Discurso no Senado Federal

INCONSISTENCIA DE DECLARAÇÕES DO PRESIDENTE DA REPUBLICA, NO QUE TANGE A META DE VIABILIZAR ATE O FIM DE SEU GOVERNO, A FREQUENCIA DE TODAS AS CRIANÇAS A ESCOLA, CASO NÃO SE ADOTE UM FORMATO AMBICIOSO DE PROJETO DE GARANTIA DE RENDA MINIMA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA. REFORMA AGRARIA.:
  • INCONSISTENCIA DE DECLARAÇÕES DO PRESIDENTE DA REPUBLICA, NO QUE TANGE A META DE VIABILIZAR ATE O FIM DE SEU GOVERNO, A FREQUENCIA DE TODAS AS CRIANÇAS A ESCOLA, CASO NÃO SE ADOTE UM FORMATO AMBICIOSO DE PROJETO DE GARANTIA DE RENDA MINIMA.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 10/09/1997 - Página 18454
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • CRITICA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, RECUSA, CONCESSÃO, PRIORIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, PROGRAMA, GARANTIA, RENDA MINIMA, PROVOCAÇÃO, INCENTIVO, FREQUENCIA ESCOLAR, CRIANÇA, PROCEDENCIA, POPULAÇÃO CARENTE, BRASIL.
  • CRITICA, INCOERENCIA, DISCURSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ENTREVISTA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PRIORIDADE, GOVERNO, POLITICA SOCIAL, CRIAÇÃO, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER), FAVORECIMENTO, CLASSE EMPRESARIAL, BANQUEIRO, SIMULTANEIDADE, DEMORA, IMPLEMENTAÇÃO, PROGRAMA, GARANTIA, RENDA MINIMA, PREJUIZO, POPULAÇÃO CARENTE, BRASIL.
  • REPUDIO, OCORRENCIA, VIOLENCIA, RESPONSABILIDADE, SEM-TERRA, ESTADO DO PARANA (PR), TORTURA, EMPREGADO, PROPRIEDADE RURAL, FAZENDEIRO, LUTA, POSSE, TERRAS.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Jefferson Péres, Srªs e Srs. Senadores, desejo, preliminarmente, comentar um aspecto dos pronunciamentos do Presidente Fernando Henrique Cardoso, reiterados na entrevista à revista Veja. Na semana passada, em seu programa no rádio, o Presidente da República apresentou com muita clareza a sua meta: ao término de seu Governo, nenhuma criança estará fora da escola.

Com relação à educação, Sua Excelência afirmou:

      "Um levantamento concluiu que temos 2,5 milhões de crianças fora das escolas. É muito, mas esperávamos 4 milhões ou 4,5 milhões."

Na verdade, segundo levantamento recente do IBGE, este número, 2,7 milhões de crianças, referem-se àquelas de 7 a 14 anos, pois, somando-se aquelas também em idade escolar ou um pouco acima dessa idade chegaremos obviamente ao número próximo dos 4 milhões.

O SR. PRESIDENTE (Jefferson Péres. Fazendo soar a campainha.) - Há orador na tribuna. Rogo a atenção da Casa ao Senador Eduardo Suplicy.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Continua o Presidente:

      "Agora, estamos nos preparando para lançar algum programa com o objetivo de colocar todos na escola. Será um desafio para o Brasil: não ter criança em idade escolar fora da escola. Quando aumenta a freqüência na escola, isso é um índice claro de inclusão."

Na mesma entrevista à Veja, quando perguntado por Roberto Pompeu de Toledo o que significa universalização de serviços e políticas públicas, Sua Excelência respondeu:

      "É procurar atender aos interesses do maior número possível de pessoas. Não se pode confundir democracia com defesa de uma determinada corporação."

