Discurso no Senado Federal

DISCORDANCIA DA APROVAÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA - CPMF COMO UM TRIBUTO DE CARATER PERMANENTE, DESTINADO AO FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL, O QUE SERA EXTREMAMENTE DANOSO A ECONOMIA BRASILEIRA.

Autor
Fernando Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RN)
Nome completo: Fernando Luiz Gonçalves Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL.:
  • DISCORDANCIA DA APROVAÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA - CPMF COMO UM TRIBUTO DE CARATER PERMANENTE, DESTINADO AO FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL, O QUE SERA EXTREMAMENTE DANOSO A ECONOMIA BRASILEIRA.
Aparteantes
Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DSF de 27/08/1997 - Página 17322
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL.
Indexação
  • CRITICA, DISCORDANCIA, CRIAÇÃO, APROVAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), FINANCIAMENTO, SEGURIDADE SOCIAL, MOTIVO, AUMENTO, CUSTO DE PRODUÇÃO, CUSTO, PRODUTO EXPORTADO, PROVOCAÇÃO, INCAPACIDADE, CONCORRENCIA, PRODUTO NACIONAL, MERCADO INTERNACIONAL, REDUÇÃO, PODER AQUISITIVO, POPULAÇÃO.
  • CRITICA, ROBERTO FREIRE, SENADOR, APOIO, CRIAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), FINANCIAMENTO, SEGURIDADE SOCIAL, BRASIL.

FERNANDO BEZERRA (PMDB-RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, literalmente, foram as seguintes as palavras pronunciadas pelo Sr. Ministro da Fazenda, há cerca de oito dias:

      "Não foi o Governo que propôs a permanência da CPMF. Fazer isso seria aceitar mais uma vez que somos incapazes de avançar na reforma tributária".

Pois fomos nós, o Senado Federal, por meio da manifestação da maioria dos membros da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que, ao apreciarmos o destaque do nobre Senador Roberto Freire, aprovamos a inclusão, no texto permanente da Constituição, da previsão de uma nova fonte de financiamento para a seguridade social.

Com a inclusão de mais este tributo em caráter permanente, bem como a previsão de que se constituirá, também, fonte de financiamento da Seguridade "a receita ou o faturamento" das empresas, e não mais "o faturamento e o lucro", a carga tributária no Brasil, que já é excepcionalmente alta, estará cada vez mais próxima da carga tributária de países superdesenvolvidos, como os Estados Unidos e o Japão, e mais distante de países com os quais compete diretamente na atração de novos investimentos e no comércio exterior.

Todos nós sabemos que a carga tributária brasileira em relação ao PIB já supera em aproximadamente 12 pontos percentuais a do México e em cerca de 10 pontos percentuais a da Argentina e do Chile.

Ao analisar a carga tributária brasileira e a possibilidade de elevação nos próximos anos, inclusive como decorrência da CPMF, o Diretor do Departamento de Assuntos Fiscais do Fundo Monetário Internacional, o Sr. Vito Tanzi, posicionou-se contrariamente ao seu aumento, em recente entrevista à Gazeta Mercantil, dizendo:

      "Trinta por cento do PIB (aproximadamente a carga fiscal bruta brasileira) são muito mais do que a carga de qualquer outro país latino-americano; eu não acho que seja desejável ao Brasil aumentar ainda. A carga no Brasil é excepcionalmente alta, e o esforço fiscal deve ser feito ao lado dos gastos".

Inconformado com a temerária decisão da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, apresentei emendas ao Substitutivo aprovado, visando a supressão daquelas novas fontes de financiamento. As emendas já foram rejeitadas pelo ilustre Relator, Senador Beni Veras. Apresentarei destaques para a discussão das mesmas neste plenário e espero contar com o apoio dos meus colegas de Senado para a sua aprovação.

Dediquei-me à leitura atenta das notas taquigráficas dos debates realizados no último dia 27 de julho, acerca da proposta apresentada pelo ilustre Senador Roberto Freire.

Respeito e admiro a sua luta pessoal na defesa do restabelecimento do Estado de Direito, durante o longo período de exceção à democracia em nosso País e constante amadurecimento na busca do diálogo e da tolerância com os contrários.

Tenho convicção, portanto, de que o Senador Roberto Freire poderá, no futuro, revisar seu atual posicionamento em relação à manutenção de mais esse tributo, que onerará não só as empresas, mas o próprio cidadão, como contribuinte.

Não posso concordar, entretanto, com algumas das afirmações do ilustre representante do Estado de Pernambuco, feitas em recente pronunciamento da tribuna desta Casa, em que defendeu com veemência a aprovação de mais esse oneroso e injusto imposto. Sim, mais um que se adiciona aos muitos impostos que compõem a já excessiva carga tributária brasileira e que incide sobre todo o povo sem exceção. Não posso ficar silente diante dessa tentativa de remendar a utopia da Constituinte de 1988.

