Discurso no Senado Federal

PRIMEIRO ANO DE EXISTENCIA DA COMUNIDADE DOS PAISES DE LINGUA PORTUGUESA, INSTRUMENTO APROPRIADO DE INTERCAMBIO E COORDENAÇÃO DOS POSICIONAMENTOS DOS PAISES-MEMBROS NO AMPLO PANORAMA DOS TEMAS POLITICOS E ECONOMICOS DA ATUALIDADE E DO FUTURO, PARA PROMOÇÃO E DEFESA DOS INTERESSES COMUNS E PARA AVALIAÇÃO DOS MOMENTOS E DAS CIRCUNSTANCIAS EM QUE A CONJUNTURA VIVIDA PELOS POVOS SE MANIFESTA.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • PRIMEIRO ANO DE EXISTENCIA DA COMUNIDADE DOS PAISES DE LINGUA PORTUGUESA, INSTRUMENTO APROPRIADO DE INTERCAMBIO E COORDENAÇÃO DOS POSICIONAMENTOS DOS PAISES-MEMBROS NO AMPLO PANORAMA DOS TEMAS POLITICOS E ECONOMICOS DA ATUALIDADE E DO FUTURO, PARA PROMOÇÃO E DEFESA DOS INTERESSES COMUNS E PARA AVALIAÇÃO DOS MOMENTOS E DAS CIRCUNSTANCIAS EM QUE A CONJUNTURA VIVIDA PELOS POVOS SE MANIFESTA.
Publicação
Publicação no DSF de 05/09/1997 - Página 18223
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, COMUNIDADE, PAIS, LINGUA PORTUGUESA, INCENTIVO, INTERCAMBIO CULTURAL, COOPERAÇÃO, MEMBROS, RELAÇÕES DIPLOMATICAS, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, PORTUGAL.

           O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa acaba de completar um ano de existência. No dia 17 de julho de 1996, reuniram-se em Lisboa os Chefes de Estado e de Governo do Brasil, Portugal, Moçambique, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, para assinar o ato que fundou e institucionalizou a Comunidade.

           Na verdade, a fundação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, conhecida por CPLP, veio concretizar um anseio que de longa data estava plantado no espírito, na consciência e na vocação histórica dos povos lusófonos. Célebres representantes de nossa inteligência, como o patriarca José Bonifácio, o filósofo Agostinho da Silva, o pensador Sílvio Romero, sonhavam, há muito tempo, com a consolidação de um organismo plurinacional, que unificasse as nações de língua portuguesa.

           No Governo do Presidente José Sarney, sob inspiração do então Ministro da Cultura, o embaixador José Aparecido de Oliveira, foi lançado o primeiro esteio sobre o qual se ergueria o projeto de fundação da Comunidade. No encontro dos sete Chefes de Estado das repúblicas lusófonas, em 1989, na cidade de São Luís do Maranhão, foi criado o Instituto Internacional da Língua Portuguesa, que catalisou as aspirações brasileiras de unificação, defendidas depois tenazmente nas terras de além-mar pelo incansável José Aparecido, nosso embaixador nomeado para Portugal.

           Sensível aos ideais de defesa do idioma, inspiradores da fundação do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, o governo português criou, em momento aprazado, a Fundação Camões, que se tornou um novo pilar de sustentação do projeto da Comunidade. Portugueses e brasileiros agraciados com o Prêmio Camões já contam com a companhia de ilustres africanos, como Pepetela, de Angola, e Craveirinha, de Moçambique.

           Foi assim, construído como um edifício ao qual se agrega um tijolo por vez, que veio se fortalecendo o ideal de unificar os povos lusíadas. Passou ele, no Brasil, por três governos consecutivos. Cada qual emprestou ao projeto seu quinhão. Anunciada pelo Presidente José Sarney, no encontro de São Luís do Maranhão, a Comunidade veio a ganhar corpo no Governo Itamar Franco, sendo finalmente concretizada na gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Todos, entretanto, reconheceram sempre sua inegável oportunidade, num momento em que a história encaminha os países para um processo novo de reordenamento e aponta como desejável a união de nações em torno de ideários e interesses comuns.

