Discurso no Senado Federal

INCAPACIDADE DO ATUAL GOVERNO DE GERIR AS APLICAÇÕES DE SEUS RECURSOS ORÇAMENTARIOS, DESTACADAMENTE AQUELES DESTINADOS AOS PROJETO SOCIAIS. ENTREVISTA DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO A REVISTA VEJA, DO DIA 9 DE ABRIL DO CORRENTE ANO, ALEGANDO QUE O PLANO REAL NÃO DEPENDIA DAS REFORMAS CONSTITUCIONAIS.

Autor
Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
Nome completo: Casildo João Maldaner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • INCAPACIDADE DO ATUAL GOVERNO DE GERIR AS APLICAÇÕES DE SEUS RECURSOS ORÇAMENTARIOS, DESTACADAMENTE AQUELES DESTINADOS AOS PROJETO SOCIAIS. ENTREVISTA DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO A REVISTA VEJA, DO DIA 9 DE ABRIL DO CORRENTE ANO, ALEGANDO QUE O PLANO REAL NÃO DEPENDIA DAS REFORMAS CONSTITUCIONAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 05/09/1997 - Página 18225
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, INCOMPETENCIA, GOVERNO, ADMINISTRAÇÃO, APLICAÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, ESPECIFICAÇÃO, SETOR, HABITAÇÃO POPULAR, AGRICULTURA, TRANSPORTE, MEIO AMBIENTE.
  • NECESSIDADE, AUMENTO, INVESTIMENTO, GOVERNO, POLITICA SOCIAL, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
  • CRITICA, PRIORIDADE, GOVERNO, INVESTIMENTO, APROVAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, ELEIÇÕES, PREJUIZO, SOLUÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS.

O SR. CASILDO MALDANER (PMDB--SC) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os jornais brasileiros publicaram, no dia três de maio, notícias sobre a execução do Plano Plurianual do Governo, relativo aos anos de 1996 e 1997.

Ao falar aos jornalistas sobre os números do Plano, o Ministro do Planejamento, Antonio Kandir, reconheceu que, embora não existindo dinheiro de sobra, o grande problema enfrentado pelo Governo foi a falta de uma gerência eficiente para que todas as verbas previstas fossem efetivamente investidas.

O Ministro afirmou que os gastos do Governo com ações voltadas para o "desenvolvimento social", em 1996, somaram 63,9 bilhões de reais, representando 87,4% dos 73 bilhões de reais que deveriam ter sido aplicados.

Disse ainda o Ministro Antonio Kandir que o Orçamento executado mostrou aumento nos "gastos sociais", que -- depois de totalizarem 95 bilhões de reais, em 1995 -- foram de 100 bilhões de reais no ano passado.

Ao tratar do assunto, o jornal Folha de S. Paulo faz a ressalva de que nesses valores orçamentários "estão incluídos gastos como pagamentos de salários pelo Ministério da Saúde e da Educação e pagamentos de benefícios do INSS", que, obviamente, não deveriam ser considerados como investimentos de caráter social.

A análise das aplicações, setor por setor, mostrou que foram cumpridas metas, por exemplo, como as do Sistema Único de Saúde, o qual deveria ter sido contemplado com 6 bilhões de reais, mas acabou recebendo mais de 8 bilhões de reais. Outros bons resultados ficaram por conta do ensino fundamental, que investiu 27% a mais do que o previsto; da educação profissional, desenvolvida pelo Ministério do Trabalho; e dos setores de energia, reforma agrária, comunicações e turismo, que superaram suas metas.

Porém, o dado mais impressionante do levantamento diz respeito ao que deixou de ser investido, embora -- como é do conhecimento geral -- as carências por investimentos sejam sentidas em todas as áreas do Governo. A avaliação mostrou que dos 98 bilhões de reais orçados apenas 84 bilhões de reais foram efetivamente gastos. Ou seja, 14 bilhões de reais não foram utilizados por falta de gerência eficiente por parte do Governo.

Sobre esse ponto, diz o jornal O Globo, do dia três de maio: "A maioria dos ministérios ficou abaixo do desempenho financeiro programado, deixando de realizar as metas programadas. Nem os militares responsáveis pelos programas de defesa nacional escaparam. Apesar das constantes queixas sobre falta de verbas para seus projetos, apenas R$ 1,491 bilhão do R$ 1,8 bilhão disponível foi aplicado.".

E acrescenta mais adiante:

"A área de habitação popular, sob responsabilidade do próprio Kandir, teve um dos piores resultados apurados. Por excesso de burocracia e lentidão no processo decisório, os programas criados pela Secretaria de Política Urbana empenharam apenas R$ 1 bilhão, em relação aos R$ 3,25 bilhões orçados".