No domingo, o Presidente Fernando Henrique voltou ao assunto. Quando estava nos jardins do Palácio da Alvorada, com a presença de crianças que fazem parte de programas de governo, Sua Excelência mencionou, novamente, inclusive ao lado do Governador Cristovam Buarque, sua meta de garantir educação para 2,7 milhões de crianças que ainda estão fora da escola. Isso significa que 9% das crianças entre 7 e 14 anos estão fora da escola, um índice maior do que o dos Estados Unidos e muito maior do que o da Coréia, onde 99% das crianças em idade escolar estão estudando. Afirmou o Presidente que, embora já tivesse feito a promessa há um mês, durante uma visita a Salvador, que só terá uma estratégia para cumpri-la dentro de mais trinta dias. Disse mais:

      "Sei que é uma meta ambiciosa e de difícil execução."

O Presidente Fernando Henrique Cardoso mencionou, no domingo, no Palácio do Alvorada, que 30 mil crianças, em programa do Governo Federal, recebem uma espécie de "bolsa criança cidadã", de R$25,00 de R$50,00 ou até um pouco mais por mês, para que, ao invés de estarem trabalhando, estejam freqüentando a escola.

Trata-se, portanto, de um programa que guarda relação com o Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima, instituído em 1995 pelo Governo José Roberto Magalhães Teixeira e também, no mesmo ano, iniciado pelo Governador Cristovam Buarque, aqui no Distrito Federal: o chamado Programa Bolsa-Escola. Hoje, 23 mil famílias recebem a bolsa-escola, abrangendo nada menos do que 42 mil crianças. Esse programa está atendendo famílias das cidades do entorno de Brasília, em um número muito além do esperado pelo Governo Federal, segundo a Secretaria de Bem-Estar Social.

O SR. PRESIDENTE (Jefferson Péres) - Senador Suplicy, desculpe-me interrompê-lo. Faço-o apenas para prorrogar a Hora do Expediente pelo tempo suficiente para que V. Exª conclua seu discurso.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Já ontem, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, ao falar para uma platéia de 400 cientistas de vários países, na abertura da VI Conferência Geral da Academia de Ciências do Terceiro Mundo, modificou um pouco o seu pronunciamento, referindo-se ao que disse no dia da Independência e no seu programa de rádio, na semana passada, quando Sua Excelência havia colocado como uma meta que iria cumprir, custasse o que custasse. Sua Excelência afirmou:

      "Não é uma promessa. Não cumpre prometer isso. Cabe um esforço, que não é meu só, não. É de todos nós".

Quero dizer que da parte do Partido dos Trabalhadores, da parte da Oposição, já há muito que temos essa meta, aliás, era uma das metas do programa de Luiz Inácio Lula da Silva. Inúmeras vezes reiteraram, Lula e Aloízio Mercadante, que em nosso governo não haveria uma criança fora da escola. E qual era o mecanismo que se procuraria instituir e que estava ali colocado com clareza no programa de governo de Lula? Justamente a instituição, no Brasil, de um Programa de Garantia de Renda Mínima que proveria a cada família, que tivesse criança em idade escolar, de um complemento para que as crianças pudessem estar freqüentando a escola.

Bem, por que é que trago esse assunto aqui ao Plenário? Porque temos tido dificuldade, nesses últimos tempos e nos últimos meses, inclusive aqui no Senado, em aprovar mais rapidamente um projeto nessa direção. Não que a Casa tenha deixado de refletir sobre o assunto, ao contrário, o Senado já votou essa matéria desde 1991 quando o Presidente Fernando Henrique Cardoso usou, para elogiar o projeto, palavras tais como as que Sua Excelência repete na revista Veja quando diz que gosta muito da expressão "uma utopia realista". Em 16 de dezembro de 1991 aqui Sua Excelência falava a respeito do Projeto de Garantia de Renda Mínima, qualificando-o como uma "utopia realista".

Por que razão, até o presente momento, o Presidente da República não encontrou uma forma de dar a mesma prioridade ao Projeto de Renda Mínima que deu, por exemplo, ao Proer? Por que razão acha o Presidente Fernando Henrique Cardoso que a Oposição reclama? Por que razão acha Sua Excelência que lá em Aparecida, quando da ocasião do Grito dos Excluídos, Dom Angélico Sandoli mencionou que este Governo tem tanta pressa para salvar bancos e não tanta pressa para atender os excluídos?

