em rápido e drástico processo de transformação.

Já no caso daquele vasto contingente de crianças e adolescentes prematuramente arrancados das salas de aula para uma vida sacrificada de subemprego, remuneração aviltante e nenhuma perspectiva (uma parcela desproporcional dessas crianças - torno a insistir - é formada por meninas e meninos do Nordeste), a única saída consiste em manter e ampliar nossa luta para sensibilizar o Governo Federal em prol de um autêntico sistema nacional de bolsa-escola, com base em incentivos à assiduidade escolar vinculados a esquemas de complementação da renda de famílias carentes, nos moldes preconizados pela Unesco e outras instituições internacionais.

Nesse sentido, e para encerrar, cumpre-me fazer o registro de que o Congresso Nacional tem dado sua valiosa, mas nem sempre reconhecida, contribuição. Tramitam em conjunto nesta Câmara Alta projeto de lei de minha autoria instituindo a "bolsa-cidadão" (PLS 201/96) e proposições legislativas de semelhante teor, assinadas pelos nobres Senadores José Roberto Arruda, Ney Suassuna e, também, pelo ilustre Deputado Nelson Marchezan, todos relatados pelo nosso estimado Colega Lúcio Alcântara, cabendo ainda o reconhecimento ao pioneirismo do Senador Eduardo Matarazzo Suplicy, cujo Projeto de Renda Mínima já se encontra sob apreciação da Câmara dos Deputados.

No caso da "bolsa-cidadão", meu intuito foi aperfeiçoar outras iniciativas de legislações anteriores. Assim, o projeto, além da obrigatória comprovação da frequência dos filhos à escola, estabelece que as famílias beneficiadas participem de programas municipais comunitários de assistência à saúde materno-infantil e se matriculem em projetos de aperfeiçoamento de mão-de-obra, patrocinados por instituições públicas e privadas.

Sr. Presidente, conforme enfatizei no início deste pronunciamento, a educação continuada e o treinamento profissional permanente são os únicos antídotos eficazes contra o sucateamento de nossos preciosos recursos humanos no limiar do terceiro milênio.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/08/1997 - Página 17078