Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO NO MEIO EVANGELICO EM TORNO DO PROJETO DE LEI 1.164-D/91, DE INICIATIVA DO EXECUTIVO, QUE TRATA DO CODIGO AMBIENTAL BRASILEIRO, APROVADO NO SENADO FEDERAL E EM TRAMITAÇÃO NA CAMARA DOS DEPUTADOS. ANALISE DE DISPOSITIVOS DO PROJETO QUE CONSIDERAM CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE, SUJEITO A DETENÇÃO E MULTA, A POLUIÇÃO SONORA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • PREOCUPAÇÃO NO MEIO EVANGELICO EM TORNO DO PROJETO DE LEI 1.164-D/91, DE INICIATIVA DO EXECUTIVO, QUE TRATA DO CODIGO AMBIENTAL BRASILEIRO, APROVADO NO SENADO FEDERAL E EM TRAMITAÇÃO NA CAMARA DOS DEPUTADOS. ANALISE DE DISPOSITIVOS DO PROJETO QUE CONSIDERAM CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE, SUJEITO A DETENÇÃO E MULTA, A POLUIÇÃO SONORA.
Aparteantes
Gilvam Borges.
Publicação
Publicação no DSF de 12/09/1997 - Página 18618
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, ARTIGO, PROJETO DE LEI, EXECUTIVO, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, BRASIL, GARANTIA, LIBERDADE DE CRENÇA, CERIMONIA RELIGIOSA, ATENDIMENTO, MANIFESTAÇÃO, IGREJA EVANGELICA.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT/RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, o Projeto de Lei n º 1.164-D, de 1991, de autoria do Executivo, sobre o Código Ambiental Brasileiro, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente ora em tramitação na Câmara dos Deputados, já discutido e aprovado no Senado Federal, tem gerado algumas polêmicas no meio evangélico com relação a alguns de seus dispositivos.

Pela leitura das Sagradas Escrituras, os cristãos têm consciência plena de que a criação do mundo é obra grandiosa de Deus. A Bíblia contém inúmeras referências sobre a natureza como dádiva divina e a determinação de que o ser humano estenderia o seu domínio sobre ela.

Lê-se no Gênesis:

      "Tudo o que se move sobre a Terra e todos os peixes do mar nas vossas mãos serão entregues. Produza a Terra relva, ervas que dêem sementes e árvores frutíferas que dêem frutos, segundo a sua espécie. Povoem-se as águas de enxames de seres viventes e voem as aves sobre a terra.

      Tenha o homem domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre a terra e sobre todos os répteis. Eis que vos tenho dado todas as ervas e todas as árvores para alimento; e todos os animais da terra e todas as aves do céu e todos os répteis. E plantou o Senhor Deus um jardim no Éden, e pôs nele o homem."

Temos, pois, na nossa vida um compromisso cristão na utilização e preservação da natureza que Deus criou e colocou sobre o nosso domínio. Por isso, o projeto de lei sobre proteção do meio ambiente merece todo o nosso apoio. Todavia, os evangélicos manifestaram preocupação com relação a alguns dos seus dispositivos. Chamaram-me a atenção para o fato de que da forma como estão redigidos acabam ferindo princípios constitucionais de manifestação religiosa e principalmente aquelas que têm como práticas, cantar, bater palmas, tocar instrumentos, ou orarem em voz alta.

A Constituição brasileira diz no seu art. 5º, inciso VI:

      "É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias".

E no seu art. 19, inciso I, a Constituição veda..."embaraça-lhes o funcionamento".

Agora analisemos, com cautela, os seguintes artigos do projeto:

      Art. 18 - Constituem crime contra o meio ambiente, punível com reclusão de 1 ano a 5 anos, sem prejuízo das demais sanções fixadas no art. 3º desta lei:

      I - causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais, ou a destruição significativa da flora;

      Parágrafo único - Se o crime for culposo, a pena será de detenção, de 6 meses a 2 anos.

Comentário que gostaria de fazer:

Neste artigo, o inciso I destaca: "causar poluição de qualquer natureza". Está incluída, pois, a poluição sonora. Como tal, os seus infratores estarão sujeitos às penalidades de um a cinco anos de detenção. Ou seja, líderes religiosos, homens e mulheres que pregam o bem comum, estariam à mercê da interpretação da lei, que é por demais genérica, e poderiam pegar até 5 anos de prisão.

      Ar. 19, inciso II - Constitui crime contra o meio ambiente, sujeito à detenção e multa "causar poluição sonora, desrespeitando as normas sobre emissão de ruídos e vibrações resultantes de quaisquer atividades."

Se o crime for culposo, neste caso, a pena será de detenção de 15 dias a três meses e multa.

A rigor, passa por esse artigo as manifestações do sentimento latino, das festas, do carnaval, das comemorações, do folclore em geral. Da mesma forma, sendo as manifestações religiosas geralmente acompanhadas por instrumentos musicais, em sua maioria nos finais de semana, já estão enquadradas neste artigo.