Segundo informações fornecidas pelo Deputado Nelson Marchezan e pelo Senador Lúcio Alcântara - que, na Comissão de Assuntos Sociais, elaborou parecer sobre o Projeto de Renda Mínima - não adianta querer ter uma meta mais ambiciosa com respeito a este Projeto, aprovado em dezembro último na Câmara dos Deputados numa forma muito estrita, porque, no Palácio do Planalto, o Chefe da Casa Civil, Clóvis Carvalho, informou que não há recurso suficiente para instituir tal programa, a não ser nos termos tão limitados, como a ser aprovado pelo Congresso Nacional.

Que termos limitados são esses? Termos que contradizem as palavras do Presidente Fernando Henrique Cardoso na sua entrevista. Por exemplo, no parecer que teve o aval do Palácio do Planalto está dito que só poderão ter acesso ao Projeto de Renda Mínima, com o apoio da União, aqueles Municípios onde a renda per capita e a arrecadação per capita sejam menores do que a média do Estado. O que significa isso? De pronto, já há a exclusão de pelo menos 40% dos Municípios brasileiros em que a renda per capita e a arrecadação per capita são acima da média do Estado.

Ainda no parecer do Senador Lúcio Alcântara, onde se explicita o que a Casa Civil resolveu aprovar, está dito que serão contempladas as famílias carentes cuja renda não atinja meio salário mínimo per capita mensalmente e que, no primeiro ano, serão destinados recursos pela União apenas aos 20% dos Municípios mais pobres dentro daquele universo já limitado; no segundo ano os 20% seguintes; até que, no quinto ano, todos os municípios onde a renda per capita e a arrecadação média per capita sejam menores do que a renda do Estado.

Ora, não é o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso que, nessa entrevista, reitera que é universalização dos serviços e políticas públicas procurar atender aos interesses do maior número de pessoas? Como é que Sua Excelência quer, até o final do ano que vem, atender a todas as famílias em que haja crianças, como essas 2,7 milhões crianças, de maneira a que possam ter recursos para ir à escola e não precisarem trabalhar tão cedo, se Sua Excelência mesmo determina, por intermédio da Casa Civil e do IPEA, que não se pode adotar um formato mais ambicioso para o Projeto de Renda Mínima.

É preciso que o Presidente seja coerente, porque na hora de universalizar direitos para as instituições financeiras que estão em situação de falência o Proer é criado por medida provisória de uma hora para outra e, utilizando, sim, os recursos do depósito compulsório, acaba canalizando aquilo que é necessário para que sejam salvas as instituições financeiras ou senão para que sejam salvos os seus correntistas, mesmo que bloqueando os bens dos acionistas das instituições, que acabam sofrendo problemas.

Mas, obviamente, há repercussão para o Orçamento, na medida em que instituições como o Excel ao absorver o Econômico, o Unibanco ao absorver o Nacional, o HSBC ao absorver o Bamerindus e outros tiveram a oportunidade de receber créditos a taxas bem menores do que as praticadas para o conjunto de correntistas e poupadores da economia brasileira. Ademais, as instituições que absorveram ativos dos bancos - que acabaram modificando o seu nome - puderam abater do seu imposto de renda a pagar significativa parcela, representando, obviamente, uma conseqüência do ponto de vista do Orçamento da União.

Não gosto, Sr. Presidente, de ouvir que a Oposição compara o tratamento dado às instituições financeiras e a pressa - que é dita nas suas palavras mas não nas suas ações - para atender a demanda dos excluídos. Na medida em que o Governo demora tanto a resolver o problema dos excluídos, não deve se surpreender que depois surjam fatos graves, como os havidos no Paraná esta semana. Ainda ontem, o Senador Osmar Dias mencionou que não concordava com aquela ação. Eu também não concordo. Ouvi a entrevista de um dos coordenadores do Movimento dos Sem-Terra no Paraná, que também disse que não poderia concordar com a violência praticada ali, onde um proprietário de fazenda e seus empregados foram torturados, mesmo que os trabalhadores rurais tenham sido objeto de violência antes do episódio. Obviamente, essa violência levou-os a uma reação de desespero, de uma forma que não constrói e não fortalece o MST.

