Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE OS MALES DO TABAGISMO, A PROPOSITO DO TRANSCURSO, AMANHÃ, DO DIA MUNDIAL DE COMBATE AO FUMO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • REFLEXÕES SOBRE OS MALES DO TABAGISMO, A PROPOSITO DO TRANSCURSO, AMANHÃ, DO DIA MUNDIAL DE COMBATE AO FUMO.
Publicação
Publicação no DSF de 29/08/1997 - Página 17552
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • REGISTRO, DIA INTERNACIONAL, COMBATE, FUMO, ANALISE, PROBLEMA, SAUDE PUBLICA, PREJUIZO, SAUDE, PROXIMIDADE, USUARIO.
  • REGISTRO, PROCESSO JUDICIAL, INDUSTRIA, CIGARRO, INDENIZAÇÃO, MORTE, MOTIVO, TABAGISMO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), POSSIBILIDADE, PROIBIÇÃO, UTILIZAÇÃO, DROGA, FUMO.
  • DEFESA, AUMENTO, CAMPANHA EDUCACIONAL, COMBATE, FUMO, PARTICIPAÇÃO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO.

              O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB--CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, anualmente, por ocasião deste 29 de agosto, Dia Mundial de Combate ao Fumo, trago reflexões ao Plenário, como parte da tarefa a que me impus, de integrar a cruzada dos combatentes dessa verdadeira "epidemia mundial", por julgá-la uma questão de saúde coletiva e não uma escolha pessoal que não admita a interveniência do Estado. Como considerar de "foro íntimo" uma opção que atinge a saúde e a vida de outras pessoas?

              Aliás, percebe-se, ultimamente, que todas as entidades da área sanitária ligadas ao combate ao tabagismo estão dando uma ênfase especial ao chamado "tabagismo passivo" ou "ambiental", que é aquele que ocorre com os não fumantes que são obrigados a conviver ou trabalhar em ambientes contaminados e poluídos pelo tabaco.

              Recente investigação conduzida por pesquisadores da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, mostrou que o tabagismo passivo é mais perigoso do que se pensava até então. O estudo foi feito por cerca de 10 anos com o acompanhamento de 32 mil mulheres saudáveis, que nunca fumaram, mas que, por terem de conviver com fumantes, ficavam submetidas à exposição regular da fumaça de outras pessoas, em casa ou no trabalho.

              A primeira coisa importante constatada foi que a exposição contínua quase dobra o risco de doenças cardíacas. As mulheres de 36 a 61 anos, no início do estudo, sofreram 152 ataques do coração, sendo 25 deles fatais.

              Extrapolados tais resultados para a população americana, calcula-se que pode haver até cinqüenta mil americanos morrendo, a cada ano, por ataques cardíacos provocados pelo tabagismo passivo.

              Outra pesquisa, promovida pela Faculdade de Medicina de Wisconsin, em Madison, revela que cerca de 6 mil e 200 crianças morrem, por ano, nos Estados Unidos, devido a problemas pulmonares e incêndios provocados pelo consumo de fumo por parte de seus pais.

              O estudo acrescenta que, aproximadamente, 5,4 milhões de jovens norte-americanos sofrem outras conseqüências não fatais do tabagismo dos pais, como infecções nos ouvidos e asma. O tratamento desses problemas de saúde custa, anualmente, 4,6 bilhões de dólares, segundo os pesquisadores.

              Outra pesquisa na mesma linha, realizada pela Universidade de Chicago, mostra que o risco de um diagnóstico de dificuldades de conduta e de comportamento anti-social é 4,4 vezes maior nos filhos de mulheres que fumaram mais de 10 cigarros por dia durante a gravidez.

              Foram avaliadas 177 crianças, com idades entre 7 e 12 anos, durante um período de 6 anos. Os menores com problemas de conduta apresentavam, de maneira freqüente e persistente, envolvimento em, pelo menos, três dos seguintes comportamentos anti-sociais: incêndios premeditados, vandalismo, crueldade física, estupros, roubos e assaltos.

