Discurso no Senado Federal

MANIFESTO LANÇADO PELA ASSOCIAÇÃO JUIZES PARA A DEMOCRACIA, NO SENTIDO DE QUE O PRESIDENTE DA REPUBLICA ENCAMINHE AO SECRETARIO- GERAL DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA), DECLARAÇÃO RECONHECENDO A COMPETENCIA JURISDICIONAL DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. DIREITOS HUMANOS.:
  • MANIFESTO LANÇADO PELA ASSOCIAÇÃO JUIZES PARA A DEMOCRACIA, NO SENTIDO DE QUE O PRESIDENTE DA REPUBLICA ENCAMINHE AO SECRETARIO- GERAL DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA), DECLARAÇÃO RECONHECENDO A COMPETENCIA JURISDICIONAL DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS.
Publicação
Publicação no DSF de 27/08/1997 - Página 17372
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • APOIO, MANIFESTO, ASSOCIAÇÃO NACIONAL, JUIZ, DEMOCRACIA, SOLICITAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, RECONHECIMENTO, COMPETENCIA JURISDICIONAL, CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA).
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS, BRASIL, ANALISE, ATUAÇÃO, GOVERNO.

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Associação Juízes para a Democracia lançou um manifesto para que o Presidente da República encaminhe ao Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) declaração reconhecendo a competência jurisdicional da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A cidadania e a dignidade da pessoa humana constituem elementos fundamentais da democracia, da justiça e do direito, indispensáveis na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, em que se busca o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais.

Todos os que temos obrigações e responsabilidades públicas nos preocupamos com os direitos e garantias mínimos que o Estado é obrigado a assegurar aos que estão presos ou sob investigação criminal.

A mesma preocupação vale em relação às testemunhas, pois é obrigação do Poder Público zelar pela integridade física e moral delas, consoante o legítimo processo legal e como única forma de garantir legitimidade às investigações e à determinação da verdade.

O Brasil é signatário da Convenção de São José da Costa Rica, o que nos obriga a garantir todos os direitos humanos ali descritos, os quais praticamente coincidem com o estabelecido em nossa Constituição.

O Brasil, no entanto, não se submete ao tribunal, cuja competência jurisdicional está prevista na Convenção de São José, apesar de nossa Constituição estabelecer que o Brasil lutará pela criação de um tribunal internacional de direitos humanos.

Cumpro o dever, que para mim representa uma honra, de hoje ocupar a tribuna do Senado Federal para tratar desse tema da maior relevância e atualidade no Brasil e no mundo: direitos humanos.

A cidadania e a dignidade da pessoa humana são fundamentos constitucionalmente estabelecidos na formação da República Federativa do Brasil, em consonância com os objetivos fundamentais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, em busca do desenvolvimento econômico, social e político.

Os direitos humanos são contemplados, direta ou indiretamente, em diversos dispositivos constitucionais, máxime os que estabelecem como princípios diretores a erradicação da pobreza, da indigência e da marginalidade, a redução das desigualdades sociais e regionais, a promoção do bem de todos, sem preconceitos ou discriminação.

No campo das relações internacionais, o Brasil se rege, entre outros, pelos princípios básicos da prevalência dos direitos humanos, igualdade entre os Estados, defesa da paz, solução pacífica dos conflitos, repúdio ao terrorismo e ao racismo, cooperação entre os povos para o progresso da humanidade e concessão de asilo político.

Uma análise, mesmo superficial, dos princípios fundamentais e dos direitos e garantias fundamentais, estabelecidos em nossa Constituição, demonstra que, do ponto de vista jurídico-formal, o Brasil se encontra, evidentemente, na vanguarda mundial no campo da defesa dos direitos humanos.

A dura realidade social e econômica nacional demonstra que a situação é certamente outra, bastante diversa, aproximando-se muitas vezes do oposto ao estabelecido na Constituição.

Evidentemente, as generalizações sempre são perigosas; no entanto, não estaríamos distantes da verdade se afirmássemos que no Brasil não se respeitam os direitos da criança, dos adolescentes, das mulheres, dos negros, dos índios, dos idosos, dos pobres, dos presos, dos indigentes, vale dizer, de todos os excluídos socialmente.

O só fato de existirem no Brasil alguns milhões de meninos de rua constitui um escândalo difícil de explicar, de qualificar e quase impossível de traduzir-se em palavras: trata-se simplesmente de uma imensa chaga social, que poderá comprometer irremediavelmente o futuro de nosso País, destruindo aquilo que uma nação tem de mais sagrado: os seus cidadãos e o seu próprio futuro.

Todos nós sabemos que são enormes as dificuldades para se assegurar verdadeira cidadania num País como o nosso, com uma das piores distribuições de renda de todo o planeta, com grande número de problemas associados à pobreza, educação, saúde e serviços públicos essenciais.