Registro essas palavras, porque tenho dado apoio ao Movimento dos Sem-Terra, e quero também dizer que essas ações resultam, em muito, da demora do Governo em acelerar a reforma agrária, em assentar os que, há tempo, já estão acampados, procurando obter o seu direito de lavrar a terra em nosso País.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Quero, de início, congratular-me com V. Exª, nobre Senador Eduardo Suplicy, por ter - assim como eu e penso que grande número de brasileiros - se debruçado sobre as 11 páginas publicadas pela Revista Veja desta semana, trazendo declarações do Presidente da República. Tenho já uma longa história ao lado de V. Exª, nobre Senador Eduardo Suplicy. Desde meados dos anos 80, temos participado de inúmeros debates, creio que mais de 20, em Anápolis, no Triângulo Mineiro, em Goiânia, em Brasília, e fiquei muito satisfeito em poder também contribuir com V. Exª, que me trouxe a esta Casa para assistir a um discurso em que V. Exª leu um artigo meu apoiando o seu Projeto de Renda Mínima. Agora, gostaria apenas de dizer o seguinte: no Brasil, muitas vezes, as leis vêm na caçamba da história, como aconteceu, por exemplo, com a Lei do Divórcio, que, quando chegou, ao invés de criar uma celeuma, de provocar uma onda de divórcios, veio na caçamba, e todas as pessoas já haviam resolvido os seus problemas conjugais, e, portanto, a lei, praticamente, não teve repercussão alguma. Agora, fico com receio de que o mesmo aconteça com essas leis que visam, por exemplo, seguindo o rastro de V. Exª, procurar um suplemento de renda para as crianças que estão na escola. Parece-me que agora o problema é mais sério. As crianças, se continuassem na escola, se não houvesse a dispersão escolar, se não houvesse a repetência e a miséria, que as arranca da escola, poderiam até se formar, mas, ao se formarem não encontrariam emprego e, portanto, não teriam onde objetivar o seu nível superior de estudo. Temos hoje, no mundo, com a neoliberalização, um bilhão de trabalhadores desempregados. De modo que se não andarmos depressa, se não transformarmos as nossas vontades em prática, certamente iremos "chover no molhado", porque as condições econômicas são tão precárias que as pessoas que conseguem estudar não terão mais onde praticar, onde desenvolver, onde aplicar os seus conhecimentos. Portanto, entraremos num beco sem saída. Muito obrigado.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Agradeço o aparte do Senador Lauro Campos.

É preciso que tenhamos a universalização das oportunidades de educação. Para isso, precisamos aceitar o desafio de ter todas as crianças freqüentando escolas, obviamente escolas que não sejam miseráveis, que estejam a uma distância razoável de suas residências, onde possa haver professores com razoável remuneração, dando a assistência necessária, com o material escolar devido. Mas é preciso que as crianças tenham uma alimentação razoável, para terem força para estudar e não serem instadas por seus pais, por falta de alternativa, a irem para o trabalho e abandonarem a escola.

Para isso se faz necessário, porque os bolsões de pobreza estão em toda a parte, que haja a universalização desse direito. Não basta apenas atender às famílias de crianças dentre os carvoeiros do Mato Grosso do Sul, os sisaleiros da Bahia, os canavieiros de Pernambuco. Faz-se necessário universalizar o direito, estendê-lo a todo o território nacional, porque há famílias pobres inclusive nas cidades mais ricas do Brasil. Decorre disso a necessidade da universalização do direito à cidadania. E é isto que o Presidente precisa ouvir e dizer ao seu próprio Ministro da Educação, Paulo Renato Souza.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/09/1997 - Página 18454