              Um fato novo, neste tipo de pesquisa, é que, pela primeira vez, estudou-se o tabagismo, no ambiente de trabalho, por tanto tempo e em número tão elevado de pessoas. Já se sabia que o tabagismo passivo, nas residências, é o responsável pelo aumento do risco de várias doenças, principalmente em crianças obrigadas a conviver com adultos que fumam.

              Esses dados têm sido considerados muito importantes para um processo que está sendo movido contra as companhias de tabaco, na primeira ação coletiva baseada nos efeitos do fumo passivo. O caso envolve cerca de 60 mil ex-comissários e ex-comissárias de bordo norte-americanos, que alegam que foram prejudicados por fumantes nos setores permitidos dos aviões. A maioria dos reclamantes têm câncer do pulmão ou problemas respiratórios e estão pedindo, ao todo, bilhões de dólares de indenização.

              Outro fato inédito, no cerco aos fumantes, foi a verdadeira "confissão de culpa" feita pela fabricante americana de cigarros Liggett, que, numa declaração oficial, admitiu que o fumo vicia, causa câncer e enfisema pulmonar, além de problemas cardíacos. É o que todo mundo já sabia, mas causou verdadeiro impacto nos Estados Unidos. As outras indústrias temem que o reconhecimento da Liggett possa servir de argumento jurídico nos milhares de processos movidos contra elas por familiares de pessoas que morreram ou tiveram graves problemas de saúde em decorrência do cigarro.

              A Ligget, fabricante do L & M, detém 2% de um mercado que movimenta 45 bilhões de dólares por ano. É pequena e está quebrando. Seu proprietário imaginou que, com a declaração, conseguiria imunidade contra futuros processos.

              Reforçando a observação de que novos procedimentos estão em curso na batalha contra o tabagismo, as autoridades americanas e as principais multinacionais do tabaco anunciaram a possibilidade de um acordo histórico, que prevê as mais severas restrições já impostas à indústria do fumo no EUA. As empresas aceitaram criar um fundo de 368,5 bilhões de dólares que será usado para uma série de medidas em benefício daqueles cuja saúde foi prejudicada pelo hábito de fumar. Foi a primeira vez que os fabricantes de cigarro admitiram que a nicotina vicia, assumindo sua parcela de culpa em casos de câncer entre fumantes e ex-fumantes. Em troca, as gigantes do tabaco não poderiam mais ser alvo de ações populares e ganhariam imunidade contra milionários processos que estão sendo movidos por 40 estados americanos.

              Segundo os procuradores dos estados americanos, a indústria do tabaco terá um prazo de 25 anos para financiar esforços antitabagistas, usando o dinheiro do fundo. A Administração de Drogas e Alimentos -- FDA já anunciou que regulamentará a nicotina como uma droga e pode decidir bani-la do mercado até o ano de 2009.

              Os analistas econômicos consideram que a negociação foi uma "jogada de mestre" das multinacionais do tabaco. Apesar do aparente prejuízo ao criar um fundo, as empresas -- pressionadas pelo clima antitabagista que tomou conta dos EUA -- deverão sair lucrando, pois escaparão dos processos de fumantes e de estados, que vinham se tornando cada vez mais comuns no país.

              É uma briga de leões. Milhões de pessoas de um lado e bilhões de dólares de outro. O uso do cigarro atingiu proporções monumentais. Dados da The Economist revelam que o mundo fuma 15 bilhões de cigarros por dia! Só os americanos consomem mais de 1 bilhão. Essa é uma das indústrias mais prósperas. A Philip Morris fatura 36 bilhões de dólares anuais.

              As empresas, por um lado, tentam acordos; por outro, questionam a relação causal entre fumo e doenças, argumentando que ninguém é obrigado a fumar, a escolha é livre. A questão é de alta complexidade jurídica.

              O destino do cigarro nos EUA, provavelmente, sinalizará o seu destino no mundo. E qual será este destino? Parecido com o do ópio, que era permitido no início do século, foi proibido e nunca mais liberado? Ou com o do álcool, proibido na década de 20, mas, após alguns anos, de novo legalizado?

