Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES ACERCA DE PROJETO QUE DISPÕE SOBRE A LEI DE IMPRENSA, EM TRAMITAÇÃO NA CAMARA DOS DEPUTADOS.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA.:
  • CONSIDERAÇÕES ACERCA DE PROJETO QUE DISPÕE SOBRE A LEI DE IMPRENSA, EM TRAMITAÇÃO NA CAMARA DOS DEPUTADOS.
Aparteantes
Júlio Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 28/08/1997 - Página 17456
Assunto
Outros > IMPRENSA.
Indexação
  • DEFESA, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, SENADO, PROJETO DE LEI, GARANTIA, LIBERDADE DE EXPRESSÃO, LIBERDADE DE IMPRENSA, RESPONSABILIDADE CIVIL, RESPONSABILIDADE PENAL, CATEGORIA PROFISSIONAL, JORNALISTA.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, creio que o tempo que resta da sessão não será por mim inteiramente utilizado, já que vejo oradores inscritos e dispostos a falar.

Apenas quero fazer o registro da importância que credito a um tema que voltou ao debate, felizmente, no Congresso Nacional, dado que, recentemente, na Câmara dos Deputados, houve a aprovação na Comissão de Constituição, Justiça de um substitutivo do Deputado Vilmar Rocha sobre o assunto.

Falo, Sr. Presidente, Srs. Senadores, do projeto que trata da garantia da liberdade de expressão e da responsabilidade civil e penal dos jornalistas. É aquilo que temos chamado, comumente, de Lei de Imprensa.

Tenho com esse projeto, Sr. Presidente, uma ligação profunda, uma ligação umbilical porque, no Senado, como Relator da matéria, durante mais de um ano de longo e frutífero debate, o assunto foi analisado, esmiuçado, detalhado e radiografado pelos Srs. Senadores. Obtivemos um resultado concreto e satisfatório: aprovamos um projeto de lei que deveria seguir, então, a sua tramitação no mesmo ritmo, na mesma seqüência, na mesma velocidade, na Câmara dos Deputados.

No entanto, isso ocorreu em 1992. Nos idos de 1992, logramos a aprovação da Lei de Imprensa no Senado Federal. Portanto, há cinco anos. De lá até aqui, depois de longo e penoso debate, a Câmara dos Deputados finalmente chega ou está próxima a uma definição sobre a Lei de Imprensa, que acaba de ser aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça daquela Casa e está, digamos assim, habilitada para ser votada em plenário. Portanto, o assunto ganha importância e densidade.

Reputo ser da nossa responsabilidade tratar também da questão da imprensa.

Em primeiro lugar, há quem defenda a tese de que não deve existir, no Brasil, nenhuma Lei de Imprensa e que o Código Penal e o Código Civil, que são leis que tratam dos crimes contra a honra e das indenizações por danos morais, respectivamente, são as leis que devem cuidar do assunto. Portanto, não se deveria criar uma nova Lei de Imprensa.

É muito importante ressaltar que é até razoável e aceitável que propugnemos pela não-existência de uma lei sobre a Imprensa. Apenas, isso não é mais possível. Não pode mais acontecer por uma simples razão: há trinta anos, no ano da graça de 1967, o Governo militar instaurou uma Lei de Imprensa no Brasil que é a lei atual, a que vigora até hoje.

Dizer que essa Lei de Imprensa que, há sete anos, estamos debatendo não deve existir e deve ser rejeitada significa, na prática, dizer que a lei da ditadura deve ser mantida. A hipótese de não haver lei nenhuma é inexistente. Na prática, dizer "eu não quero uma nova lei de imprensa" é dizer "eu quero que fique, que permaneça, que continue em vigor a atual lei gerada no ventre da ditadura".

Só há uma maneira de varrermos do mapa legal do Brasil a Lei de Imprensa de 1967, que é autoritária, danosa à democracia, contrária à liberdade de expressão, draconiana contra a atividade investigativa do jornalismo: é colocarmos no lugar dessa lei autoritária uma lei nova democrática.