Trata-se de mera solução paliativa, protelatória, que mal disfarça as mazelas de um sistema de Seguridade Social irrealístico, que estabeleceu benefícios a quem jamais contribuiu para a Previdência Social, determinou obrigações assistenciais sem a devida contrapartida de recursos orçamentárias e se propõe, num regime de caixa único, a atender às necessidades imensas de saúde, de assistência social e todos os planos de Previdência.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo. Fazendo soar a campainha.) - Senador Fernando Bezerra, desculpe interromper V. Exª, mas tenho a obrigação de fazê-lo para prorrogar, de ofício, a Hora do Expediente, na forma regimental.

O SR. FERNANDO BEZERRA (PMDB-RN) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Na prática, deixa desamparada a grande maioria dos necessitados dos benefícios da Seguridade, numa triste contrafacção do sonhado Estado de Bem-Estar.

Antes de 1988, a contribuição das empresas se fazia sobre a folha de salários. A partir da Constituição, a contribuição social passou a incidir acumulativamente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro. Como se fosse pouco, deseja-se, agora, tributar a própria receita das empresas. Vale citar o apólogo da galinha dos ovos de ouro, que parece pretender-se matar... Basta atentar para o recente trabalho do IPEA, O Brasil na Virada do Milênio. Ao tratar da queda na relação contribuintes/beneficiários (hoje perigosamente em 2,5 por 1, quando era originalmente de 4 por 1), que tem levado a sucessivos aumentos das alíquotas de contribuição lê-se que: "A contribuição dos empregadores sobre a folha de salários, que era de 3%, em 1934, chega hoje a 22%". (Página 57. Volume 2).

Argumenta-se que é necessário aumentar os recursos para o financiamento da Seguridade Social, supondo que eles passariam a ser suficientes, com a CPMF. Ora, a fragilidade financeira da Seguridade Social não será resolvida com a contribuição desse novo imposto, sem a eliminação de suas distorções.

Louvo-me nos argumentos do ilustre Senador Josaphat Marinho, ao justificar seu posicionamento contrário à criação de mais esse imposto. Disse o ilustre Parlamentar baiano, naquele dia 23 de julho: "Votei contrariamente à emenda. Reconheço a utilidade social com que foi sustentada, mas me parece que essa matéria deveria ser objeto de decisão num projeto específico ou na reforma tributária. Dar um caráter permanente à tributação que foi criada em caráter excepcional por tempo certo, como se está fazendo, não me parece ser conveniente".

Não há dúvida de que a instituição da Contribuição sobre a Movimentação Financeira apresenta uma série de inconveniências.

Em primeiro lugar, trata-se de um imposto em cascata, ou seja, sua arrecadação é efetivada ao longo da cadeia produtiva. Essa é uma característica comum a muitos impostos do nosso sistema tributário e vem sendo alvo de inúmeras críticas. Suas mais graves conseqüências referem-se à distorção dos preços relativos; a um amplo aumento do custo de produção e à dificuldade de desonerar a exportação.

Em síntese, afeta negativamente a eficiência econômica e a competitividade de nossos produtos.

O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA.) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. FERNANDO BEZERRA (PMDB-RN.) - Pois não, nobre Senador Josaphat Marinho.

O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA.) - Nobre Senador Fernando Bezerra, em primeiro lugar, quero agradecer a invocação que V. Exª fez do voto que proferi na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Em segundo lugar, quero reafirmar solidariedade ao seu ponto de vista, acrescentando o seguinte: até discutir-se a emenda que V. Exª examina na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, não se alegou falta de recursos para a Seguridade Social. De maneira que os recursos para a Seguridade Social estavam sendo tratados normalmente. Até então, o que se alegava era falta de recursos para a saúde. Cumpre acentuar que, ainda agora, o que se está observando é que o Ministério da Saúde não tem conseguido cumprir devidamente os seus deveres com a sociedade. A todo momento, estamos lendo nos jornais, ou vendo e ouvindo na televisão, que pacientes morrem na porta ou nos corredores dos hospitais. Ora, se isso ocorre e se havia necessidade de manter aquela contribuição, não haveria de ser modificando a destinação para a Seguridade Social, mas mantê-la para a saúde. Se a conquista de recursos para a saúde já é suficiente, e os dados também indicam que a arrecadação é volumosa, o de que se trata agora é eliminar aquilo que é provisório e não de torná-lo permanente.