Isso não significa, absolutamente, que se deva deixar de perseguir a importante meta de melhoria dos direitos civis, dos direitos humanos, dos direitos trabalhistas, da participação política mais ampla, mais genuína e mais representativa.

Isso também não significa abandonarmos outras áreas igualmente importantes, como meio ambiente, proteção ao consumidor e a solidariedade para com os indigentes.

Tudo isso precisa ser atendido dentro dos parâmetros de uma sociedade democrática, em termos econômicos, sociais e políticos, sem desconsiderarmos a imensa dívida social existente para com milhões de brasileiros que continuam abaixo da linha de pobreza.

O Brasil já fez grandes progressos na área da proteção dos direitos humanos, destacando-se a instituição do Programa Nacional de Direitos Humanos, que reflete em grande parte a preocupação pessoal do Presidente Fernando Henrique Cardoso com a cidadania e a dignidade da pessoa humana.

As palavras do Presidente Fernando Henrique Cardoso, no lançamento desse Programa, são suficientes para demonstrar o empenho do Governo Federal para enfrentar todos os problemas relacionados com a dignidade do cidadão: "A sociedade brasileira está empenhada em promover uma democracia verdadeira. O Governo tem um compromisso real com a promoção dos direitos humanos".

Esse compromisso do Brasil com a promoção dos direitos humanos está em perfeita sintonia com a Declaração dos Direitos Universais do Homem e com as recomendações da Conferência Mundial dos Direitos Humanos, patrocinada pela ONU e realizada em Viena, em l993.

O Programa Nacional de Direitos Humanos instituído pelo Governo Federal representa um avanço significativo na aplicação prática dos princípios mais elevados da cidadania, pois estabelece metas e objetivos específicos que podem ser acompanhados e avaliados pelo Governo e pela sociedade.

Atualmente, já é possível realizarmos um balanço e uma análise mais profunda da situação dos direitos humanos no Brasil, em relação a crianças, adolescentes, presidiários, mulheres, populações negras, indígenas, refugiados, portadores de deficiências e excluídos da sociedade.

A democracia brasileira já atingiu um estágio de evolução que nos permite discutir, com maturidade e transparência, todos os nossos problemas relacionados com o tema direitos humanos, sem nada escondermos, sem nada ocultarmos, sem desvios da verdade e sem sofismas.

A sociedade brasileira é radicalmente contra qualquer violação dos direitos humanos.

Por isso mesmo, defendemos a tese de que o Brasil não deve temer, nada tem a ocultar e deve, conseqüentemente, aceitar a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

O Brasil tem um Programa bem elaborado e apoiado politicamente pelo Presidente da República e por todas as lideranças responsáveis e representativas de nosso País, o qual está sendo executado com seriedade e com determinação, para merecermos o respeito de todas as nações no campo dos direitos humanos.

Assim, não podemos ter o receio de enfrentar claramente situações difíceis ou vergonhosas, porque o propósito e a determinação do Brasil é extirpar definitivamente todas as violações aos direitos humanos, consoante o que determina a Constituição Federal, que estabelece prevalência dos direitos humanos, como princípio fundamental de nossas relações internacionais.

A construção do Estado democrático de direito somente se realizará em nosso País quando a dignidade da pessoa humana merecer -- por parte do Estado e da sociedade como um todo -- o mais elevado e absoluto respeito, independentemente de qualquer condição pessoal ou particular.

O Brasil já progrediu muito nessa direção, mas ainda tem um longo caminho a percorrer, até que a letra da Constituição Federal se possa consubstanciar em realidade efetiva de cidadania e respeito aos direitos humanos.

A aceitação da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos não significa, absolutamente, ingerência indevida em nossos assuntos internos, nem significa, tampouco, abrir mão da nossa independência e de nossa soberania, nem, tampouco ainda, violação do princípio da autodeterminação dos povos.

A aceitação pelo Brasil da jurisdição daquela Corte significa simplesmente que o Brasil não tem receio de debater nossos problemas de maneira franca, aberta, transparente e madura, com países-irmãos.

Isso significa também que a dignidade da pessoa humana não conhece fronteiras geográficas e que nenhum Estado pode desrespeitar seus cidadãos, alegando o eufemismo representado por problemas internos.

O Senado Federal, na qualidade de Casa constituída por homens públicos da mais alta experiência e respeitabilidade, certamente não aceita e repudia qualquer violação dos direitos humanos e, por isso, não teme que uma Corte internacional legítima, da qual o Brasil faz parte, possa examinar esse assunto, no que se refere ao Brasil.

Deixo aqui o meu apelo para que o Senhor Presidente da República encaminhe ao Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos declaração de que o Brasil aceita a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, porque o Brasil está firmemente determinado na defesa intransigente da dignidade da pessoa humana.

É o meu pensamento.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/08/1997 - Página 17372