Esse tem sido o objetivo mantido e sustentado ao longo desses sete anos de debate. Considero essa questão preliminar importante. Ficar repetidamente insistindo em que nada deve se fazer em relação a uma nova lei de imprensa, na prática, só tem um resultado, uma conseqüência: manter, legitimar, dar continuidade, dar sobrevida, praticamente eternizar a atual lei, uma lei muito ruim que - todos os brasileiros concordam - deveria ser revogada.

Para que ela seja revogada é preciso que seja colocada outra lei em seu lugar. Defendo que essa nova lei seja de bom senso, baseada em alguns critérios fundamentais. O primeiro deles é o de que a lei não sirva como instrumento de pressão contra a liberdade de imprensa, pois deve ser um mecanismo de responsabilização a posteriori do ato de informar e não um mecanismo de inibição a priori ao trabalho de investigação jornalística. Em termos concretos, isso é censura que não rima nem se casa com democracia.

Por outro lado, é da maior importância estabelecermos como critério que a Lei de Imprensa sirva como rumo para caminhos novos. Sabemos que os chamados crimes contra a honra não representam ameaça física, violência corporal, ameaça à vida ou à integridade física dos cidadãos. Os chamados delitos de opinião, praticados na imprensa ou fora dela, não são praticados por pessoas que devam ser encarceradas, porque elas - se crimes praticarem - cometeriam crimes de opinião e não delitos que representariam ameaça física a quem quer que seja. Logo, o encarceramento, a prisão, a detenção é uma concepção medieval, atrasada que devemos banir da lei no que diz respeito aos crimes de opinião e devemos substituir as penas de detenção por penas pecuniárias, a multa no âmbito penal e a indenização no âmbito civil, que, sem dúvida alguma, têm muito mais eficácia.

Por outro lado, a pena de prisão funciona como um poder inibitório, como uma espada de Dâmocles sobre a cabeça do jornalista. A pena pecuniária, a multa, é um ato de responsabilização política, social e cívica. Ela também pode ter como alternativa a prestação digna de serviços à comunidade, que creio ser o meio, a via pela qual poderemos atingir esse equilíbrio entre o direito de informar, que tem de ser assegurado sob todos os pretextos, e, de outro lado, o direito da cidadania, a honra e, para aqueles cidadãos de vida privada, o direito à privacidade. No caso dos homens e mulheres que exercem a atividade pública, a privacidade não existe. E não deve existir, no meu entendimento, porque quem se volta para a vida pública, de fato, renuncia a sua privacidade.

Quero crer, Sr. Presidente, que este caminho de equilíbrio é possível e pode ser alcançado. De um lado, um jornalista que está inteiramente liberado para agir, para investigar, para publicar, para buscar a verdade, porque sabe que não será preso, não será inibido, não haverá intervenção, não haverá recolhimento de seu jornal, não haverá nenhuma forma autoritária de inibição do seu ato de exercer a profissão; de outro lado, o cidadão podendo ser preservado, podendo ter o direito de recorrer quando atingido na sua honra e quando atingido no âmbito e na esfera de sua vida privada, se esse cidadão é um cidadão que decidiu ter vida privada.

Creio que esse equilíbrio deve ser buscado, e creio que o fim das penas de prisão é o caminho que se deve buscar.

O Sr. Júlio Campos (PFL-MT) - V. Exª permite-me um aparte, nobre Senador José Fogaça?

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS) - Com muita honra, concedo o aparte a V. Exª, Senador Júlio Campos.