Eu poderia alinhar vários outros números negativos sobre setores essenciais -- como agricultura, transportes e meio ambiente --, mas paro por aqui. O certo, o inegável é que o Estado brasileiro não tem condições de gerir a aplicação dos seus recursos orçamentários. Falta-lhe capacidade gerencial. Ou seja, o Estado brasileiro não consegue sequer gastar os recursos de que dispõe. E isso ocorre apesar das reiteradas afirmativas do atual Governo no sentido de que o Estado brasileiro está inchado, é grande, mastodôntico. Não é verdade. A máquina estatal brasileira não é grande. É apenas incompetente. Parece ironia, mas não é: o próprio Ministério da Administração, ao qual cabe o trabalho de renovar a gestão pública brasileira, não gastou os recursos de que dispunha. Investiu menos de 1 bilhão de reais, do 1 bilhão e 459 milhões de reais de que poderia dispor.

Depois de refutar aqui a falsa informação de que o Governo atual investe em atividades de cunho social -- como quer fazer crer a propaganda oficial --, eu gostaria de dizer que este Governo inverteu as prioridades corretas. Ao invés de desencadear um extenso e controvertido projeto de reformas nos setores da Administração Pública, Tributos, Previdência Social e privatização de empresas estatais; este Governo deveria ter trabalhado no sentido de uma reforma profunda da vida política, dos hábitos políticos. Mas isso não ocorreu.

Num artigo importante sobre o assunto -- publicado no dia 30 de janeiro do corrente ano, no jornal O Estado de S. Paulo --, o professor Ernesto Lozardo, da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, diz que, sem a reforma política, "o Governo de FH inverteu a seqüência das necessidades de reforma".

Já que não conseguiu -- nesses primeiros dois anos e meio de atuação -- realizar as reformas estruturais que pretendia, o Governo atual, segundo o professor Lozardo, concentrou seus esforços na reforma patrimonial. "Ao inverter seu programa de prioridades, o Governo de FH vem demonstrando fragilidade política nas reformas, procurando acomodar demandas que lhe dêem sustentação no Congresso", acusa o professor.

E acrescenta: "O fato relevante é que em nada beneficiarão o País as privatizações das estatais se não houver, em primeiro lugar, as reformas fiscal e tributária, a previdenciária e a administrativa, capazes de assegurar o superávit do orçamento do Governo. O superávit orçamentário é peça-chave na estabilidade do crescimento dos investimentos internos, na política monetária e cambial e na distribuição da renda nacional. Diante do gravíssimo estado de calamidade nos setores de saúde e de saneamento básico nos grandes centros urbanos, privatizar para pagar dívidas é um ato político criminoso. Os recursos da privatização deveriam ser destinados ao social".

Essas são palavras que endossamos integralmente. Para realizar reformas contestáveis, o Governo FH procurou aliados pouco confiáveis, como notamos pelas denúncias recentes sobre compra de votos. Para aprovar a reeleição -- mudança que em nada influi para a solução dos grandes problemas nacionais --, o Governo pode ter enveredado por caminhos obscuros, como indicam as matérias dos jornais. As prioridades inverteram-se de tal forma, que a reeleição -- que tem valor apenas para um ambicioso projeto de perpetuação no Poder -- se sobrepôs às grandes demandas sociais desse País.

Concluo pedindo aos brasileiros para que cobrem, insistentemente, do Governo FHC o seu alardeado comprometimento com as prioridades sociais. Ainda está em tempo de o Presidente escutar aqueles segmentos que, dentro do Governo, estão comprometidos com a agenda social. É preciso investir mais, e com maior eficácia, na área social.

Era o que tinha a dizer.

Obrigado.

A SRª BENEDITA DA SILVA (BLOCO-PT--RJ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Estado não é, por sua natureza, uma entidade capaz de pensar preventivamente soluções para problemas que possam surgir na sociedade que o constitui. Em tempos de avançado estágio da tecnologia da informática, diria que o Estado se assemelha a um computador. Um computador age de acordo com os programas nele instalados e por meio de comandos específicos. Os programas são chamados ao visor, e neles o usuário trabalha.

Um computador apenas recebe os softwares; não tem condições de criá-los. O Estado atua segundo os instrumentos de que dispõe, que lhe são dados pelas forças políticas que o estruturam e, especialmente, pelos que o acionam, pelos grupos de interesse que possuem maior poder de influência. A estruturação que lhe é dada, por sua vez, tem capacidade de ação enquanto não for questionada por outros grupos cujos interesses não estão contemplados ou que se encontram excluídos.