      O art. 67 - Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença, ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes:

      Pena: detenção de um a três anos e multa.

Meu comentário a respeito: as igrejas ficarão diretamente enquadradas neste artigo por construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar os seus templos religiosos.

A bem da verdade, a lei é necessária e de reconhecida importância para todos nós, porém as igrejas protestantes estão em polvorosa, entendendo que estarão cerceadas e ameaçadas na prática dos cultos, protegidos pela Constituição Federal

Manifestações religiosas como cantar, bater palmas, tocar instrumentos, orações em voz alta, glórias e aleluias estão merecendo, não apenas por parte dos evangélicos mas, também, de outras religiões que promovem seus ruídos, preocupação com um possível enquadramento do que se constitui, no projeto, crimes de poluição sonora, passíveis de prisão e multa.

O que fazer neste momento?

O Sr. Gilvam Borges (PMDB/AP) - Permite-me V. Exª. um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT/RJ) - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Gilvam Borges (PMDB/AP) - Nobre Senadora Benedita da Silva, em boa hora V. Exª ocupa a tribuna do Senado Federal. Realmente essa lei precisa ser reavaliada, principalmente no item que se refere à poluição sonora. Isso é muito grave. Temos que avaliar, como V. Exª frisou, a questão cultural que está no sangue, que vem nas gerações e gerações, repassadas no sangue latino. Realmente não é aplicável. À comunidade evangélica e a outras comunidades, que também fazem seus cultos, como a própria Igreja Católica - que já entra também nesse movimento de vibração espiritual - com certeza absoluta não se aplica. Não tem como se aplicar. Isso porque é uma manifestação das pessoas, está no sangue, na cultura. A religião tem um papel fantástico. Além do bojo de sua doutrina, que promete e estabelece na sua filosofia, no regimento, a salvação das pessoas, tem um papel social fantástico. Há milhares de igrejas espalhadas pelo nosso País, onde as pessoas cultuam a Deus, trabalham princípios, discutem idéias também, rezam, cantam. É um trabalho social da mais alta importância. Tira as pessoas da bebida, traz a pessoa a uma reflexão, as pessoas ficam mais dóceis. Quer dizer, há um trabalho além da sua própria finalidade religiosa, mas há um trabalho social de uma contribuição fantástica. E V. Exª ocupa a tribuna, com muita propriedade e com muita altivez, e uma boa hora na defesa do povo evangélico e da livre manifestação. Agora o que a lei pode estabelecer é a questão do horário. Se temos uma Igreja no meio de uma quadra residencial que se estabeleça que os cultos vão até às 23:00 e 24:00 horas e a partir dali, na madrugada também já complica um pouco, porque realmente pode até perturbar o sono de algumas pessoas. Mas quero parabenizar V. Exª por um discurso muito bem fundamentado, avaliando todos os aspectos e fazendo uma defesa justa. Não é aplicável nesse aspecto, a lei não irá funcionar. Portanto, é preciso rever para tirar o povo evangélico deste pânico e desta ameaça. Parabéns a V. Exª pelo pronunciamento.

A SRA. BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Gilvam Borges, que vem acrescentar ao meu pronunciamento uma contribuição, principalmente no aspecto do papel social que as religiões têm exercido nesse contexto. E eu pergunto o que fazer nesse momento? Na atual fase em que se encontra o projeto já não cabe mais emenda aditiva ou modificativa, mas tão-somente, emenda supressiva. E aí todavia, se partirmos para esses recursos - suprimirmos os referidos artigos - certamente, o objetivo maior do projeto, que é a proteção do nosso meio ambiente, ficará comprometido uma vez que as emissões de sons e ruídos, inclusive de clubes, boates, shows, festivais, bares, desfiles de carnaval, dos grupos de funks e rocks, tudo isto não estará regulamentado porque apenas a questão da lei do silêncio não é suficientemente abrangente para, nessas especificidades que são cotidianas, determinar a garantia de que haja uma questão na regulamentação dos decibéis, na questão do som e do ruído, dos dias e locais onde serão possíveis acontecerem e, também, da manifestação religiosa que, aqui, não cabe única e exclusivamente às igrejas evangélicas. Nós temos outras manifestações religiosas que têm sons e ruídos, que batem os seus atabaques. E, como bem colocou V. Exª, uma procissão da Igreja Católica carismática que, agora, já se manifesta com mais instrumentais que antes, com ruídos e grandes sons como, também, as festas religiosas do nosso calendário cívico de manifestações religiosas como acontece nas praias, no dia 31 de dezembro - como acontece no Rio de Janeiro - e tantas outras que, também, estão nesse contexto preocupadas mas que é possível terem uma regulamentação. Então, foi ventilada a possibilidade de se apresentar um novo projeto de lei, com uma regulamentação explícita e objetiva, no sentido de que os referidos artigos não se aplicariam às manifestações religiosas e culturais. Todavia, foi bem lembrado que durante o período de tramitação da nova matéria, muitas vezes bastante demorado, os evangélicos ficariam expostos às multas e prisões constantes daquela Lei, até que se aprovasse, por fim, a tal regulamentação específica.