O Sr. Júlio Campos (PFL-MT) - Senador José Fogaça, V. Exª ocupa a tribuna do Senado neste final de tarde com um pronunciamento dos mais elevados desta Casa e com uma profunda análise sobre a nova Lei de Imprensa. Conheço sua luta desde a legislatura passada, quando se começou a discutir uma nova Lei de Imprensa para o Brasil. E o posicionamento que V. Exª está adotando neste instante, trazendo mais uma vez ao conhecimento deste Plenário, é espetacular. Penso que a saída para a nova Lei de Imprensa é pelo caminho que V. Exª está orientando. Realmente, concordo em gênero, número e grau com seu pronunciamento, e principalmente entendo que a censura não deve existir de maneira alguma. As penas têm que existir, mormente as pecuniárias, mas não com prisão ou com ameaças. Certamente, o sistema democrático não pode conviver com esse tipo de ameaça. Portanto, como um cidadão que também é proprietário de veículo de comunicação social - somos acionistas de algumas emissoras de rádio, de televisão e jornal do nosso Estado -, posiciono-me como V. Exª. Não tiro nenhuma palavra do texto que V. Exª está expondo, e concordo plenamente com seu ponto de vista. Meus cumprimentos, e conte conosco nessa luta pela aprovação da nova Lei de Imprensa, nesse rumo que V. Exª traz hoje à tribuna do Senado Federal.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS) - Agradeço as palavras de V. Exª, Senador Júlio Campos. V. Exª tem experiência dos dois lados: exerce a vida pública e a atividade empresarial do setor. Portanto, a sua palavra é de extrema validade, porque é de um homem que conhece os dois lados da questão: um homem que é notícia e um homem que faz a notícia.

Sr. Presidente, a verdade é que, quando estamos chegando ao momento final, sempre há alguns pontos polêmicos. E eu gostaria, já de antemão, de expor minha posição quanto a um desses pontos polêmicos em debate na Câmara dos Deputados, que são as chamadas penas pecuniárias ou as chamadas indenizações por dano moral. Não creio que seja viável aprovar uma lei que não tenha limites para a punição em dinheiro, até por uma razão muito simples: tal será a pressão, tal será a ação e a influência dos meios de comunicação para que a lei não seja aprovada, que, se for aprovada, ela será inútil. É uma rigorosa bobagem querer transformar a Lei de Imprensa num instrumento de vingança pessoal, de destruição do inimigo, que, no caso, é a imprensa. Isso é uma rigorosa bobagem - repito.

A Lei de Imprensa deve ter uma finalidade: ter punições moderadas, justas, adequadas, equilibradas e evidentemente aplicadas pela Justiça após o processo normal no Estado de Direito. Somente após isso, deve haver punições com limites, tanto para o jornalista quanto para a empresa. Não se pode imaginar que, de uma só tacada, de um grande golpe, vá-se obter a derrocada total de uma empresa jornalística, a derrubada definitiva de uma instituição.

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - A Presidência interrompe o eminente Senador José Fogaça para prorrogar por dois minutos a sessão, para que S. Exª conclua o seu brilhante pronunciamento.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Estamos convencidos de que a limitação é necessária, porque é muito importante haver gradativamente uma série de vitórias na Justiça por parte daqueles cidadãos que se dizem atingidos pela Imprensa, com pequenas ou médias punições para o jornalista e a empresa, e que isso se transforme numa cultura, num hábito e numa disciplina consistente da verdade.

É uma bobagem - desculpem-me, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores - imaginar que um processo de muitos milhões de reais contra determinada empresa, contra determinado jornal, contra determinada emissora de televisão, resolverá, de uma vez por todas, o problema da verdade. É uma bobagem pensar assim. A solução virá com a prática constante, moderada e sábia de punições, o que hoje não existe.

Se houver a prática de punições com limite e bom senso, subordinadas rigorosamente às condições pessoais do jornalista e da empresa, com o tempo, com a vivência da lei, triunfará a disciplina e a cultura da verdade.

Não tenho nenhuma dúvida de que a Lei de Imprensa pode chegar a isso, razão pela qual defendo seja aprovada na Câmara dos Deputados e no Senado Federal depois de os debates alcançarem o ponto que entendemos ser de amadurecimento e a consistência que defendemos.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/08/1997 - Página 17456