Considero, Srªs e Srs. Senadores, os movimentos de pressão social como criadores de softwares a serem instalados na estrutura do Estado, para que este se torne cada vez mais democrático, em que a oportunidade de trabalho e a participação na riqueza da Nação sejam mais consentâneas com a justiça.

É assim que vejo a questão, por exemplo, da luta dos movimentos em prol da reforma agrária em nosso País. Para essa tarefa, não há outro caminho fora da organização, da participação e da pressão dos interessados, os quais se encontram em situação de exclusão. Não será o Estado a dar-lhes gratuitamente a posição de participantes, porque o Estado só faz o que as forças que o dirigem lhe mandam fazer. Não serão as forças que o dirigem, tampouco, porque essas, naturalmente, querem manter a situação que lhes é propícia.

No mês de julho último, a Datafolha publicou os resultados de uma pesquisa por ela realizada para avaliar o quadro social e econômico do País. A pesquisa ouviu 15 mil e 688 pessoas em 411 Municípios brasileiros. Resultado: os excluídos do Brasil correspondem a 59% da população.

O jornal A Folha de S. Paulo, publicando os dados, definiu o que entende por excluídos: "são pessoas que estão à margem de qualquer meio de ascensão social".

O nobre Senador Josaphat Marinho, em comentário às conclusões do trabalho da Datafolha, escreveu: "os pormenores da pesquisa retraçam vivamente as marcas das desigualdades sociais e econômicas. O levantamento revela que 'a elite se resume a 8% dos brasileiros'. Isso significa -- conclui o Senador Josaphat Marinho -- que 92% não integram o que se chama a 'nata' da sociedade, o conjunto dos grupos dominantes".

Nesse contexto e dentro de uma Nação que vive a perspectiva da democracia completa, como negar autenticidade, razão e oportunidade aos que lutam pela reforma agrária no Brasil, uma luta pelo direito de sair da exclusão?

O problema da terra em nosso País é tabu há já 500 anos. De fato, em 500 anos de existência, nunca o Brasil enfrentou com realismo, decisão e horizonte de futuro a questão fundiária. A mentalidade implantada pelo regime das sesmarias ainda continua entre nós, apesar de esse regime ter sido revogado em 1822, às vésperas da Independência.

As sesmarias, criadas por Dom Fernando em 1375, para povoar o interior de Portugal, deram certo nesse país. Foram, porém, um desastre no Brasil. Desastre pelos ínfimos resultados econômicos produzidos e desastre pela cultura da posse enorme a qualquer custo e para qualquer finalidade. De dimensões fabulosas e limites imprecisos, plantaram a mentalidade da quantidade, da grandeza física, do vazio, da posse pela posse, da reserva de capital, em lugar do necessário para trabalhar, produzir e viver dignamente.

No que diz respeito à extensão, contam-se histórias pitorescas, como a do método de medir a terra pela duração do fumo no cachimbo. Aceso o cachimbo, quando, queimado todo o fumo, o fogo apagasse, marcava-se uma légua.

Com o fim das sesmarias em 1822, o Brasil ficou sem nenhuma legislação agrária durante quase 30 anos, até a promulgação da Lei de Terras, ocasião em que a pressão pelo fim da escravidão, patrocinada pela Inglaterra, estava no ápice. Na Lei de Terras, estabeleceu-se que só se poderia adquirir terra mediante pagamento e pagamentos altos, exatamente para evitar que os ex-escravos pudessem comprá-la e continuassem a ser mão-de-obra barata e abundante para as fazendas.

No Sul, porque fazia frio durante o inverno e, portanto, o clima não era próprio para o café e a cana-de-açúcar, a terra valia pouco. Esse fato possibilitou a criação de uma estrutura agrária menos conflitante e concentrada nessa região.

Em 1945, a reforma agrária defendida pelos tenentes foi inviabilizada mediante uma legislação que exigia pagamento à vista e em espécie para as desapropriações.

João Goulart, depois de 1945, foi o único presidente civil que tentou enfrentar o problema da reforma agrária com determinação. Foi deposto em 1964. E vejamos bem: João Goulart só queria desapropriar as terras próximas às ferrovias, às estradas e às margens dos açudes de propriedade da União.

O Governo Castello Branco fez o Estatuto da Terra. Esse Estatuto foi considerado um bom instrumento jurídico para executar a reforma agrária, mas apenas a segunda parte, a que dizia respeito à política agrícola, saiu do papel. A primeira parte, que dizia respeito à reforma agrária, não avançou.

É nesse terreno, de história tão controversa, contraditória e dolorosa, que se movem os sem-terra brasileiros de nossos dias.

