Discurso no Senado Federal

COMENTANDO O COMPORTAMENTO ORDEIRO, A POSTURA DO POVO INGLES E O FUNCIONAMENTO DAS INSTITUIÇÕES BRITANICAS POR OCASIÃO DO FUNERAL DA PRINCESA DIANA. DISCURSO DO PRIMEIRO MINISTRO TONY BLAIR, EM HOMENAGEM A PRINCESA DIANA.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMENTANDO O COMPORTAMENTO ORDEIRO, A POSTURA DO POVO INGLES E O FUNCIONAMENTO DAS INSTITUIÇÕES BRITANICAS POR OCASIÃO DO FUNERAL DA PRINCESA DIANA. DISCURSO DO PRIMEIRO MINISTRO TONY BLAIR, EM HOMENAGEM A PRINCESA DIANA.
Publicação
Publicação no DSF de 09/09/1997 - Página 18407
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • ELOGIO, COMPORTAMENTO, DISCIPLINA, POVO, FUNCIONAMENTO, INSTITUIÇÃO PUBLICA, PAIS ESTRANGEIRO, INGLATERRA, SOLENIDADE, ENTERRO, DIANA SPENCER, PARTICIPANTE, MONARQUIA.
  • ANALISE, SUPERIORIDADE, PARLAMENTARISMO, FORMA DE GOVERNO, COMPARAÇÃO, PRESIDENCIALISMO.
  • ELOGIO, DISCURSO, TONY BLAIR, PRIMEIRO-MINISTRO, PAIS ESTRANGEIRO, INGLATERRA, SOCIEDADE, ENTERRO, DIANA SPENCER, PARTICIPANTE, MONARQUIA.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, durante seis dias, do penúltimo domingo até o sábado passado, o mundo praticamente se voltou para a figura, hoje mítica, da princesa Diana.

Não pretendo me ocupar, no entanto, da personalidade da princesa, sobre a qual tantos já falaram na mídia impressa e televisiva. Não vou falar da sua vida particular, ela que foi tão atormentada pela invasão da sua privacidade, e não vou discutir também, Sr. Presidente, se as suas ações de caridade obedeciam algum desejo de promoção pessoal. Esta me parece uma discussão mesquinha e inútil, porque se trata de uma questão subjetiva, e jamais chegaremos a uma conclusão definitiva para sabermos se uma pessoa faz caridade exclusivamente por um impulso generoso, ou se é movida também por alguma pitada de vaidade.

Desse julgamento não poderia escapar sequer - quem sabe - a igualmente recém-falecida madre Tereza de Calcutá.

Eu gostaria de deixar registrado, Sr. Presidente, apenas porque me impressionaram profundamente, em primeiro lugar, o comportamento do povo britânico, em segundo, o funcionamento das instituições daquele país, ambas espelhadas na realização dos funerais.

Eram mais de dois milhões de pessoas nas ruas postadas no trajeto relativamente curto, para quem conhece Londres, entre o Palácio de Kensington e a Abadia de Westminster. Mais de dois milhões de pessoas, e a ordem foi absoluta. Nem o mais leve tumulto. E mais, Sr. Presidente, além da ordem, a compostura; nada de gritos lancinantes, nada de gestos teatrais, nada de tentativas de abraçar o caixão. Frieza do povo inglês para lançar mão de velhos estereótipos falsos? Não, porque a dor estava estampada nos rostos fechados e no pranto que escorria nas faces de muitos, mostradas nos closes de televisão. Parecia até, Sr. Presidente, que tudo havia sido combinado, até na forma com que se manifestaram.

Entre Kensington e Westminster, quando o corpo era levado para o ato religioso, silêncio absoluto. O povo acompanhou rigorosamente em silêncio, mas quando o caixão deixou Westminster para iniciar a longa jornada até a cidadezinha onde seria sepultada, palmas ritmadas e flores jogadas sobre o carro fúnebre, deixando uma esteira perfumada e colorida no lírico adeus do povo à sua princesa.

Foi - repito - uma manifestação impressionante de amadurecimento do povo inglês, que, aliás, não surpreende. Isso já havia acontecido por ocasião da Segunda Guerra Mundial. Quando as ordens nazistas pareciam invencíveis e incontroláveis, o povo britânico também soube responder ao apelo do seu líder Winston Churchill, que lhe prometia apenas sangue, suor e lágrima. E foi com sangue, suor e lágrimas que aquele povo soube vencer a chamada "Batalha da Inglaterra", quando, durante dois anos, suportaram o mais implacável bombardeio aéreo que qualquer cidade do mundo já suportou até hoje. Em nenhum momento, se ouviu qualquer pedido ou manifestação de derrotismo ou de solicitação de paz. Foi dali que partiu certamente a reação que levou à vitória final sobre o nazismo.