              A indústria do tabaco é muito maior do que a do ópio e se compara à do álcool. Ela fatura 50 bilhões de dólares anuais. Embora o hábito de fumar se tenha reduzido em 4%, nos últimos 32 anos, nos EUA, ainda há milhões de pessoas que fumam e não querem perder esse direito.

              A ocorrência do avanço das leis proibitivas do fumo assenta-se, basicamente, no conceito de que a liberdade individual deve ser respeitada desde que seu exercício não interfira no direito alheio. O sucesso da campanha contra o fumo beneficia-se com a obsessão pela vida saudável, que aumenta a cada ano, e com a tendência a se tentar impor hábitos medicamente recomendáveis a todos.

              Mas, sabemos todos, Srªs e Srs. Senadores, que, à proibição do cigarro, se a preocupação é a preservação da saúde, se pode seguir nova tentativa contra o álcool. E, depois, podem surgir investidas contra a manteiga, o açúcar, o sal, os corantes artificiais. Até o dia em que todos serão obrigados a 50 flexões abdominais pela manhã e corridas de 5 km à tarde!

              Esse debate é o mesmo para o Brasil. Se é tão difícil resolver o problema juridicamente, o que fazer?

              Se levarmos em conta que todas as sociedades humanas permitem o consumo de algum tipo de droga por seus integrantes, inclusive como fórmula de escape das tensões coletivas, e que há um limite para o que se pode regular na vida individual, chegamos à única conclusão possível, de que o que resta fazer é educar de maneira regular e contínua, até o fim da vida.

              Quando falo em educação, naturalmente, não me refiro apenas à modalidade formal, que se exerce na escola e que tem papel fundamental no caso, mas também aos meios de comunicação. E, aí, há muito por fazer.

              Nos Estados Unidos, os gigantes do tabaco estão dispostos a interromper o patrocínio de eventos esportivos e a não fazer propaganda a menos de 330 metros de escolas e parques infantis. Estão de acordo, até, em retirar de suas peças publicitárias figuras humanas e desenhos de apelo juvenil como o "homem da terra de Marlboro" e "Old Joe", o camelo bonachão do cigarro Camel.

              Enquanto isso, como é que vão as coisas por aqui, no Brasil? Diariamente, na televisão, nos cartazes de rua, no cinema e em todos os lugares, continuamos sendo assaltados por propagandas mentirosas, que desrespeitam a inteligência das pessoas, estimulando o vício do cigarro, ligando-o a pessoas saudáveis, bonitas, bem-acompanhadas, felizes, ricas e bem-sucedidas...

              No entanto, a queda do consumo de cigarros, verificada no biênio 93/94 -- de 119,5 para 109,2 bilhões de maços -- coincidiu com investida mais ousada por parte do Governo Federal na veiculação da campanha antifumo, com uma mensagem objetiva e forte: "fumar é prejudicial à saúde". Quando o Ministério da Saúde passou a veicular uma mensagem mais dispersa e superficial, houve um considerável aumento do consumo em 95 -- subiu para 119,8 bilhões de maços --, tendência de crescimento mantida no ano que passou.

              Não tenhamos ilusões a respeito, Srªs e Srs. Senadores. Apesar de existir, no mundo inteiro, um processo em marcha de restrições ao cigarro, o consumo não diminuiu. O cigarro avança, principalmente entre jovens e mulheres. O número de fumantes no mundo está estimado em 1,1 bilhão. A proibição radical, sabemos todos, só faria o cigarro aderir ao universo clandestino de outras drogas.

              Como já afirmei, resta o caminho da educação regular e contínua. É importante esclarecer as pessoas sobre os perigos do fumo e ensiná-las a exercer a sua liberdade, o que significa desenvolver uma consciência capaz de resistir ao "canto de sereia" da propaganda e do "marketing". É um caminho penoso, sem dúvida. Mas é a única maneira de mudar hábitos e atitudes num regime de liberdade. É, também, o único caminho compatível com o sistema democrático.

              Muito Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/08/1997 - Página 17552