Em 1996, o Instituto Nacional de Reforma Agrária -- INCRA elaborou um quadro da situação das terras no Brasil. O resultado é extremamente grave. No âmbito de 35 mil e 83 propriedades, que constituem somente 1% dos imóveis cadastrados, os latifúndios ocupam 153 milhões de hectares, correspondendo a cerca da metade de todas as propriedades somadas. A área total dessas 35 mil e 83 propriedades perfaz a soma dos territórios da Alemanha, França, Suíça, Espanha e Áustria. 

A terra no Brasil sempre foi um bem concentrado e desperdiçado em termos de produção. As plantações ocupam aproximadamente 14% da área agricultável. Quarenta e oito por cento são ocupados pela pecuária. Trinta e oito por cento não são utilizados para nada.

Quatro milhões e 500 mil produtores rurais de economia familiar são donos de apenas um quarto das terras utilizadas para agricultura e sustentam cerca de 12% da população brasileira -- aproximadamente 18 milhões de pessoas -- produzindo feijão, carne de suíno, milho, ovos e frutas. Isso é o que produzem 4 milhões e 500 mil pequenos produtores rurais. Um contingente significativo de outros pequenos produtores rurais apenas sobrevivem, morando mal, sem assistência, sem nenhum capital, sem incentivos, sem implementos e sem qualquer tipo de crédito.

Senhoras e Senhores, pesquisa realizada na cidade de São Paulo pelo Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo comprovou o que um simples olhar já descortina em todas as grandes cidades do País: nos últimos 10 anos, a São Paulo informal cresceu muito mais do que a São Paulo formal. As novas residências, plantadas em favelas e cortiços, em invasões ou loteamentos clandestinos, superaram os lançamentos da construção civil e a construção de unidades habitacionais pelo Poder Público.

Dados da Prefeitura de São Paulo, cruzados pela referida pesquisa com informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -- IBGE, levaram à conclusão de que também na periferia, onde a cidade mais cresce, o aumento do número de domicílios ocupados superou em 30 vezes a quantidade de novas unidades habitacionais regulares.

Ainda em São Paulo, de acordo com levantamento feito pela Associação dos Administradores de Bens Imóveis e Condomínios, em fevereiro de 1997, existiam 9 mil e 500 unidades habitacionais disponíveis para locação; no início do Plano Real, eram 2 mil. Houve, portanto, um crescimento de 375% em termos de unidades disponíveis. Grande parte, porém, dessas unidades está vazia, porque os necessitados de moradia fogem dos altos preços do aluguel. Em conclusão, afirma a pesquisa: "As pessoas estão em algum lugar, aglomeradas, quem morava na casa dos pais retornou à casa deles, a sogra foi morar com o genro" e assim por diante.

Qual o problema que provocou esse imenso caos nas grandes cidades brasileiras de nossos dias? Não há dúvida, foi o esvaziamento do campo.

O desenvolvimento, naturalmente, provoca uma significativa diminuição da população que vive no interior. No caso brasileiro, no entanto, por suas características e rapidez com que se deu, deve-se falar de verdadeira expulsão do campo. Os moradores do campo no Brasil foram postos para correr. Foram para a cidade, sem qualificação para os serviços urbanos, sem dinheiro, carregando consigo, além de muitos filhos, a frustração, o sentimento de abandono e uma atroz incógnita em termos de perspectiva de vida.

Nos países desenvolvidos, a agricultura faz parte das preocupações estratégicas dos governos. Assim é no Japão, que gasta bilhões de dólares por ano para manter os produtores de arroz em suas minúsculas propriedades. Israel, por questões militares, cultiva hortaliças no deserto. Na Europa, são gastos todos os anos cerca de 50 milhões de dólares para segurar no campo os seus agricultores. Os Estados Unidos, bons de pressão contra os incentivos à agricultura de outros povos, gastam aproximadamente 40 mil dólares por ano por produtor, para que este permaneça no campo.

É claro, nesses países, a solução dada sustenta-se porque o Estado tem política para a agricultura e destina recursos para a execução dessa política.

No Brasil, cuja população pobre do interior se desloca em massa para as cidades, criando os enormes problemas de que já falei, uma política voltada para a manutenção dos agricultores em suas terras, podendo, inclusive, atrair gente da cidade para o interior, na minha opinião, deveria ser uma prioridade nacional.

O solo brasileiro permite essa iniciativa, pois nada menos do que 70% dele são agricultáveis e tem apenas 10% ocupados com lavoura. Isso significa dizer que de cada 7 hectares bons para a agricultura apenas 1 produz. Além disso, o Brasil possui 35% da água fluvial do mundo, além de sol o ano todo.