Mas, além do comportamento maduro do povo inglês, Sr. Presidente, é preciso ressaltar o perfeito funcionamento das instituições daquele país, a começar pela sua organização. Acompanhei os funerais desde o seu início e verifiquei como foi tudo cumprido com a mais perfeita organização, Sr. Presidente, fazendo jus à tradicional e proverbial pontualidade britânica. O caixão deixou o Palácio de Kensington pontualmente às cinco horas, hora de Brasília. Chegou em frente à Abadia de Westminster pontualmente às sete horas. O serviço religioso durou exatamente uma hora. E às oito horas, também pontualmente, o caixão deixava a frente da igreja.

Mas não é só isso, Sr. Presidente, não é só a demonstração de eficiência, é igualmente impressionante o funcionamento das instituições inglesas: o Governo, a Casa Real e a Igreja.

A Casa Real, por exemplo, que soube quebrar uma tradição e se curvando à pressão popular, fez hastear a meio mastro a Union Jack, a bandeira do Reino Unido, no Palácio de Buckingham, algo que nunca havia acontecido antes na história daquele país.

Por que a bandeira a meio mastro, no Palácio de Buckingham, era tão importante para o povo inglês? Porque ambas, a bandeira e a Rainha, representam a própria nação inglesa. Era o significado e a mensagem para o mundo de que naquele momento a nação inglesa estava de luto.

E aqui, Sr. Presidente, aproveito para assinalar a importância que tem nos regimes parlamentaristas a separação das figuras do Chefe de Estado e do Chefe de Governo.

Em países presidencialistas, como o Brasil, confundem-se as duas instituições, e isso não é bom, porque não temos um símbolo da pátria. O Chefe de Governo é o chefe de uma facção. Ele contraria, desperta paixões político-partidárias e, quando é hostilizado, de certa forma é hostilizada também a própria Presidência da República.

Em regimes parlamentaristas e em monarquias, ambas as instituições são separadas, e isso é muito bom para a sociedade, para a nação, porque quem serve de anteparo e de pára-raio é o Chefe de Governo. A Rainha está acima das facções; ela encarna a figura da nação como um todo.

Não estou querendo que o Brasil se torne monarquia, evidentemente, mas se fosse parlamentarista, no dia 7 de setembro por exemplo, teríamos separadas as duas figuras. Quando partidos ou facções de oposição resolvessem protestar contra o Governo, como fizeram ontem, atingiriam a figura do Primeiro-Ministro, do Chefe de Governo, jamais do Presidente da República. Até por isso, Sr. Presidente, cada vez mais me convenço da superioridade do parlamentarismo sobre o sistema presidencialista.

Além disso, Sr. Presidente, impressionou-me também nos funerais da Princesa Diana o pronunciamento do Primeiro-Ministro Tony Blair, na Abadia de Westminster, durante a realização do ato religioso, pois não fez um discurso político, não se ocupou sequer da pessoa da Princesa, limitou-se a ler, como todos ouviram, o capítulo 13 da Epístola de São Paulo aos Coríntios, da qual não me furto ao desejo de ler alguns trechos:

      "Se eu falar as línguas dos homens, e dos anjos, e não tiver caridade, sou como o metal que soa, ou como o sino que tine. E se eu tiver o dom da profecia, de conhecer todos os mistérios, de quanto se pode saber; e se tiver toda a fé, até o ponto de remover montanhas, e não tiver caridade, eu não sou nada. E se eu distribuir todos os meus bens em o sustento dos pobres, e se entregar o meu corpo para ser queimado, se todavia não tiver caridade, nada disto me aproveita. A caridade é paciente, é benigna; a caridade não é invejosa, não age temerária nem precipitadamente, não se ensoberbece. Não é ambiciosa, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal. Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade".

      Concluindo: "Agora, pois, permanecem a fé, a esperança, a caridade, estas três virtudes; porém, a maior delas é a caridade."

Essa manifestação do Primeiro-Ministro inglês não foi sequer registrada pela imprensa, Sr. Presidente. No entanto, pareceu-me o ponto mais alto dos funerais da Princesa Diana.

Acabo de ler alguns trechos desta Epístola de São Paulo numa tarde vazia. E é bom que isto aconteça mesmo, simbolicamente, Sr. Presidente. Sei que faço um sermão aos peixes. Quando falo de caridade e amor, sei que estou clamando no deserto, que, infelizmente, os homens públicos, de modo geral, são movidos por interesses pessoais, egoísticos. Falar de solidariedade e de caridade é algo inteiramente estranho à grande maioria deles, que, no entanto, deveriam ser movidos por caridade e solidariedade e olhar a coisa pública como algo a ser usado exclusivamente em função do interesse público.

Era o que eu tinha a registrar, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/09/1997 - Página 18407