           Ao tempo em que se comemorava o primeiro aniversário da constituição da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, o Congresso Nacional decretou aprovados os textos da Declaração Constitutiva e dos Estatutos da Comunidade, que haviam sido assinados em Lisboa, no ano anterior, por ocasião da fundação da CPLP.

           Na Declaração Constitutiva, estão expostos os princípios que deverão nortear a Comunidade, que nasceu imbuída dos valores perenes da Paz, da Democracia, do Estado de Direito, dos Direitos Humanos, do Desenvolvimento e da Justiça Social.

           Nos Estatutos da CPLP, estão assim apresentados seus objetivos gerais:

           "a) a concertação político-diplomática entre os seus Membros, em matéria de relações internacionais;

           b) a cooperação, particularmente nos domínios econômico, social, cultural, jurídico e técnico-científico;

           c) a materialização de projetos de promoção e difusão da Língua Portuguesa."

           Tendo como objetivos precípuos a concertação político-diplomática e o aprofundamento do intercâmbio cultural e da cooperação entre seus membros, a fundação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa constitui um passo importante que o Brasil começa a trilhar em sua política externa.

           Já tive a oportunidade de ressaltar, desta tribuna, as oportunidades promissoras que a constituição da Comunidade vem trazer para o Brasil no campo da cooperação, do estreitamento dos laços diplomáticos e do crescimento do espírito de fraternidade no diálogo com as nações que têm, a par do idioma, afinidades étnicas, culturais e históricas.

           Uma Comunidade dos Países de Língua Portuguesa não deve ser uma questão efêmera, num cenário mundial em que o reagrupamento é uma tendência entre países que se unem por interesses e objetivos específicos não apenas no campo dos valores políticos e culturais, mas também no tocante ao desenvolvimento econômico e social.

           Sempre entendi, Senhor Presidente, que a constituição da CPLP não deveria ser vista como uma alternativa substitutiva aos entendimentos de natureza econômica que têm como base a geopolítica, em prejuízo, por exemplo, de acordos como o MERCOSUL, o NAFTA, a ALCA, ou ainda de tratados, como o Tratado da Bacia do Prata e o Tratado de Cooperação Amazônica, para citar apenas alguns.

           Volto a reafirmar que a Comunidade deve ser um instrumento apropriado de intercâmbio e coordenação dos posicionamentos dos países-membros no amplo panorama dos temas políticos e econômicos da atualidade e do futuro, para promoção e defesa dos interesses comuns e para avaliação dos momentos e das circunstâncias em que a conjuntura vivida pelos povos se manifesta.

           Por isso, não se restringirá a Comunidade a tratar de questões afetas apenas ao idioma. Sabemos que a língua é uma poderosa ferramenta para o entendimento, é o código comum que nos permite ler o mundo e interpretar os fatos. Com uma comunidade lusófona estimada atualmente em mais de 200 milhões de habitantes, é de se esperar, por certo, a redefinição de uma política do idioma que alcance para a língua portuguesa uma posição mais privilegiada no concerto das línguas oficiais. É inconcebível que, sendo o terceiro idioma mais falado no mundo ocidental, superado apenas pelo inglês e pelo espanhol, não seja sequer admitida como língua de trabalho nos auditórios da ONU.

           Ademais, devemo-nos lembrar que projeções da UNESCO estimam que as línguas latinas, na primeira década do milênio que se avizinha, serão o idioma falado por um bilhão de pessoas em todo o mundo.

           No tocante à questão lingüística, acabamos de ver noticiada na imprensa escrita, nos últimos dias de julho, a extraordinária expansão da língua portuguesa na Ásia, onde se calcula que 20 milhões de pessoas estejam hoje falando o português ou dialetos derivados do idioma. O antropólogo Hermano Vianna, que viajou durante três meses por lugares originariamente dominados pelos portugueses, constatou que os vestígios da colonização ainda estão vivos em muitos países e pequenas cidades da Ásia.