Por outro lado, o Governo manifestou intenção de remeter nova mensagem ao Legislativo, para regulamentar essa questão, com indicação para tramitação com regime de urgência urgentíssima.

O diálogo, na minha avaliação, é o melhor caminho. Teremos que esgotar todas as possibilidades de diálogo para que se encontre uma saída que atenda aos reclamos da Igreja Cristã Evangélica e outras denominações religiosas, hoje no Brasil com 40 milhões de fiéis. Quarenta milhões de fiéis que estão orando a Deus e sem entender, na verdade, como manifestar-se, porque algumas igrejas já estão tendo dificuldades. Os fiscais têm chegado - como a questão das rádios comunitárias - e dito que está na lei, que não regulamentou, e que não pode funcionar; não existe ainda o projeto das rádios comunitárias. O mesmo está acontecendo com as igrejas. Não vamos usar os mesmos decibéis de um baile funk, por exemplo; mas, precisa de um determinado limite de decibéis, diferenciado do que promove o desfile das escolas de samba e, por conseguinte, dos cultos dos finais de semana. O projeto abrange essas manifestações de finais de semana - principalmente finais de semana. Todas as manifestações culturais e religiosas, de maior volume, acontecem exatamente nos finais de semana.

Essa preocupação levou-me a conversar com o Ministério do Meio Ambiente, com a Drª Aspásia, Secretária Executiva daquele órgão, que me garantiu que não só estaria encaminhando o pedido, com todas as preocupações das lideranças evangélicas, como estaria disposta a receber essas lideranças. O que realmente ocorreu. Ela recebeu as lideranças, que, sentindo-se ainda inseguras, não quiseram que ela tomasse alguma iniciativa do ponto de vista de garantir ao Executivo que bastava uma regulamentação posterior para que pudessem ficar tranqüilos, porque algumas igrejas já estavam tendo, praticamente, que fechar. Não podem funcionar, porque têm que desligar o som. Sou testemunha desse fato, porque moro também perto de um baile funk, de uma escola de samba, das atividades da associação, da igreja católica, das igrejas evangélicas, e sou testemunha que isso realmente está acontecendo.

A Drª Aspásia garantiu também uma audiência junto à Casa Civil, para que essas lideranças evangélicas sejam ouvidas e, assim, surja uma solução negociada para esta questão, cuja preocupação tem procedência, já que esse ponto não foi alvo de análise e estudo nas fases anteriores de tramitação, tanto é que esse projeto passou pelo Senado e nesse momento não atentamos para esta questão. Foi em boa hora que essas lideranças evangélicas se manifestaram, que são de várias denominações, desde os Pentecostais, Assembléia de Deus, Igreja Batista, Presbiteriana, Metodista, Luterana, Igreja Universal do Reino de Deus e tantas outras. Preocupados também estão os que promovem baile funk, rap, e tudo mais que é realizado em praça pública.

A minha vinda a esta tribuna é para chamar a atenção de que vamos lutar para que não seja aprovada uma lei prejudicial à liberdade de manifestação do povo brasileiro, em especial àqueles que precisam usar os meios adequados para transmitir suas mensagens de amor e paz à sociedade e que têm exercido um trabalho que considero importante e que merece de todos nós, como bem colocou o Senador Gilvam Borges uma consideração pelos serviços prestados nessa parte social.

O Sr. Gilvam Borges (PMDB/AP) - Permite-me V. Exª mais um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Concedo o aparte, com prazer.

O Sr. Gilvam Borges (PMDB-AP) - Senadora Benedita da Silva, antes da sua conclusão, quero me colocar à disposição de V. Exª, porque antes de subir à tribuna V. Exª já manifestava nos bastidores desta Casa a intenção de arregimentar os Deputados Federais, a bancada evangélica e ir até o alto Poder Executivo, para uma audiência com o Presidente da República. E se V. Exª articular junto ao Líder deste Governo no Senado e na Câmara, associo-me a V. Exª, para que o povo evangélico e também os Parlamentares ligados às associações culturais estejam todos prontos e juntos para que possamos reverter essa situação. Essa lei não é aplicável. Não se pode calar o Brasil. Temos que ter o direito à manifestação. Isso é coisa de europeu. Congratulo-me com V. Exª e estou à sua disposição, nessa grande luta que já desencadeia para chegar até o Presidente da República.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Agradeço, mais uma vez, o aparte de V. Exª. Concluindo, quero conclamar, com o Senador Gilvam Borges, todo o Senado Federal, para que possamos apoiar essa proposição em uma audiência com o Presidente da República, pedindo a Sua Excelência que possa realmente mandar uma outra mensagem, e que a base de sustentação do Governo no Senado e na Câmara possa também garantir a tramitação em regime de urgência urgentíssima dessa matéria.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/09/1997 - Página 18618