O SR. FERNANDO BEZERRA (PMDB-RN) - Muito obrigado, Senador Josaphat Marinho. Fico muito honrado com o aparte de V. Exª, pelo que ele contém de sabedoria e por tudo o que V. Exª significa nesta Casa.

Efetivamente, o meu posicionamento é coincidente com o seu pensamento. Angustia-me o fato de que estamos acrescentando mais tributos para o povo, quando há no Congresso Nacional uma reforma tributária, que deveria ser debatida amplamente e sequer está sendo discutida. Apesar das manifestações do Governo no sentido de que tem interesse na aprovação da reforma tributária, ela se encontra engavetada na Câmara dos Deputados.

Ao incidir em cascata, a CPMF altera os preços relativos da economia. Em outras palavras, um produto que tem uma cadeia longa tem um conteúdo de CPMF maior do que um produto com uma cadeia menor, e isso se reflete no preço relativo dos bens. Por exemplo, a fabricação de um veículo, com uma cadeia de produção em cinco estágios, tem seu custo elevado em 7,26% por conta dos impostos em cascata - a CPMF, a uma alíquota de 0,25%, o PIS com 0,65% e a Confins com 2%. A CPMF, isoladamente, eleva o custo em 0,61%.

A dificuldade para desonerar exportação é óbvia: como os processos produtivos são diferentes e podem mesmo mudar ao longo do tempo, a desoneração seria feita, quando muito, por um valor meramente aproximado. O impacto sobre a nossa competitividade seria desastroso. Os nossos principais concorrentes, tanto no mercado interno como no mercado externo, não costumam gravar sua produção dessa maneira. Essa prática de exportar tributos é, há tempos, condenada.

Em segundo lugar, a CPMF aumenta o spread bancário. Ou seja, aumenta a diferença entre a taxa obtida na aplicação de recursos pelo poupador e a taxa cobrada na concessão de empréstimos. Para uma mesma taxa de juros, o aplicador tem a sua remuneração efetiva reduzida e o tomador do empréstimo, o seu custo aumentado. Essa característica confere uma série de alterações econômicas como o aumento da taxa de juros em um contexto de equilíbrio e a elevação dos custos de produção.

Num ambiente de baixa inflação que, felizmente, prevalece no País, muitas aplicações financeiras de curto prazo são completamente desestimuladas na presença da CPMF, significando dizer que a rentabilidade auferida com a aplicação pode se tornar de fato negativa. Por exemplo, com uma taxa de juros de 1,4% ao mês, uma aplicação apresenta rentabilidade positiva somente a um prazo igual ou superior a oito dias. A uma taxa menor, o prazo mínimo requerido para a aplicação gerar rentabilidade é ainda maior.

Portanto, a possibilidade de inclusão da receita com base de incidência de contribuições sociais significa que a União poderá criar novas contribuições com base na receita das empresas ou das pessoas físicas.

Ora, receita é todo ingresso financeiro, todo recebimento feito por alguém. E assim, quantas contribuições sociais se poderão fundamentar em uma expressão como essa? Não se sabe, mas certamente o rol poderá ser extremamente numeroso.

Com efeito, a receita representa uma base de cálculo tão perversa que permite, e não é raro que ocorra, a inusitada circunstância de ser devida a contribuição sobre um aparente ganho em períodos nos quais a empresa teve um efetivo prejuízo.

Mais razoável é a contribuição sobre o faturamento, cuja previsão fica mantida pela emenda que apresentei.

Concluindo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não há justificativa procedente para a inserção definitiva da CPMF no Sistema Tributário Brasileiro, ainda que seus recursos tenham destinações meritórias à Saúde.

A CPMF é uma contribuição extremamente danosa à economia brasileira: distorce preços relativos, eleva o custo de produção e a taxa de juros.

Ademais, a equalização das despesas com a Seguridade Social não se dará com a criação de mais esse imposto, a CPMF, aumentando, sem conseguir alcançar seu objetivo, a carga fiscal já excessiva, a ponto de comprometer não só a competitividade de nossos produtos, essencial para os efeitos da globalização, mas também a atratividade de novos investimentos produtivos para o nosso País.

A introdução absurda da receita, como base de incidência de contribuição social do empregador, reforça a constatação de que, diante de dificuldades de recursos para vencer os crônicos déficits da Previdência, a solução simplista tem sido o aumento das fontes de financiamento, o que nos leva a temer que novos tributos venham a ser periodicamente instituídos.

Por tudo a que me referi, espero contar com o apoio de meus nobres colegas, para que, em plenário, sejam corrigidas essas gritantes distorções que comprometem a proposta brasileira do desenvolvimento.

Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/08/1997 - Página 17322