           O pequenino Timor Leste, sufocado por mais de 20 anos de dominação indonésia, recuperou, como estratégia de resistência, a língua aprendida com os colonizadores portugueses. O incansável diplomata timorense, José Ramos Horta, prêmio Nobel da Paz de 1996, chegou a afirmar que "a resistência e o futuro do Timor passam pela língua portuguesa e pela vontade de entrar na CPLP".

           Ademais, Sr. Presidente, a CPLP pode render bons frutos nas esferas diplomática, econômica e cultural. Não é nada desprezível a reafirmação do apoio de Portugal, manifestado pelo seu primeiro-ministro, António Guterres, em favor da aspiração brasileira a uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU.

           Em termos econômicos, Portugal pode ajudar a alavancar a aproximação entre a União Européia e o MERCOSUL, aspiração alimentada por muitos brasileiros. Os países africanos, não se pode ignorar, constituem um mercado potencial para a colocação dos produtos brasileiros.

           Não resta dúvida de que é no setor cultural, principalmente na fase mais jovem da Comunidade, que o Brasil pode se beneficiar da integração com os mercados de Portugal e dos países africanos. Acordos culturais já existentes podem ser fortalecidos e novos acordos deverão ser postos em operação, imprimindo um dinamismo maior à nossa indústria cultural.

           É bem verdade que o balanço que se faz desse um ano de existência da CPLP não apresenta resultados grandiloqüentes. Seu idealizador e maior articulador, o ex-embaixador do Brasil em Portugal, José Aparecido de Oliveira, acredita que os próprios povos se incumbirão de colocá-la em ação. Apontou ele, em artigo publicado no Jornal do Brasil, um dia depois do aniversário da Comunidade, iniciativas que já começam a ocorrer, provenientes do espírito de unificação:

           "Os governos começam a agir com dinamismo no âmbito da comunidade. Nos últimos dias, por exemplo, reuniram em Lisboa, com a presença do ministro Íris Rezende, os responsáveis pela política de segurança interna de nossos povos, a fim de discutir os problemas comuns. Em Luanda, nesta semana, encontram-se representantes dos sete e voltam a debater, fraternalmente, a reconstrução de Angola."

           O ex-Presidente Mário Soares, meu amigo pessoal, em recente entrevista à revista Lusofonia afirma numa frase objetiva e melancólica: "A Comunidade dos Países da Língua Portuguesa está a caminhar em ritmo demasiado lento."

           Muito há para ser feito no âmbito da Comunidade, Senhor Presidente. Se até agora suas iniciativas se restringiram ao campo da retórica, é chegada a hora de partir para ações mais efetivas e pragmáticas.

           Brasil e Portugal passaram ambos por profunda alteração qualitativa ao longo das últimas três décadas. Esses países devem alcançar um novo patamar de relações, que vão além da dimensão bilateral, sem, no entanto, substituí-la. O fato de Portugal estar integrado à União Européia, e o Brasil, ao MERCOSUL, torna esses países os interlocutores ideais na esfera das relações entre os dois grupos regionais. Associados aos países amigos e irmãos da África de língua portuguesa, responderão a uma tendência marcante da nova realidade internacional, que impulsiona os países de herança cultural comum a atuarem de forma concertada no cenário multilateral e no âmbito da própria cooperação mútua.

           É preciso pensar se não é chegada a hora de encontrarmos a forma mais apropriada de favorecer a adesão dos agrupamentos populacionais que se utilizam da língua portuguesa como meio de comunicação, como Macau, Málaca, Goa, o Timor Leste e os milhões de portugueses, brasileiros e africanos emigrados para os mais diferentes países.

           Estaremos, dessa forma, dando vida a um organismo que responderá, no concerto das nações, ao que Gilberto Freyre denominou "luso-tropicalismo", um complexo histórico, étnico e cultural que se estende de Portugal e abarca todos os países lusófonos, nos quais se gerou o amálgama derivado do contato direto da cultura lusitana com as culturas dos povos das regiões do planeta colonizadas por Portugal.

           Era o que tinha a dizer.

           Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/09/1997 - Página 18223