Imaginemos a potencialidade deste País para a agricultura se, nas condições descritas, já é o maior exportador mundial de café, de suco de laranja, farelo de soja e de açúcar! Imaginemos se aqui se produzisse como se produz na China, que, com apenas 13% de solo agricultável, em 1996, colheu 430 milhões de toneladas de arroz!

Hoje, é comum a afirmação no sentido de que a reforma agrária está fora de moda no mundo. Propaga-se até que a reforma agrária poderá inviabilizar a atual produção agrícola do Brasil. Não tenho dúvida de que isso faz parte de uma estratégia que visa a instalar o pânico, para que as coisas permaneçam como estão, para que não mudem.

Historicamente, os países que fizeram a reforma agrária, no entanto, hoje são partes constituintes das economias fortes. Refiro-me, por exemplo, ao Japão, que a fez em 1946 por exigência do General norte-americano Douglas MacArthur; à Correia do Sul, que também a fez por imposição dos Estados Unidos; a Taiwan, e alguns outros.

No Brasil, continua-se a roncear nesse campo. Fundamentalmente porque entre nós nunca houve uma política agrária eficiente, por questões de cultura e de poder. Sempre se trabalhou aqui com emocionalismos e arroubos retrógrados quando o problema da reforma agrária foi tratado.

Salvo pequenas exceções, como as de alguns perímetros irrigados ou a fazendo Anoni, no Rio Grande do Sul, a maioria das experiências feitas no âmbito da reforma agrária foi executada sem convicção, pela metade, sem planejamento convincente.

Ora, todos sabemos que de nada adianta fazer assentamentos sem uma intervenção global quanto às necessidades dos assentados, isto é, sem proporcionar adequada infra-estrutura, assistência técnica, preços compensadores e comercialização garantida para os produtos.

Também não é por falta de instrumentos legais que a reforma agrária não se faz. A Constituição Federal, por exemplo, no seu artigo 184, determina a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, do imóvel que não esteja cumprindo sua função social. Além disso, há milhões de hectares de terra pública que foram ocupados ilegalmente por grileiros. No Pontal do Paranapanema, por exemplo, existem perto de 1 milhão de hectares pertencentes ao Estado de São Paulo, grilados por gente poderosa, que continuam nas mãos dos invasores, mesmo após o Poder Judiciário ter determinado a entrega dessas terras ao Estado. Nesse caso, a Polícia nunca foi acionada.

A conclusão lógica diante de toda essa trajetória de poderosos interesses, de delongas e ameaças, de sofrimento e morte, é de que não há vontade política.

Na verdade, o Brasil sempre desprezou os homens da terra, desde a época dos bacharéis de direito. Considera-os pés-rapados, broncos e, mais recentemente, perturbadores da ordem estabelecida, vagabundos, moradores sem cidadania.

Nesse contexto, a mudança da história e das mentalidades, especialmente as poderosas mentalidades urbanas, só se faz mediante a pressão, para obrigar -- sim, obrigar -- o Estado a agir, em respeito aos direitos fundamentais de todos os que constituem a Nação.

A reforma agrária não ocorrerá por outros meios, de modo particular em uma época como a em que vivemos, quando a vantagem e o lucro próprios são buscados sem considerar limites de qualquer espécie por quem tem o poder econômico e político.

Diante da lógica do fim que justifica os meios, do agir estratégico e da razão instrumental que permeia os espaços do poder, que se manifesta até na linguagem do dia-a-dia; diante de um pensamento individualista de carreira, de uma mentalidade marcadamente hedonista, do aumento da violência no convívio social, da propaganda publicamente aceita, sem questionamento, da ideologia neoliberal, caracterizada por forte conteúdo sócio-darwinista, diante de comportamentos que buscam legitimar uma inescrupulosa exclusão social de grupos e nações sempre mais numerosos de sociedades restritas e do contexto internacional, resta o caminho da união, da utopia da justiça, da redescoberta da solidariedade.

Nesse sentido, o Estado precisa ser questionado e exigido, para que se torne cada vez mais democrático. Democracia é como criança, não é suficiente a geração biológica, é preciso criá-la para que se torne personalidade amadurecida. Democracia não é só o direito de votar. Isso é pouco. Não é só o direito de falar. É muito pouco só o direito de falar. Democracia é também o direito de assustar, de exigir, para que as coisas mudem. Defendo, pois, o movimento dos sem-terra e todos os movimentos sociais. Eles têm como fim a construção da democracia no Brasil.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/09/1997 - Página 18225